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Democratização do crédito: Open Finance e a tecnologia são parte da solução

Com mais dados disponíveis, será possível personalizar as ofertas de crédito, afirma Leonardo Grapeia, CEO da Bom Pra Crédito

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Open Finance
Open Finance. Foto: Canva

*Por Leonardo Grapeia, membro do Conselho Consultivo da Bom Pra Crédito

Um recente estudo, intitulado “Empréstimos pessoais, taxas heterogêneas e desigualdade”, expõe um problema estrutural do Brasil: a população de menor renda paga juros significativamente mais altos para acessar crédito. A pesquisa mostra que essa discrepância não se justifica apenas pelo risco de inadimplência, pois características como localidade, idade, escolaridade, gênero e vínculo empregatício também influenciam a precificação dos empréstimos.

O estudo cruzou dados do Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), analisando operações de crédito pessoal e consignado entre 2013 e 2019. Essas modalidades representam cerca de 50% dos empréstimos com recursos livres para pessoas físicas. No período, os pesquisadores examinaram 24 milhões de operações, envolvendo aproximadamente 1 milhão de CPFs.

O trabalho é assinado por Marco Bonomo (Insper), Tiago Cavalcanti (Universidade de Cambridge e EESP-FGV), Amanda Fantinatti (EESP-FGV), Fernando Chertman (Banco Central do Brasil) Andrew Hannon (Banco Central Europeu) e Cezar Santos (BID e CEPR).

A renda é fator determinante na precificação do crédito

Os dados mostram que indivíduos com renda de até um salário-mínimo pagam, em média, 51 pontos percentuais (p.p.) a mais de juros do que aqueles com renda superior a 20 salários-mínimos. Embora seja comum associar baixa renda a um maior risco de inadimplência, os números indicam que as taxas cobradas variam amplamente sem uma justificativa proporcional ao risco real de calote.

Além da renda e da probabilidade de inadimplência, os pesquisadores identificaram que aposentados e mulheres pagam mais juros do que homens empregados com carteira assinada. No entanto, a renda segue sendo o fator determinante na precificação do crédito.

Na minha avaliação, no entanto, também é preciso analisar outros aspectos do mercado de crédito. Uma das principais razões para essa concentração de juros mais altos para os mais pobres está na falta de competição no setor bancário. Apesar da leve redução nos últimos 10 anos, o mercado de crédito no Brasil continua altamente concentrado: cerca de 79% dos ativos financeiros estão sob controle de apenas cinco grandes bancos. Essa estrutura limita a concorrência, favorecendo os incumbentes que possuem vastas bases de dados sobre seus clientes, criando barreiras de entrada para novos players e reduzindo a eficiência e a qualidade dos serviços financeiros.

Tecnologias surgem como solução para acessibilidade

Para enfrentar essa questão, o Banco Central do Brasil (Bacen) vem promovendo iniciativas de modernização do sistema financeiro, reunidas na chamada Agenda BC#. Entre essas iniciativas, destacam-se o PIX, o Open Finance, a modernização da legislação cambial e o DREX (moeda digital do Banco Central).

O Open Finance, anteriormente chamado Open Banking Brasil, entrou em operação em fevereiro de 2021 com a proposta de abrir gradualmente o acesso a dados bancários. A iniciativa evoluiu para englobar o compartilhamento de informações do setor bancário, de seguros e de investimentos, permitindo que diferentes instituições financeiras concorram em condições mais equilibradas.

Para que o Open Finance cumpra seu objetivo de aumentar a competitividade e democratizar o acesso ao crédito, três fatores são essenciais:

  1. Atrair um grande número de instituições para o ecossistema;
  2. Estimular a troca de dados entre as instituições, especialmente garantindo que os grandes bancos compartilhem mais informações com novos entrantes;
  3. Aumentar o engajamento do público no compartilhamento de informações financeiras.

Até outubro de 2024, o Brasil já registrava 37 milhões de consentimentos únicos ativos no Open Finance, representando um crescimento de 35% em relação ao mesmo período de 2023. Esse engajamento demonstra que o público tem aceitado bem a proposta, superando um dos maiores desafios da implementação desse modelo.

Potencial revolucionário para transformar o cenário atual

Para ilustrar o potencial do Open Finance na democratização do crédito, o BomPraCrédito, um marketplace de crédito no Brasil, realizou um experimento com 838 clientes que tiveram suas propostas negadas em um primeiro momento. Ao reavaliar essas propostas com o uso de dados do Open Finance, 84% dos clientes receberam novas ofertas de crédito. Desses, 63% tiveram suas solicitações finalmente aprovadas — ou seja, contratos que antes seriam descartados foram convertidos em operações viáveis.

Esse resultado reforça como o Open Finance pode revolucionar a concessão de crédito no Brasil, especialmente para microempreendedores e trabalhadores informais, que historicamente enfrentam dificuldades no acesso ao sistema financeiro tradicional. Com mais dados disponíveis, será possível personalizar as ofertas de crédito, adaptando-as ao perfil real de renda e despesas de cada cliente. Dar acesso ao crédito a milhões de brasileiros será, sem dúvida, uma revolução. O Open Finance tem o poder de reincluir no sistema financeiro aqueles que hoje estão excluídos — um verdadeiro avanço na inclusão financeira, proporcionando acesso ao crédito com apenas um clique.