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Depois da tempestade vem a bonança: Conjuntura

O economista Franklin Lacerda faz uma análise do atual cenário do ecossistema sob o ponto de vista conjuntural

Foto: Canva
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* Franklin Lacerda é economista e CEO da Análise Econômica

Há alguns meses que, dia sim, dia não, alguma startup tem anunciado demissões relevantes de 10%, 20% ou até percentuais maiores, de seus quadros de funcionários. Essa onda de demissão gerou reações das mais diversas, tanto dos mais entusiastas quanto dos mais céticos com o mercado tech.

Não demorou muito e as big techs começaram a engrossar esse caldo, com anúncios da Meta e do Google, mas também de gigantes mais antigas como Intel e Microsoft. Há muitas variáveis em jogo que precisamos analisar para separar o joio do trigo. Nossas análises aqui na AE sempre estão pautadas em dois eixos: estrutura e conjuntura. 

Vamos olhar brevemente para ambos para as questões de conjuntura.

Análise da conjuntura

Para começar, é importante olharmos para a conjuntura. Ela nos fornece um retrato mais fiel do que está acontecendo no presente, sem aprofundar muito o passado nem o futuro, mas conectando os pontos. Nesse sentido, entendemos que existem quatro pontos-chave que devemos observar do ponto de vista conjuntural. Vamos a eles.

Consequências da pandemia

Já vivíamos um crescimento significativo do mercado tech antes da pandemia. O que ela fez ao deixar todos dentro de casa foi acelerar a dependência da vida digital. Muitas startups cresceram, muitas nasceram e o volume de recursos disponíveis foi elevadíssimo ao ponto de que, em 2021, o ecossistema de startups registrou o maior volume de aportes da sua curta história. 

Com o fim da pandemia, algumas questões não estavam bem ajustadas, como a infraestrutura digital (redes 5G, em especial). Mas também questões institucionais. Ambas são elementos estruturais, que falaremos em seguida. Mas ainda havia muito a ser desenvolvido nessas frentes a ponto de frear o avanço acelerado do ecossistema visto em 2020 e 2021.

Guerra na Ucrânia e Guerra Fria 2.0

Quando a pandemia parecia dar sinais de alívio (apesar da variante Ômicron), o mundo foi impactado pela Guerra entre Ucrânia e Rússia. O conflito, motivado por questões geopolíticas, desestruturou o fornecimento de energia para os países europeus e impactou diretamente diversas cadeias globais de valor.

É importante lembrar que a pandemia já havia desestruturado de maneira bastante significativa cadeias produtivas importantes. No caso da Europa, a guerra foi um triplo ataque, pois antes mesmo da pandemia, o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) também havia causado efeito semelhante.

Não podemos esquecer de algo que parece já ter saído de cena, mas que ganhou força no comecinho de fevereiro que é uma nova “guerra fria”. Ela teve início lá em 2016, com as sanções impostas pelos EUA às tecnologias chinesas e, desde então, há uma disputa velada para saber quem vai controlar a infraestrutura da rede 5G, tão necessária para avançar no desenvolvimento econômico pautado nas tecnologias de informação e comunicação.  

Inflação e alta de juros

Como disse recentemente Joseph Stiglitz: “os riscos do aumento das taxas de juros são claros: uma economia mundial fragilizada poderia ser empurrada para a recessão, precipitando mais crises de dívida, já que muitas economias emergentes e em desenvolvimento altamente endividadas enfrentam o triplo infortúnio de deparar-se com um dólar forte, queda nas receitas das exportações e  juros mais altos. Isso seria grotesco.”

O fato de que as cadeias globais de valor estão desestruturadas, somado a pandemia e a guerra, elevaram de maneira bastante significativa os preços de tudo – inclusive de combustíveis e energia. Para evitar maiores problemas, os bancos centrais tiveram que iniciar um processo de alta de juros, cujo efeito é reduzir a demanda – Apple sentiu isso com seus gadgets e apps, Google sentiu isso com publicidade e por aí vai. 

Mas o mais importante foi a queda no volume de investimentos, que o ecossistema de startups viu ao longo de 2022. Apesar do volume de investimentos ter sido superior ao registrado em 2020, muitos investidores e fundos ficaram mais receosos e criteriosos, ao ponto de pensar duas vezes antes de colocar dinheiro nas startups. 

O segmento de fintechs é um bom exemplo disso, pois vimos mais recursos aportados em empresas mais em fase de tração do que em estágios iniciais. 

Desaceleração global (recessão à vista)

Os fatores apontados acima estão contribuindo para a desaceleração da atividade econômica em diversos países. Em suma, há uma recessão no radar. Mas ainda não está claro o quão profunda deve ser essa recessão. A cada novo dado econômico e decisão de autoridades econômicas (principalmente dos bancos centrais), fica a dúvida no ar.

É possível que uma recessão profunda impacte o mundo, mas os policy makers indicam que a recessão pode ser bem mais leve do que se imaginava em 2022. De modo semelhante, apesar das demissões, o ecossistema de startups está bastante vivo e ativo. 

É certo que uma recessão virá. Fica a dúvida sobre a sua dimensão até esta altura. Mas tudo isso só faz sentido dentro de um quadro maior. E é aí que entra a estrutura, como veremos a seguir.