* Franklin Lacerda é economista e CEO da Análise Econômica
No texto anterior, abordamos atentamente os pontos-chave da atual conjuntura que nos ajudam a entender o que está acontecendo no mundo e como essas questões dialogam com a atual onda de demissões das techs (tanto startups quanto big techs).
Mas a conjuntura não é nada sem um cenário, um pano de fundo onde os fenômenos acontecem e ganham sentido: a estrutura. Vamos analisar brevemente as questões estruturais e amarrar os pontos.
Análise da estrutura
O pano de fundo de toda mudança é como a estrutura se modifica. As mudanças estruturais são mais lentas, de longo prazo, contudo, quando estamos próximos a pontos de inflexão, essas mudanças podem gerar tensões relevantes. Duas variáveis estruturais relevantes são o emprego e o patamar tecnológico.
As empresas sempre estão em busca de maior produtividade, mais vendas, mais receita, melhores margens de lucro e, para isso, vão investir em novas tecnologias. O atual ciclo econômico de longo prazo tem início lá na década de 1970, quando começa a se constituir uma constelação de produtos e serviços pautados em tecnologias de informação e comunicação.
Portanto, toda essa “nova economia” digital pautada em aplicativos, softwares, inteligência artificial e outras aplicações, nada mais é do que uma etapa desse ciclo longo iniciado em 1971, com o lançamento do microprocessador da Intel que possibilitou o advento da computação pessoal.
Desde então, vimos um boom de novos postos de trabalho, a reconfiguração de trabalhos já consolidados e o aumento do grau de dependência tecnológica. Apesar desses avanços, para avançar ainda mais, todo esse ecossistema precisa dar um salto em uma infraestrutura de rede muito mais robusta.
Sem esse salto, os resultados das empresas começam a ser pressionados ao ponto de que os investidores deixam de sustentar o crescimento dos negócios. Aí, para manter suas margens, as empresas se veem na obrigação de cortar gastos – incluindo gastos de pessoal.
E mesmo com uma infraestrutura que dê conta de dar suporte a toda essa difusão tecnológica, ainda fica uma ponta solta: as instituições. A economista Carlota Pérez apresentou recentemente algo muito relevante do ponto de vista institucional.
Estamos em um momento histórico em que há muitas gerações existindo simultaneamente.
Temos baby boomers, geração X, Y, Z e por aí vai. Os mais velhos carregam consigo paradigmas da quarta revolução tecnológica e são os representantes do povo. Os mais novos já estão totalmente ambientados na quinta revolução tecnológica, mas ainda não estão totalmente representados. Cada grupo possui uma agenda diferente e isso gera conflitos políticos significativos.
Mesmo com uma lei de proteção de dados, com legislação sobre criptomoedas, com processos que impuseram a separação de serviços comerciais de algumas empresas dos serviços gratuitos oferecidos por elas, dentre tantas outras coisas, a próxima etapa da revolução tecnológica ainda está por vir. Até lá, a tempestade deve ficar mais intensa.
Algumas considerações
Estamos em um ponto de inflexão estrutural. Vivemos um momento muito frutífero até 2021, mas que vem dando sinais de esgotamento. Esse esgotamento se dá principalmente pelos desafios de infraestrutura e desafios institucionais que impedem seu avanço e o desenvolvimento de seu potencial máximo.
Enquanto o ciclo econômico não consegue passar de fase, vários outros problemas, velhos e novos, vão se acumulando e tudo isso vai virando uma grande bola de neve. Até que consigamos superar esse ponto de inflexão, avançando na infraestrutura e solucionando os desafios institucionais, os problemas conjunturais vão se acumular e aprofundar ainda mais a recessão que está no radar.
Os juros devem permanecer altos pelo menos nesse primeiro semestre de 2023, a inflação está em trajetória de queda, mas pode subir com novos capítulos do conflito na Ucrânia e, eventualmente, com a “guerra fria 2.0”, e a recessão está no radar – o que pode elevar o desemprego, reduzir a renda, e desacelerar a economia.
Nesse ínterim, a onda de demissões não deve parar e os investidores devem permanecer mais criteriosos, ao ponto de reduzir o volume de investimentos.
Mas há um lado bom de tudo isso. Com a resolução dos problemas estruturais, os problemas conjunturais podem ser atenuados em alguma medida – com exceção da guerra, que possui uma dinâmica própria – mas pode impulsionar um ciclo positivo de crescimento dos negócios, de investimentos e empregos.
Há uma luz no fim do túnel. Depois da tempestade, virá a bonança. Resta saber se essa bonança vai demorar menos ou mais para vir.
Seguimos de olho!