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Entre o passado e o futuro, onde fica a equidade de gênero na era da IA?

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* Dhafyni Mendes é co-fundadora do Todas Group

Lembro de 2001, quando o filme “A.I – Inteligência Artificial” foi lançado. O ator mirim que faz o personagem principal já havia ganhado o coração do público. O filme de ficção científica foi capaz de unir o cinismo do cineasta Stanley Kubrick e o otimismo de Steven Spielberg em uma adaptação do conto do escritor inglês Brian Aldiss, chamado Supertoys Last All Summer Long (Superbrinquedos duram todo o verão, em tradução livre).

O blockbuster foi um sucesso de público; misturava emoção, ficção científica e é uma adaptação do apaixonante clássico Pinóquio. De repente, muita gente se pegou chorando em frente às telas por causa de um robô com características humanas que implorava à Fada Azul de um parque de diversões antigo para ser um menino de verdade.

22 anos depois, aqui estamos nós, vendo as empresas entrarem numa batalha pela melhor experiência que a inteligência artificial consegue oferecer. Faz mais ou menos 3 meses que o ChatGPT foi lançado pela OpenAI e não demorou até que percebêssemos que essa ferramenta veio para mudar o jogo. Semanas depois, o Google lançou o concorrente do ChatGPT, chamado de Bard. Já existem especulações sobre o envolvimento e o interesse da Microsoft na OpenAI.

Uma pesquisa conduzida nos EUA em 2022 mostrou que os adultos mais jovens, pessoas entre 30 e 44 anos, são os mais otimistas em relação às mudanças que a inteligência artificial pode trazer para nosso dia-a-dia do que as demais faixas etárias – 31% deles considera que a IA vai tornar a vida muito mais fácil. 26% do total de pessoas entrevistadas acha que a nova tecnologia não vai mudar nem para melhor nem para pior suas vidas.

O levantamento mais recente (janeiro de 2023) mostra que mais de 900 empresas já trabalham ao lado da OpenAI para expandir seus negócios em todo o mundo. Os principais setores dos quais essas empresas fazem parte são Tecnologia e Educação – uma alimentando a outra, já que quanto mais pessoas se capacitarem na área de tecnologia, mais serviços e produtos tecnológicos surgirão no futuro. A projeção de crescimento dos investimentos em empresas que fornecem softwares de inteligência artificial salta em grau exponencial até 2030.

Não há dúvida – IA veio para ficar

Os resultados do ChatGPT na produção de conteúdo em diversos formatos é impressionante: redações, vídeos, comentários, fotos, gráficos bem elaborados, uma gama de ferramentas que resolvem as questões propostas. Um jornalista da BBC fez o teste de escrever um texto por meio da ferramenta – disse que o resultado era uma matéria bem resolvida, mas que estava longe de ser uma matéria com alta qualidade de análise e opinião.

O jornalista relatou também que perdeu muito tempo guiando o chatbot para aprofundar o texto em alguns temas, explicar alguns termos e entrar menos em outros, que não faziam parte da matéria. A maior questão que a IA está levantando é essa: estamos todos sendo substituídos aos poucos pela tecnologia de ponta? Essa discussão, apesar de não ser nova, nunca foi tão atual.

Mas precisamos refletir sobre o quanto a inteligência artificial está preparada para a sociedade que queremos construir e o quanto é capaz de assimilar as mudanças comportamentais e sociais que estamos lutando para ganharem espaço, com resultados reais em nosso dia-a-dia. É o caso do avanço pela equidade de gênero.

O aprendizado da inteligência artificial se baseia em informações do passado para projetar o futuro, ou seja, qualquer ferramenta de IA se baseia em estudpos, estatísticas, conhecimentos e comportamentos humanos registrados online para construir uma visão do que é o presente e amplificar tais dados para o que vem a seguir. Sendo bem simplista, é como arrastar uma fórmula de excel para obter projeções de vendas baseada no que foi vendido no ano anterior.

Em relação à equidade de gênero, no entanto, temos um passado nada animador. Estamos progredindo, mas o progresso é lento e com fases de altos e baixos, portanto nós, seres humanos, ainda estamos no árduo e lento processo de aprendizado – com muitos avançõs, eu insisto, mas ainda longe do ideal. Olhando friamente, é muito provável que os softwares de IA interajam com o presente e projetem um futuro baseado em épocas onde a equidade de gênero não era um assunto relevante ou mesmo discutido.

Ainda que fosse, todos os dias nos deparamos com mudanças que necessariamente precisam ser feitas para alcançarmos a equidade de gênero. Todos os dias, novas iniciativas saem do papel para que a igualdade entre homens e mulheres alcance o patamar de transformação social que gostaríamos de ver por aqui.

Se nós ainda estamos patinando neste assunto, se nós ainda estamos aprendendo, tropeçando e acertando ou errando, como os programas de inteligência artificial vão se resolver neste assunto? Será que Bard está pronto para começar esta maratona uns bons quilômetros para trás, nos alcançar enquanto sociedade e nos superar, quando o assunto é equidade de gênero, ainda que ele seja literalmente uma máquina? Será que existe essa preocupação dentro das empresas criadoras e investidoras de AI sobre a capacidade de seus projetos em assimilarem as mudanças sociais que nós estamos ainda caminhando para conquistar?

Já que estamos neste momento de aceleração do mercado de IA , tanto em questão de qualidade quanto de opções, acredito que não exista timing melhor para as grandes empresas de tecnologia analisarem o quanto será benéfico para todos nós se a questão da equidade de gênero já vier como item de fábrica, e não como opcional, para suas criações. Sim, a inteligência artificial poderá facilitar muito a vida de muita gente nos próximos anos, se trabalhar ao nosso favor em questões transformadoras, como as lutas pelas diminuições das desigualdades.

Neste momento, estou contagiada pela mesma mistura de onde nasceu o sucesso de 2001: o cinismo Kubrickiano em relação às tecnologias que são criadas dentro de um contexto ainda desigual entre homens e mulheres e o otimismo de Spielberg de que as grandes empresas estão de olho no quanto a IA precisa acompanhar as transformações em curso, principalmente em relação ao papel da mulher na sociedade – o papel que ela ocupou anos atrás, o que ela ocupa atualmente e o que pretendemos (e vamos) ocupar no futuro.

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