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Fundo Criatec: A história de um dos pontapés iniciais do VC no Brasil

Conheça os bastidores da criação de um dos pontapés iniciais do VC no Brasil, nascido a partir de iniciativa do BNDES

Foto: Canva
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*Paulo Tomazela é sócio da KPTL

O ano era 2005 e num fim de noite de um dia de semana dois consultores, Paulo Renato Cabral e Gustavo Junqueira, saíram de Belo Horizonte de ônibus com destino ao Rio de Janeiro. Na bagagem, uma “tese” de investimentos em inovação, elaborada após uma peregrinação do Sul ao Nordeste do Brasil para visitas e reuniões com representantes de mais de 10 centros de pesquisa, e uma certeza, a de que havia um mar de possibilidades de negócios a ser estruturado em formato de parceria entre a o mundo acadêmico e iniciativa privada. 

A inspiração vinha de países como Israel e Estados Unidos, onde o financiamento à pesquisa não dependia apenas dos recursos do Estado e polos de inovação se mostravam celeiros de startups que transformavam rapidamente setores inteiros da economia. Com uma economia em expansão e condições de mercado favoráveis, seja pelo tamanho da população ou então pelos setores em que o país despontava, para os dois, era apenas uma questão de tempo para o Brasil seguir na mesma trilha. 

Nos meses antecedentes à viagem para o Rio de Janeiro, parte da tese inicial da dupla já vinha sendo revista. Do lado da oferta de bons projetos na academia, tudo havia se confirmado. Já as conversas com investidores mostravam-se frustrantes. Falar de venture capital não estava no campo da expertise dos dois. Tampouco ajudava citar exemplos de investidores de VC, caso eles conhecessem algum no mercado nacional, que na época podiam ser contados literalmente nos dedos. 

O Instituto Inovação tinha sido criado alguns anos antes pra empreender empresas de base tecnológica num tempo em que elas praticamente não existiam. As incubadoras estavam começando, as aceleradoras nem sonhavam em existir e a própria palavra startup não era conhecida. Naquela época, vale lembrar, o rentismo seguia como o norte de boa parte dos investimentos. Por isso o Rio de Janeiro se tornara prioridade. 

Com um nome em mãos, Cabral e Junqueira – que também tinham Alexandre Alves como sócio no Instituto Inovação  – foram até a porta do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e perguntaram por Márcio Spata, um executivo do banco que havia sido indicado num elevator pitch feito em BH. 

A tese proposta por Junqueira e Cabral era a de encontrar 50 potenciais tecnologias, criar uma empresa para cada pesquisador e buscar cheques de R$ 2 milhões para que as mesmas fossem estruturadas. Spata explicou que obter apoio do BNDES não era tão simples. Mas tinha gostado do que acabara de escutar. Meses depois a dupla “descobriu” que seria lançado o edital de um fundo para 50 investimentos com base tecnológica nacional e que o BNDES estava disposto a aportar R$ 80 milhões. Desde a visita ao banco, e após a explicação do Spata de que o banco divulgava em seu site, de tempos em tempos, o anúncio de editais para selecionar Gestores de Fundos de Investimentos, os dois passaram a visitar o site do banco quase diariamente. 

Neste momento, o Instituto Inovação percebeu que grande parte da tese apresentada por eles estava refletida no edital, já sob a denominação de Criatec. Era a hora então de se prepararem para enviar uma proposta. Mas logo de cara entenderam que a empresa deles não cumpria alguns quesitos básicos, como por exemplo serem registrados na CVM como gestores de capital de terceiros. Procuraram então, para ganharem tempo, algum gestor que tivesse o tal registro e encontraram a Antera Gestão de Recursos. Constituíram uma sociedade e foram  para o edital. E foram vencedores!

Algumas diferenças de visão dentro dessa nova sociedade, acabaram fazendo com houvesse uma cisão societária apenas 18 meses depois do junção. Dessa cisão nasceu a Inseed Investimentos, hoje KPTL, que ficou responsável por todo o processo de prospecção de oportunidades de investimentos (36 investimentos em 36 meses de fundo), pelo processo de aceleração do crescimento das empresas investidas, e também do desinvestimento (venda) desses negócios.

Hoje a família de Fundos Criatec é composta por quatro fundos, que totalizam cerca de R$ 0,8 bilhão de reais em capital comprometido. Deles saíram negócios inovadores e de impacto socioambiental, com vários exemplos notáveis.

A fabricante de respiradores Magnamed, essencial no tratamento da Covid-19, surgiu como uma empresa sediada dentro do CIETEC,  incubadora da USP, e hoje é a maior produtora brasileira de ventiladores pulmonares. Já o Grupo RPH é até hoje o único player privado do setor de radiofármacos (medicamentos para tratamento e exames de diagnóstico por imagem). Desenvolvedora de uma técnica complexa de micro encapsulamento, a Nanovetores deu retorno de 14 vezes aos seus investidores. E por fim a BUG, que desenvolveu um criadouro de ovos de moscas que ajudam no combate a pragas na plantação de cana de açúcar e outras culturas.

É claro que numa trajetória de mais de 15 anos em capital de risco, no Brasil, nem tudo são flores e algumas companhias não prosperaram como se desejava. Seja porque as soluções que ofereciam eram sofisticadas demais para a época, seja porque as teses de negócio tinham falhas ou até mesmo porque alguns empreendedores descobriram, depois de serem investidos, que na verdade não queriam sócios.

Além disso, nesse tempo todo, não bastasse os desafios que o Venture Capital nos estágios iniciais já traz em qualquer lugar do mundo, ainda enfrentamos quebra do Lehmann Brothers em 2008, a grande recessão brasileira de 2014, a pandemia da Covid19 em 2020, a guerra na Ucrânia em 2022, etc…

Bom, muita água passou por debaixo desta ponte chamada Criatec e o fato é que 32 das 36 empresas já foram desinvestidas. Além disso, daquele primeiro movimento de 2005,  novas gestoras nasceram de profissionais que trabalharam na construção do primeiro fundo Criatec, como a própria Inseed, a SP Ventures, a Triaxis, além de formar diversos profissionais desse mercado. Hoje os empreendedores têm no investimento via Venture Capital uma opção para o crescimento dos seus negócios. 

De fato, é um legado considerável para o primeiro grande fundo de Venture Capital do Brasil e que provavelmente ninguém que estava naquela manhã de 2005 no prédio do BNDES poderia imaginar.