*Paulo Tomazela é sócio da KPTL
Nem tudo foram flores nos anos iniciais do Fundo Criatec, primeiro grande fundo de Venture Capital do Brasil. Até solidificar seu papel fundamental na construção de uma cultura empreendedora e inovadora no país, muitas “pedreiras” tiveram de ser superadas. Os primeiros choques de realidade enfrentados pelos investidores e pelos empreendedores foram, no mínimo, significativos e repletos de aprendizados.
Inicialmente, a ausência de uma cultura brasileira de empreendedorismo e inovação dificultou bastante a identificação de projetos viáveis e de qualidade para investimento. Além disso, havia uma prevalência absoluta da lógica de private equity em relação ao VC, o que limitava o número de opções para empresas menores. A lógica de compra de participações era simplesmente outra. E como era difícil explicar as vantagens do novo método que estava sendo proposto.
Outro fator que complicava a situação era a ausência não apenas do termo, mas do conceito de startup early stage. Para os gestores era como tentar impor uma nova definição de conceito e princípios. Obviamente essa barreira tornava mais difícil a identificação de projetos com potencial de crescimento e retorno financeiro no longo prazo.
Ademais, muitos dos pesquisadores e cientistas que desenvolviam tecnologias inovadoras não tinham o tino empreendedor necessário para transformar suas ideias em negócios. Isso mudou, mas muito pouco. Não por culpa deles individualmente, mas por uma dinâmica científica que privilegiava, e ainda prioriza, o pesquisador que tiver mais citações em publicações acadêmicas. Emplacar seus estudos nestas publicações era, muitas vezes, a finalidade do trabalho em si. Ainda não temos no Brasil uma visão destes profissionais de transformar conhecimento em business, como por exemplo acontece muito nos Estados Unidos e em Israel.
Além disso, muitas tecnologias eram muito incipientes e, muitas vezes, até avançadas demais para a época, o que dificultava a sua implementação e comercialização. Afinal como transpor essa barreira? Por exemplo, a DIAGNEXT produzia gestão da informação de altíssima precisão em altíssima resolução, após desenvolver um complexo processo de compactação e descompactação de imagens médicas. Era ideal para laboratórios e centros de imagem e quase foi vendida para a Oi. Mas o ambiente não estava preparado para essa tecnologia.
Como resultado, empresas muito pequenas não tinham acesso a bancos para financiamento – contratação de dívida – tampouco a investidores em troca de participação (equity). Além disso, não existia a lógica de escalabilidade e multiplicação de valor de mercado, que é fundamental para os investimentos em Venture Capital. Parecia uma conexão impossível entre dois mundos com mentalidades altamente divergentes e pouco complementares.
Outro desafio era a falta de um olhar generoso sobre as possibilidades de proliferação de tecnologias inovadoras. Muitas vezes, os investidores olhavam apenas para o mercado brasileiro, sem considerar o potencial de expansão das empresas para além das fronteiras nacionais. Havia uma timidez latente no eventual olhar para um cenário de internacionalização.
Porém, apesar de todos esses desafios, o Fundo Criatec – que tem o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e o Banco do Nordeste (BNB) como principais cotistas – surgiu como uma opção pioneira para startups em busca de investimento. Não havia outro fundo fazendo o que o fundo se propunha, tampouco na velocidade em que se propunha a investir. Tratava-se de um combo de intenções completamente novo.
Ainda assim, cada sondagem ou pitch era sempre uma conversa de convencimento e de criação de uma cultura de governança, de Sociedade Anônima (S/A). A ideia era incentivar as startups a se profissionalizarem e a terem uma estrutura adequada para receber investimentos e crescer. Se hoje isso parece óbvio, acredite, na época parecia que estávamos falando grego. Em braile!!!
Cases de sucesso
Apesar dos desafios, nos primeiros anos do Fundo Criatec foram analisadas quase 2.000 empresas, sendo que 36 delas receberam investimento e várias alcançaram grande sucesso no mercado. Um dos principais exemplos é a Magnamed, que com tecnologia própria se estabeleceu como a maior fabricante brasileira de ventiladores pulmonares e foi imprescindível para enfrentar a pandemia de Covid-19.
Outro exemplo positivo foi a BUG Agentes Biológicos, que desenvolvia ovos de insetos em laboratório para controle biológico de pragas e doenças em lavouras. Com o investimento do Fundo Criatec, a empresa cresceu significativamente e se tornou referência no setor, sendo comprada pela multinacional holandesa Koppert.
No entanto, o sucesso não foi garantido para todas as empresas investidas pelo Criatec. Algumas não alcançaram o sucesso esperado e acabaram fechando as portas. Na verdade, isso é muito comum no ecossistema do empreendedorismo e deve ser encarado como uma possibilidade plausível e natural, o que não significa de forma alguma um espírito de derrotismo.
Muito pelo contrário, a existência do Fundo Criatec ajudou a mudar a cultura de investimento e empreendedorismo no Brasil. Ao longo dos anos o que se construiu foi uma jornada de ampliação de conhecimento e amadurecimento que segue transformando o Venture Capital brasileiro. A partir dessa iniciativa, outras empresas e investidores passaram a se interessar ativamente por esse mercado e a buscar oportunidades em startups.