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IA e direitos de imagem póstumos: a campanha da Volks com Elis Regina

De acordo com a lei, cabe aos descendentes estabelecer os limites para o uso da imagem de um falecido

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

*Adriana Rollo e Júlia Bayma são sócias do BZCP

A mais recente campanha da Volkswagen no Brasil, em comemoração aos seus 70 anos, causou um grande impacto nas redes sociais ao levantar questões sobre o uso da inteligência artificial para “reviver” pessoas e memórias. Esse debate tem gerado discussões acaloradas sobre a autorização de uso de imagem de pessoas falecidas no contexto de tecnologias inovadoras.

Em um cenário permeado por nostalgia e emoção, a campanha apresenta Maria Rita ao volante da versão elétrica da icônica Kombi, entoando o clássico de Belchior “Como Nossos Pais” ao lado de sua mãe, a saudosa e renomada compositora Elis Regina, que marcou os anos 70 com sua versão dessa música. Para criar essa cena, a Volkswagen utilizou uma atriz dublê para dirigir o veículo, enquanto o rosto de Elis Regina foi inserido na cena por meio da tecnologia baseada no reconhecimento facial, chamada de “deepfake”.

Após assistir ao comercial, muitos se perguntaram: é permitido utilizar a imagem de Elis, que faleceu em 1982, para fins comerciais? A resposta é sim, desde que haja autorização dos seus sucessores.

Fato é que embora a personalidade civil se encerre com a morte da pessoa nos termos da lei, a sua memória deve ser protegida. Por essa razão, os parentes próximos se preocuparão em manter a dignidade da pessoa falecida, podendo tomar todas as medidas cabíveis para evitar ou reparar danos à sua imagem após a morte.

No caso da campanha da Volkswagen, muitos se perguntaram se Elis Regina consentiria em ter sua imagem vinculada a uma publicidade e a verdade é que essa decisão coube aos seus herdeiros tomarem por ela. A presença de sua filha no comercial sugere que ela tenha autorizado o uso para essa finalidade, e provavelmente seus outros filhos, João Marcello e Pedro Mariano, também tenham.

Qual é o limite?

Outra questão relevante nesse contexto de tecnologias capazes de reproduzir com tamanha semelhança um indivíduo é: qual é o limite para o uso da imagem de uma pessoa falecida? Seria possível utilizá-la para qualquer propósito, inclusive em situações que supostamente iriam de encontro com os interesses da pessoa quando viva, como o uso em filmes pornográficos? Novamente, de acordo com a lei, cabe aos descendentes estabelecer esses limites.

Sabemos que a tecnologia vem evoluindo de forma rápida nos últimos anos, o que significa que essas considerações não foram abordadas na época em que as regras de proteção à dignidade da pessoa falecida foram estabelecidas no Brasil. Por isso, é fundamental e urgente que questões referentes às tecnologias emergentes sejam abordadas de forma adequada pela legislação.

Nesse sentido, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei nº 2.338/2023, proposto pelo Senador Rodrigo Pacheco, que trata do uso da inteligência artificial. Espera-se que o texto final dessa lei seja capaz de abordar de maneira eficiente o uso ético da inteligência artificial, levando em consideração as discussões e desafios contemporâneos.