*Por Ricardo Oliveira, advogado do Chiode Miniccuci Littler
A adoção de produtos de inteligência artificial nas empresas vem ocorrendo com uma rapidez inédita no Brasil. Ferramentas como as de escrita, interpretação, pesquisa, tradução ou extração de dados chegaram ao mercado a um custo muito competitivo, provocando uma adoção imediata no setor privado. Segundo um estudo apresentado pela Amazon, 40% das empresas brasileiras já utilizam alguma ferramenta de IA, um índice semelhante ao adotado por companhias privadas na Europa.
O problema é que a alta demanda conduziu a uma implementação de soluções de IA em série, muitas vezes, transferindo às empresas e aos usuários a tarefa de separar o que é robusto e confiável do que é apenas marketing. As ferramentas de IA trazem, ao mesmo tempo, vantagem e risco.
O risco aumenta quando se aplicam IAs na tomada de decisões que têm impacto na vida dos empregados, com temas correlatos ao departamento de recursos humanos, como em processos de admissão, rescisão, avaliação de resultados, metas ou, até mesmo, monitoramento de produtividade, jornada e tratamento de dados pessoais.
Um outro ponto de atenção é que muitas vezes a contratação dos produtos e ferramentas de IA nas empresas é feita pelos próprios empregados, buscando resolver uma lacuna específica e a realização de tarefas básicas, como edição de texto, tradução, geração de imagens ou transcrição sem autorização ou controle da companhia, criando o que estudiosos chamam de “Shadow AIs”, que é o uso de ferramentas de IA sem a supervisão do departamento de TI ou da governança da empresa.
Estratégias para uso adequado de IA nas empresas
É essencial que a empresa use as tecnologias a seu favor, saiba o que está acontecendo e estabeleça de forma clara em quais ambientes podem ser feitos estes tipos de experimentações pelos empregados e quais as lacunas a inteligência artificial nas empresas consegue suprir, se valendo de políticas internas bem estruturadas e programas de treinamento dos empregados que permitam a existência de um ambiente de inovação segura.
A tendência regulatória no Brasil e no mundo caminha para classificar os sistemas de IA conforme níveis de risco, com regras específicas para cada categoria. Na área de recursos humanos e nas relações de trabalho, por exemplo, sistemas que auxiliam em contratações, promoções ou rescisões, pelo Projeto de Lei nº 2.338/2023, assim como pelo AI Act, da União Européia, são considerados de alto risco.
Outro ponto crítico é a proteção de dados. A Lei Geral de Proteção de Dados já impõe às empresas a obrigação de saber que tipo de informação coleta, como utiliza e com quem compartilha. Com a entrada da IA nesse cenário, o risco de vazamento ou uso inadequado cresce exponencialmente. Um currículo alimentado em uma plataforma sem controle, por exemplo, pode expor dados pessoais sensíveis e gerar questionamentos judiciais sobre segurança e responsabilidade.
Inteligência artificial como vantagem competitiva
A tendência legislativa e judicial é cobrar que as empresas tenham a capacidade de demonstrar que o uso de ferramentas de IA seguras e robustas, que tomam decisões de forma imparcial e transparente, e que tem meios de demonstrar o que motivou cada decisão, valendo ressaltar, ainda, a necessidade e importância de intervenção humana na tomada final das decisões.
Mais do que uma questão de conformidade da adoção de inteligência artificial nas empresas, antecipar-se a esse movimento é um fator de competitividade. Corporações que conseguem demonstrar segurança, imparcialidade, aplicabilidade e transparência no uso de IA saem na frente. Elas têm mais chances de firmar contratos com clientes globais, que exigem elevados padrões de compliance, principalmente aqueles que fazem parte da União Européia, que já contém legislação específica sobre o tema.
Já temos visto algumas multinacionais exigindo de fornecedores declarações sobre como utilizam IA em processos seletivos ou de gestão de pessoas, sob pena de exclusão de cadeias de fornecimento. Neste cenário, estar preparado e poder mostrar conformidade do uso de IA não apenas evita riscos, mas abre portas para novos mercados para empresas. Mas não só. Como destacou recentemente o portal Startups, a IA também pode impulsionar a carreira dos funcionários.
A relevância da adoção de Inteligência Artificial nas empresas pode ser vista no aumento de estudos acadêmicos, relatórios setoriais e eventos voltados a discutir os impactos da Inteligência Artificial nas empresas. Recentemente, optamos por incluir a IA como eixo central do tradicional Brazil Regional Employer Conference, evento anual que discute os principais impactos, desafios e tendências para o futuro do trabalho no Brasil e que será realizado agora em setembro. Desde o início, ficou claro que seria impossível tratar do assunto apenas pela ótica jurídica. Foi necessário reunir especialistas em tecnologia, saúde mental, governança, recursos humanos e compliance, além de autoridades do TST e do Ministério Público do Trabalho. Esse desenho multidisciplinar permitiu debater tendências regulatórias globais e bem-estar nas empresas, sempre a partir de diferentes pontos de vista sobre os impactos da IA nas relações de trabalho.
Essa experiência reforça a lição central: a adoção de IA no mundo corporativo precisa ser integrada. Jurídico, TI, Compliance e Governança devem atuar lado a lado com recursos humanos para que a inteligência artificial seja incorporada com segurança, ética e estratégia nas relações entre empresa e trabalhador. O desafio não é apenas acompanhar a transformação em andamento, mas garantir que ela seja usada como meio de inovação sustentável e de geração de valor.