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Inverno das startups: as lições que 2022 deixou para os empreendedores

Lessons learned
Lessons learned. Crédito: Canva

*Mariano García-Valiño é CEO da Axenya

O ano de 2022 talvez tenha sido o primeiro ano, em mais de uma década, em que foi mais fácil ter uma ideia de negócio excepcional do que ter recursos para financiá-la. As empresas de tecnologia, grandes e pequenas, tiveram que repensar as chamadas “burn rates” (taxas de queima de caixa, em tradução livre do inglês), o tamanho equipe, as estratégias de crescimento e se adaptar a tempos mais difíceis, valuations mais baixos e uma sensação atípica de escassez de capital. 

Milhares de profissionais de tecnologia que, apenas alguns meses antes, ignoravam sem rodeios as ligações dos recrutadores, se viram procurando emprego, muitos deles pela primeira vez em suas vidas. Os investidores de venture capital do Vale do Silício, obcecados por trabalho, simplesmente fecharam a loja por vários meses e saíram de férias por semanas, esperando a “tempestade” passar. Empreendedores, acostumados a ter investidores batendo em suas portas com sacos de dinheiro, de repente começaram a refazer o orçamento e cortar despesas para garantir a sobrevivência da empresa.

Não vou aborrecê-los com números – todos sabem que o mercado caiu em 2022. Basta pesquisar rapidamente no Google e você obterá todos os tipos de números, análises e comparações. Não é isso que me interessa. Gostaria de falar um pouco sobre o que um humilde empreendedor pode fazer a respeito.

Primeiramente, pare de choramingar. No primeiro mês, você tinha o direito de pensar que era azar. Mas se você ainda está pensando assim, você é quem está errado. Como Shakespeare disse naquele famoso trecho:

“What fates impose, that men must needs abide; it boots not to resist both wind and tide” (“O que o destino impõe, os homens devem necessariamente obedecer; ele começa a não resistir ao vento e à maré”, em tradução livre). 

A certa altura, você precisa enfrentar o fato de que não pode mudar o meio em que está inserido. Mas você pode, e deve, mudar de atitude. Aqui vão algumas ideias de como pensar neste ambiente. Não é de forma alguma uma lista completa, mas são sete princípios que funcionaram para mim nesses últimos meses.

1 – Certifique-se de estar construindo um negócio com DNA tecnológico

Se você está construindo um negócio físico com um aplicativo, você não é uma empresa de tecnologia. Deve haver unicórnios por aí com essa história e fortunas que foram feitas em cima disso. Mas mercados diferentes proporcionam coisas diferentes e este não permite empresas semi-tecnológicas inexperientes. Encontre uma ideia verdadeiramente voltada para a tecnologia.

2 – Determine que tipo de inovação você está construindo

Não simplifique nem caia em modismos. “Inovação disruptiva” não é um conceito trivial. A definição é complexa: o livro The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail (2016), de Clayton Christensen, explica o conceito profundamente.  Detalhá-lo aqui levaria muito espaço e com certeza não faria justiça ao brilhante pensamento do autor – entendê-lo, porém, é fundamental. De forma prática, é importante ser honesto sobre o seu negócio. A inovação que você oferece é incremental ou disruptiva? Não há nada de errado com a inovação incremental, mas ela requer uma estratégia diferente da disrupção. Certifique-se de conhecer os dois e saber qual delas você está tentando. Entenda também se você está inovando na estratégia, no produto ou em ambos. O livro Loonshots (2019), de Safi Bahcall, irá ajudá-lo aqui. 

3 – Pense a partir de princípios básicos

Não siga um manual, nunca. Execute o que faz sentido com base em onde você está e no que você tem, independentemente do que os outros pensem ou façam. Lembre-se do que Warren Buffett diz no livro The Snowball Warren Buffet and the Business of Life (2008): “Você não está certo nem errado porque outras pessoas concordam com você. Você está certo porque seus fatos estão certos e seu raciocínio está certo – essa é a única coisa que o faz ter razão. E se seus fatos e raciocínio estiverem corretos, você não precisa se preocupar com mais ninguém”. Isso não significa que você não deva copiar boas ideias, a propósito – mas não faça isso cegamente.

4 – Faça da captação de recursos parte de sua estratégia

Não faz sentido construir um plano que você não pode financiar. Antes, isso não importava, porque você poderia financiar tudo. Agora é vida ou morte. Construa o que você precisa para financiar a próxima etapa, nem mais nem menos.

5 – A estratégia não é para sempre

Entenda que uma estratégia só funciona por um tempo limitado. Você pode ser o único com a ideia inicialmente, mas, depois de executá-la, com algum tempo todos os outros aprenderão. Use a vantagem do tempo para construir coisas que agreguem valor sustentável: marca, escala, efeitos de rede etc. Se sua estratégia não o levar até lá, logo ela ficará obsoleta. Memorize os ensinamentos do livro Crossing the Chasm (2014), de Geoffrey Moore.  

6 – Testar hipóteses em pequena, minuciosa e microscópica escala (se possível)

A maioria das ideias estará errada, por isso não invista muito dinheiro até saber o que está fazendo. Pivotar deve ser o padrão para qualquer iniciativa, não o último remédio. A menos que você possa provar que faz sentido continuar fazendo algo, apenas interrompa-o.

7 – Olhe para o seu time

Normalmente, as pessoas crescem mais lentamente do que as empresas. Grandes pessoas podem recuperar o atraso. Muitos (a maioria?) não. Faça a decisão de ajuste no time rapidamente. É chato, mas você precisa fazer isso. Como Jack Welch disse no livro Straight from the Gut (2003): “Não quero ninguém na minha equipe que ache fácil demitir, mas também não quero ninguém que não consiga fazê-lo”. 

Observe que não estou reafirmando as dicas óbvias (cash is king, tenha clareza do seu modelo de receita, etc). Esses são lugares comuns, às vezes certos, às vezes errados. Mas são apenas os pontos básicos. Se você estiver em uma situação em que essas são as medidas indicadas e você não souber como executá-las, não se preocupe com o que foi dito acima – sua empresa não viverá o suficiente para que sejam úteis. Mas se você conseguir administrar o básico, alguns deles serão muito úteis. Eu prometo.

E sim, os livros que estou citando acima são muito melhores do que este artigo. Se você ainda não os leu, vale a pena procurá-los.