*Bruna Marrara é sócia na área de Direito Tributário do Machado Meyer Advogados
É comum que rodadas de investimento de startups sejam precedidas de reorganização que envolva a transferência da participação societária detida na empresa brasileira à companhia constituída no exterior, em jurisdições cuja legislação oferece maior flexibilidade e segurança jurídica a investidores estrangeiros. Essas reorganizações também são implementadas por companhias brasileiras que buscam acesso ao mercado de capitais estrangeiro, mediante listagem em bolsa de valores no exterior.
Como resultado dessas reorganizações societárias, também conhecidas como inversões de capital ou “flip”, os sócios originais passam a deter participação societária em sociedade no exterior que, por sua vez, se torna controladora da startup brasileira.
Como regra geral, as inversões são implementadas sob o formato jurídico de aumento de capital da companhia estrangeira com a entrega das ações ou quotas da startup brasileira. Sob a perspectiva tributária, deve-se avaliar os impactos dessa transação para os sócios fundadores e, para fins deste artigo, focaremos em sócios brasileiros pessoas físicas.
O flip implementado é qualificado como alienação e pode motivar o reconhecimento de ganho de capital tributável caso o valor atribuído às ações ou quotas seja superior ao seu custo de aquisição, conforme registrado pelos sócios fundadores. Contudo, não há dispositivo legal que exija a valoração da participação societária a mercado para fins da transferência, sendo possível que o valor de custo seja adotado pelas partes, de modo que a transação seja fiscalmente neutra.
De acordo com a regulamentação do Banco Central do Brasil, a inversão requer a implementação de operações simultâneas de câmbio, com valor suportado por laudo que indica o valor máximo que pode ser atribuído às ações/quotas. As operações de câmbio simulam a saída de investimento brasileiro para o exterior (sujeita à incidência do IOF/Câmbio à alíquota de 0,38%) e a entrada de investimento estrangeiro no Brasil (sujeito à alíquota zero do IOF/Câmbio). Trata-se do custo tributário da implementação do flip.
Os lucros e dividendos pagos pela startup brasileira à sua nova controladora no exterior não são tributados no Brasil mas podem, em tese, serem tributados na jurisdição em que tal controladora é residente. Por sua vez, os lucros e dividendos distribuídos pela companhia estrangeira aos sócios fundadores brasileiros serão tributados no Brasil.
No caso de sócios fundadores pessoas físicas, o Imposto de Renda incide à alíquota máxima de 27,5% e eventual tributo incidente na fonte sobre os dividendos na jurisdição da controladora no exterior (pouco provável) poderá ser deduzido do imposto devido no Brasil.
Apesar de as startups não serem, via de regra, entidades lucrativas aptas a distribuir dividendos, na hipótese de distribuição futura, a tributação dos dividendos pelos sócios brasileiros representa ineficiência resultante do flip.
Nos casos de evento de liquidez envolvendo alienação privada das ações da companhia no exterior, o ganho de capital obtido pelos sócios fundadores pessoas físicas ficaria sujeito à tributação no Brasil, às alíquotas progressivas de 15% a 22,5%. Esse mesmo tratamento é aplicável ao ganho de capital obtido em alienação de ativos no Brasil – ou seja, o regime tributário no cenário de alienação secundária não é afetado em decorrência do flip.
Por sua vez, caso a controladora no exterior aliene participação societária na startup brasileira, eventual ganho de capital também ficará sujeito à tributação no Brasil, sob a sistemática de retenção na fonte, cabendo ao adquirente ou seu representante a retenção e recolhimento do tributo devido. O IRRF incide à alíquota geral de 15% ou à alíquota majorada de 25%, caso a controladora seja residente em jurisdição definida como paraíso fiscal.
Por fim, ressaltamos que eventual necessidade de unflip ou evento de “tropicalização”, para desfazer a interposição da controladora no exterior deve ser cuidadosamente avaliada para evitar o reconhecimento de ganhos tributáveis no Brasil.
O tratamento tributário descrito acima poderá ser substancialmente alterado a partir de 2024, caso a Medida Provisória 1.171 de 30 de abril de 2023 seja convertida em lei. A MP 1.171 trata da tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre renda e ganhos (rendimentos) auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas (inclusive fundos de investimento e fundações) e trusts no exterior, estendendo às pessoas físicas o regime de transparência fiscal já aplicável às pessoas jurídicas com controladas ou coligadas no exterior.
Do ponto de vista prático e como regra geral, caso a controladora no exterior, no estágio inicial de desenvolvimento dos negócios, destine os recursos captados a aplicações financeiras, os lucros eventualmente auferidos por ela deverão ser submetidos à tributação no Brasil pelos sócios fundadores a cada ano, independentemente da distribuição. A MP 1.171 autoriza que seja deduzida do lucro da pessoa jurídica no exterior a parcela correspondente aos lucros de investidas localizadas no Brasil.
A MP 1.171 precisa ser analisada e aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em até 120 dias a partir de sua publicação para que seja convertida em lei. Caso isso não aconteça, suas disposições sobre a tributação dos lucros de empresas no exterior não terão efeitos.