*Rafael Jubilut Bilton é advogado de M&A do VBSO Advogados
Duas são as formas pelas quais as companhias buscam a captação de novos recursos para financiamento de seus projetos e/ou capital de giro. A primeira, via capital de terceiros, em que a companhia contrai uma dívida e em contrapartida torna-se devedora do terceiro concedente da dívida (debt). A segunda, via capital próprio, em que por meio do aumento de seu capital social, a companhia recebe recursos investidos por seus próprios acionistas (ou novos acionistas) em troca de novas ações de sua emissão (equity).
Uma sútil e importante diferença entre ambas reside na posição obrigacional ocupada pela companhia. Na captação via debt, como mencionado, a companhia torna-se devedora, obrigando-se pela devolução do valor captado acrescido dos juros remuneratórios e demais prêmios eventualmente contratados. Já na captação via equity, a companhia assume o papel de credora frente aos acionistas que se comprometeram a aportar os novos recursos após a subscrição de sua parcela de ações. Aqueles que falham em fazê-lo, dá-se o nome de acionista remisso.
Traremos aqui algumas breves considerações e recomendações para estes cenários não incomuns no processo de captação via equity, considerando especialmente alguns desafios que companhias nesta situação podem enfrentar diante da legislação atual. O tema em questão é dotado de alta discussão e controvérsia, e não pretendemos, aqui, esgotá-lo, mas apenas trazer algumas breves considerações que podem ser úteis quando se está diante deste cenário.
Naturalmente, o primeiro pensamento que costuma vir à tona seria o cancelamento das ações emitidas, com a correspondente redução do capital social ao montante efetivamente integralizado, e voilà, resolvido o problema.
De fato, trata-se de uma opção desde logo viável quando estamos falando de sociedades limitadas. Isso porque o Código Civil expressamente autoriza que a maioria dos sócios poderá exigir do remisso, como alternativa ao pagamento de indenização (i) sua exclusão da sociedade; ou (ii) a redução de suas quotas ao montante efetivamente integralizado, se for o caso. Em ambas as situações, poderão os demais sócios tomar para si ou para terceiros as quotas não integralizadas, devolvendo ao remisso os valores que este já tenha realizado, deduzidos os juros de mora e demais despesas aplicáveis.
A gama de possibilidades no mundo das limitadas se mostra plausível na medida em que os sócios são solidariamente responsáveis pela integralização do capital social (art. 1.052 CC), ainda que apenas um sócio não o tenha feito. Sim, quando o assunto é integralização do capital social, respondem os sócios não apenas pelo seu próprio dever de casa, mas também pelo dos demais. Um por todos, e todos por um (literalmente).
Pivotando para o universo “S.A.”, o pau que dá em chico, não dá em Francisco. Nele, a expropriação das ações não integralizadas ocupa o último lugar na fila das medidas que podem ser adotadas, e um longo e prévio procedimento há de ser observado.
Lei das S.A
Antes de percorrermos a trilha de medidas propostas pela Lei das S.A., vale ressaltar que a solução amistosa (que trataremos ao final) entre a companhia e o acionista tende a ser o melhor caminho. Afinal, prejudicar a companhia em que se investe, ou se busca investir, não soa como uma boa medida de racionalidade financeira, certo? Portanto, salvo em situações agravadas de litígio, a condição de remisso do acionista não necessariamente decorre de inércia ou ato doloso, e deixar a relação em maus lençóis dificilmente incentivaria as partes a buscar a melhor solução.
Seguindo o fio, verificada a mora do acionista, que desde logo estará sujeito ao pagamento de juros, correção monetária e multa prevista em estatuto (que não poderá ser superior a 10%), duas são as alternativas facultadas pela Lei das S.A., à escolha da Companhia: (i) alienação das ações em leilão a ser realizado em bolsa de valores por conta e risco do remisso; e/ou (ii) propositura de execução judicial. Tais medidas podem inclusive serem adotadas de forma alternativa, cumulativa ou sucessiva, à critério da Companhia.
Após (e somente após) a utilização não exitosa dos meios acima, caducará o direito do remisso para integralizar as ações, e a companhia poderá tornar como suas as eventuais entradas já realizadas. Mas calma, então se o remisso tiver integralizado parte das ações, ainda assim perderá a parcela integralizada?
Este é um ponto que divide opiniões, com fundamentados entendimentos em diferentes sentidos. De um lado, entende-se pela possibilidade de retenção dos valores pagos à título de indenização pelos prejuízos causados pelo remisso (alocado à conta de reserva de capital). De outro, poderia a companhia considerá-los para fins de integralização parcial do capital, caducando o direito apenas com relação às ações remanescentes (alocado à linha do capital social). Este, contudo, é um tema que deixaremos para um próximo artigo.
Enfim, declarado caduco o direito de integralização das ações, agora sim a companhia poderá reduzir seu capital social, certo? Errado! Antes disso, deverá a companhia integralizá-las por meio da capitalização à conta de seus próprios lucros ou reservas (com exceção da reserva legal). Caso o saldo não seja suficiente, a companhia terá então o prazo de 1 (um) ano para achar um comprador para as ações, e findo este prazo, não tendo sido encontrado comprador, finalmente a companhia poderá convocar assembleia geral para deliberar sobre (ou homologar) a redução do capital social na importância não integralizada (aquela medida que nas sociedades limitadas poderia ter sido feita desde o primeiro dia da mora do sócio remisso, lembra?).
Então, sim, há uma diferença considerável entre um sócio e um acionista remissos. Mas não se engane, não é por acaso. Diferente das sociedades limitadas, constituídas como “sociedades de pessoas”, as sociedades anônimas são, em regra, “sociedades de capital”. Nelas, como o próprio nome sugere, prioriza-se mais o capital aportado em si, do que quem o aporta efetivamente. A importância pessoal neste caso fica em regra reservada ao cargo de administrador (diretor ou conselheiro de administração), cujo chapéu não se confunde com o de acionista. Aqui, estamos tratando do acionista exclusivamente nessa qualidade.
Sendo a consequência da redução do capital social justamente a não entrada do recurso pretendido, faz sentido que seja tomada em última instância, como forma de preservar o “show me the money” das sociedades anônimas!
Se repararmos bem, a trilha de medidas propostas pela Lei das S.A. é, na verdade, uma escala decrescente de eficiência financeira: (i) as primeiras medidas disponíveis (execução judicial, alienação em leilão e, após, a busca por novo comprador) resultam na integralização do capital social e na efetiva entrada dos recursos na Companhia. Logo, eficientes financeiramente; (ii) a capitalização pela própria companhia via reservas ou conta de lucros, por se tratar de mera movimentação contábil, culmina na integralização do capital social, mas não na entrada de novos recursos. Resolve o primeiro, mas não o segundo; e (iii) a redução do capital social, por fim, atesta o insucesso tanto da integralização quanto da entrada dos recursos demandados pela companhia. E, por isso, ocupa o último lugar nesta fila.
Solução amistosa
Dito isso, ressalta-se que a solução amistosa na maioria dos casos é medida de maior eficiência de tempo e dinheiro para solucionar a questão. E neste caminho, felizmente, também há um número considerável de possibilidades.
Por exemplo, especialmente nos casos de empresas em fase de expansão e realização de rodadas de investimento, a prévia celebração de acordos de investimento com opção de compra de ações (call option) outorgada pelo remisso em favor do acionista controlador e/ou demais acionistas, ou até mesmo a outorga de garantias pelo remisso, já seriam boas formas de solucionar ou ao menos estancar boa parte do problema de antemão. Mas, como dito, trata-se de medidas prévias à situação em comento.
Não havendo garantias a serem executadas, voltamos então a estaca zero. E neste caso, a renegociação das condições de pagamento em favor do acionista remisso, por exemplo, pode ser um bom começo. Para isso, em respeito ao princípio da isonomia acionária, a companhia deverá submeter a renegociação à deliberação da assembleia geral, observado, contudo, que o remisso não poderá exercer seu direito de voto em tal deliberação, sob pena de votar em matéria que tenha benefício particular (vedado pelo art. 115, §1º, da Lei das Lei das S.A.).
Alternativamente, poderá o remisso, desde logo, alienar suas ações para terceiros adquirentes, hipótese em que permanecerá solidariamente responsável junto ao adquirente pela integralização das ações por 2 (dois) anos contados da transferência das ações (arts. 107, I, e 108 da Lei das S.A.). Uma terceira forma, se condizente com a realidade da companhia, seria o pagamento do montante devido por meio da compensação dos lucros a serem distribuídos pela companhia ao remisso (que para todos os fins, não se esqueça, também é acionista e apto a participar dos lucros da companhia).
Já num cenário de litígio (idealmente), poderá a assembleia geral deliberar sobre suspensão dos direitos políticos do acionista remisso, que também não poderá votar a respeito. Durante a suspensão, todos os direitos políticos do acionista (como o direito de voto, por exemplo) permanecerão neutralizados até que realize sua parcela do capital (art. 120 da Lei das S.A.).
A temática do acionista remisso ora tratada e as possibilidades para remediá-lo estão longe de serem esgotadas neste breve artigo, mas espera-se que tenha restado clara a importância sobre o alinhamento de interesses entre a companhia e seus acionistas em situações de captação de novos recursos.
E, claro, moral da história: na novela do acionista remisso, o principal lesado é a própria companhia. Por isso, independentemente do tipo societário adotado, evite ao máximo a não integralização do capital social, e se não tiver jeito, a criatividade para solução amistosa está à disposição.