
*Por Lucas Conrado, diretor do Fundo de Impacto Estímulo
Quando o mundo pensa na Amazônia, a imagem que surge costuma estar ligada à floresta, biodiversidade e mudanças climáticas – o que é natural. Mas, ao mergulharmos nos desafios mais urgentes para preservar e usar de forma sustentável os recursos da região, a realidade que encontramos surpreende: 80% da população amazônica vive em cidades, não em áreas rurais. São cerca de 30 milhões de pessoas, 66% delas com menos de 40 anos. Ou seja, não é possível falar da Amazônia sem falar das pessoas que a habitam e dela retiram sua sobrevivência.
A Amazônia Legal ocupa 59% do território brasileiro, mas responde por apenas 10% do PIB
(Produto Interno Bruto) nacional. É a região mais pobre do país, com enormes carências em
saneamento, moradia, saúde, educação, emprego, conectividade e serviços básicos. Ainda
assim, abriga 3,6 milhões de empresas, sendo 93% delas lideradas por micro e pequenos
empreendedores, que em geral no Brasil são responsáveis por 70% dos empregos formais.
Foi a partir desse cenário que nasceu a atuação do Fundo de Impacto Estímulo, criado
em 2020 como a primeira iniciativa de blended finance do Brasil para apoiar pequenos
negócios em situação de vulnerabilidade com crédito acessível, orientação, capacitação e
conexões estratégicas.
Inclusão produtiva para reduzir a pressão sobre a floresta
Ao chegarmos à Amazônia, em 2024, a demanda superou qualquer expectativa:
empreendedores de 80% dos municípios solicitaram crédito, somando quase US$400
milhões em pedidos – um número muito acima da nossa capacidade. Desde então, já
desembolsamos cerca de US$ 3 milhões para 142 pequenas empresas em 67 cidades, 97%
delas em regiões de baixa renda. O impacto foi direto sobre mais de 1.700 empregos e mais
de 5.500 pessoas.
O que mais nos chamou atenção foi o perfil desse impacto: 70% dos desembolsos
ocorreram em cidades do interior e os municípios com menor índice de desenvolvimento
humano foram justamente os que registraram menor inadimplência, invertendo a lógica
nacional.
Mais impressionante ainda foram algumas histórias individuais que traduzem esses
números. Francisco Ramos, de Novo Progresso (PA), contou que, sem emprego na cidade,
o garimpo ilegal aparecia como a alternativa mais rápida para gerar renda, mas hoje ele
mantém uma loja de produtos digitais graças ao crédito acessível. Já Paulo Pinho,
engenheiro de Manaus (AM), passou dois anos sem trabalho até decidir empreender em
energia solar; com o apoio do Estímulo conseguiu expandir sua atuação e contratar três
funcionários.
Em Coroatá (MA), Ramon Reis leva internet para áreas rurais sem acesso, instala a infraestrutura necessária e ainda atua na conscientização contra queimadas. Em Curuçá (PA), Waldener do Vale, dono de um pequeno mercado, transformou um crédito de apenas US$6 mil em mais variedade e oferta de produtos para famílias que vivem a quilômetros de distância da cidade. E Rosivaldo, em Marajó (PA), transformou a trajetória de camelô em um negócio sólido: hoje administra seis lojas e gera 15 empregos em uma região de forte sazonalidade e baixa renda. Durante a pandemia, enfrentou o risco de fechar as portas, mas com o apoio de US$6 mil do Estímulo conseguiu repor e ampliar o estoque, garantindo o giro das mercadorias e a sustentabilidade do negócio.
Esses exemplos revelam como o crédito orientado pode ser a diferença entre a economia
ilegal e uma trajetória de desenvolvimento sustentável.
Teoria da Mudança: o futuro da floresta passa por quem vive nela
Acompanhando essa transformação, unimos forças com o Itaú, o Fundo Vale e o
empresário amazônico Denis Minev, CEO da Bemol e representante do setor privado na
COP 30, para elaborar uma Teoria da Mudança específica para a região.
A tese é clara: ao investir no desenvolvimento socioeconômico das cidades amazônicas,
com emprego e renda de qualidade, reduzimos a pressão sobre a floresta.
Essa visão é respaldada por estudos recentes. O Banco Mundial (2023) aponta que o
desenvolvimento urbano inclusivo reduz desigualdades e degradação ambiental. O
Instituto Escolhas (2023) confirma que pobreza e falta de alternativas estão entre as
principais causas do desmatamento ilegal.
Durante a Climate Week NYC 2025, Denis Minev reforçou: “Uma sociedade mais formal e
mais próspera não só reduz a pressão sobre os recursos naturais, como também tem o
potencial de se tornar defensora da conservação”. Para ele, “as soluções para a Amazônia
são muito mais urbanas do que rurais”.
A boa notícia é que não faltam caminhos: uso inteligente da terra, ciência e tecnologia,
agricultura regenerativa e crédito de impacto são motores para essa reinvenção.
Fundo Estímulo Amazônia: empreender para conservar
Com essa visão, lançamos recentemente o Fundo Estímulo Amazônia, que busca captar
US$ 20 milhões para levar crédito e desenvolvimento a regiões hoje desassistidas. A
proposta combina três pilares:
● Crédito acessível: menor taxa de juros do Brasil, sem exigência de garantias reais,
sem burocracia, 100% online e com carência para pagamento.
● Capacitação sob medida: acompanhamento da jornada empreendedora com
mentorias e consultorias, trilhas via WhatsApp sobre gestão financeira, marketing,
vendas, produtividade, tecnologia e sustentabilidade, adaptadas às realidades
loca
● Conexões estratégicas: rede de parceiros, investidores e capital semente para
escalar negócios de impacto e fazer dos empreendedores verdadeiros agentes de
transformação.
Os resultados mensurados mostram efeitos que vão além da economia: aumento de
faturamento, geração de empregos, redução de estresse e melhora da qualidade de vida,
além da diminuição da criminalidade e do desmatamento.
O recado ao mundo
Mais do que nunca, está claro: proteger a Amazônia exige criar oportunidades para que as
pessoas vivam com dignidade em seu território. Nosso movimento busca mostrar que é
possível unir inclusão produtiva, proteção ambiental e retorno sustentável.
Mas não podemos fazer isso sozinhos. É hora de somar capital, políticas públicas, comunidades locais e a comunidade internacional. Fortalecer os pequenos negócios
amazônicos significa ativar um motor de renda, inclusão e conservação, não apenas para o
Brasil, mas para o mundo.