Crowdinvesting

No novo mercado de capitais, não há espaço para jeitinho brasileiro

Crowdfunding teve salto no último ano, mas atuações irregulares preocupam. É preciso inovar, mas da forma correta, diz Camila Nasser, do Kria

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No novo mercado de capitais, não há espaço para jeitinho brasileiro

*Camila Nasser é co-fundadora e CEO do Kria

Em 2024 o mercado de crowdfunding atingiu o importante marco de R$1,5 bilhão em emissões no ano. Mais interessante que o número em si é o fato de que o valor é 180% da soma dos cinco anos anteriores – um crescimento relevante, especialmente dada a importância desse segmento na configuração do novo mercado de capitais brasileiro. 

Empreendemos por esse mercado há uma década. Quando começamos o Kria, lá em 2014, essa indústria sequer existia: estávamos cortando o mato de um ambiente novo e inexplorado, acreditando no potencial que um “novo mercado de capitais” tem de impulsionar a economia. O marco do primeiro bilhão é portanto motivo de grande celebração para nós. Enquanto vimos no mercado tradicional uma desaceleração econômica e a seca dos IPOs afetando diretamente o acesso a capital, o crowdinvesting se consolidou como uma alternativa viável para as milhões de PMEs brasileiras. 

Parte do avanço é mérito da CVM: considero louvável o esforço que a autarquia tem despendido nos últimos anos para sofisticar o arcabouço da indústria de crowdfunding – colocando-a no centro de sua agenda regulatória, promovendo conversas com o mercado (e audiências públicas) e trazendo um viés de inovação constante por meio do sandbox. Ouso dizer que hoje nossa indústria se tornou o principal ambiente regulatório para o tal do novo mercado de capitais.

Encaro portanto como responsabilidade de todos aqueles que prezam pelo desenvolvimento de um mercado de capitais sério, a necessidade de zelar pela manutenção dessas condições saudáveis de mercado, permitindo que o regulador continue a explorar e expandir os limites de atuação das plataformas, o que impacta diretamente o alcance e a relevância da indústria.

Para onde estamos indo como indústria?

Acompanho com preocupação um número cada vez maior de agentes não regulados realizando Ofertas Públicas irregulares, intermediários não registrados na CVM se apresentando publicamente como Plataforma, e Plataformas reguladas realizando operações explicitamente vedadas pela CVM – como a utilização do termo “bolsa de startups” para a autopromoção ou a captação de investimentos para Fundos (ou sociedades que emulam o formato dos fundos, mas que de igual modo ferem o espírito da norma como ela é hoje). 

Não me leve a mal. Acredito que muitas das operações que são tidas hoje como irregulares perante à norma deveriam ser permitidas, e são de grande impacto para o mercado. A captação para adquirir participação em várias sociedades, por exemplo, traria grandes benefícios, por permitir que os investidores diversifiquem suas exposições a risco e, para os fundos e estruturas análogas, abriria uma nova fonte de distribuição em tempos de menos acesso a capital. Mas o caminho para viabilizá-las deveria se dar por meio de interlocução com o regulador, e não por meio de estruturas maquiadas.

Com esse cenário, empreender em nossa indústria carrega hoje um gosto agridoce. A ideia de “quem não inova, fica para trás” recebe todo um novo peso quando a inovação vai contra vedações claras e explícitas da norma. Atualmente quem se prejudica é aquele que busca seguir as regras dispostas pela CVM, mas no longo prazo o principal prejudicado será o mercado. O tal do “jeitinho brasileiro” não pode moldar a forma como operamos no mercado de capitais. 

O crowdinvesting saltou de R$220 milhões emitidos  para R$1.5 bilhões em apenas um ano – é essencial que o regulador tenha mais recursos para fiscalizar e, eventualmente, sancionar a indústria. Mas a cooperação do mercado é de igual ou maior importância: é também papel dos agentes sérios de evoluírem em uma autorregulação que funcione e auxilie a autarquia em seu papel.

Temos espaço para lutarmos pelo desenvolvimento do mercado no fórum adequado: precisamos aproveitar o momentum de crescimento de nosso nicho no mercado de capitais e a postura aberta da CVM para defendermos as mudanças que queremos ver. Do jeito certo, e sem jeitinho.