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Nova leva de startups deve ter claro por que e para quem inovar

Momentos como o atual, de baixa liquidez, priorizam iniciativas que efetivamente gerem valor e garantem crescimento sustentável

Foto: Canva
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*Isabela Jank é analista da Vox Capital

Juros altos, incertezas geopolíticas e a previsão de desaceleração econômica têm formado, desde o início de 2022, um tripé perfeito para afugentar uma parte significativa do capital de risco do mercado. A tensão aumentou, e muito, com a recente quebra do Sillicon Valley Bank, uma das instituições bancárias mais importantes na vida das startups. A falência refletiu, por fim, a fragilidade em que se encontra o setor de inovação.

Dadas as possibilidades de risco x retorno de ganho de capital dentro do cenário macroeconômico atual, o resultado é que agora há uma preferência por instrumentos de investimento mais conservadores. Para as startups, a perspectiva é que os próximos anos sejam bastante desafiadores, marcados por dificuldade de captação, downroundslayoffs em massa e, eventualmente, uma maior mortalidade das jovens empresas.

Não apenas complicando a vida dos founders, o reflexo da conjuntura já é visto nas tendências sociais e de mercado. Com a alta da inflação ao redor do mundo, o último relatório da Euromonitor já incluiu o orçamento familiar (budgeting) como uma das Top 10 tendências de consumo globais para 2023, que se expande para a necessidade de soluções como Buy Now Pay Later e programas de fidelidade. Até na moda, que também se transforma como um espelho dos acontecimentos políticos e sociais, vemos emergir a chamada recession core, e a entrada de tendências minimalistas, cores neutras e a preferência por peças atemporais. 

Vivemos um momento de ajuste de hábitos de consumo, de modo de vida e, naturalmente, das formas de poupança e investimentos. No mercado de venture capital, a mudança é bastante clara. Nos últimos anos, o foco dos empreendedores era em crescimento a qualquer custo para impulsionar os valuations estabelecidos a múltiplos de receita. Hoje, já vemos a evidente alteração deste foco, que agora prioriza a entrega de resultados, crescimento consistente com geração de caixa e olhos mais atentos para múltiplos de EBITDA, que significa mais atenção para a real capacidade de performance operacional das empresas.

Essa mudança de perspectiva precisa ser considerada na estratégia de qualquer empresa, em qualquer estágio, mas, especialmente, para as que buscam levantar capital no curto e médio prazo.

É interessante observar como a leva de startups dos 2010s surfou a onda de liquidez e se sustentou em estratégias de crescimento nunca antes apoiadas. A chamada era do free money, que se refere a esse período de taxas de juros em patamares de baixa históricos, permitiu um apetite maior por riscos por parte dos investidores, e flexibilizou, principalmente, o parâmetro das margens financeiras na forma de avaliação das empresas.

Dados da Bloomberg mostram que muitas das empresas que cresceram e levantaram capital nesta fase não geraram caixa positivo por anos seguidos ao IPO. É o caso de grandes techs como a Uber, que teve uma margem EBITDA de menos -29% e -19% nos dois anos seguintes, ou da Snap, com -96% e -52%. Essa tendência não era comum nas décadas anteriores, até mesmo no caso do Meta (antigo Facebook), que entregou margens de +50% em seus primeiros anos após o IPO.

Nova leva de startups

E o que esperar da nova leva de startups? Nem tudo são más notícias. Dados das últimas décadas comprovam que os tempos mais turbulentos e de taxas mais altas de juros deram origem às empresas mais bem sucedidas da história. 

Um levantamento do Market Data mostra a correlação de como as empresas com mais market cap (valor de mercado)foram fundadas nos períodos críticos: na curva dos anos 70-80, anos 90 e mais uma leva no início dos anos 2000, logo após a crise da bolha da internet (dot com).

Em outras palavras, momentos como o que estamos vivendo agora, de baixa liquidez para novos investimentos em empresas recém-fundadas, concentram o capital mais intencionalmente em iniciativas que efetivamente geram valor e têm capacidade de garantir um crescimento sustentável. Empresas que, através de soluções disruptivas, resolvam problemas reais e impactem positivamente a sociedade e o meio-ambiente. 

E aqui vale definir o que esses dois termos significam. 

  1. Efetiva geração de valor é encontrar seu product-market fit e capitalizar em cima de soluções que resolvam dores reais do mercado;
  2. Crescimento sustentável significa expandir suas operações através de um planejamento com margens financeiras estáveis e geração de caixa consistente. 

Esses negócios, quando bem executados, tornam-se realmente relevantes para as partes envolvidas e, por isso, mesmo em momentos de desafio para captação e baixa liquidez, conseguem se articular mais assertivamente sobre sua proposta de valor e potencial de transformação. Isso facilita a prospecção e atração do fluxo do dinheiro.

Em outras palavras, a próxima leva de startups deverá ter ainda mais claro por que e para quem está inovando. A tendência de comportamento hoje, alinhada à busca por instituir práticas ASG, por exemplo, devem se traduzir como norteadores para os times empreendedores, e as métricas de avaliação e precificação seguramente serão alinhadas também a métricas de impacto.

A nova leva de startups com certeza vai fortalecer a relação sinérgica do retorno financeiro e do impacto positivo gerado.