*Ricardo Meireles é fundador da Empreendabilidade
A resistência a mudanças culturais e inovação é comum em regiões com características e costumes marcantes. Seria quase como se as pessoas vivessem isoladas em uma ilha e tivessem repulsa ao confrontarem o novo.
Essa metáfora ilustra bem o caso de Florianópolis (de fato, uma ilha!). Mas a capital catarinense passou do status de “a ilha dos manezinhos”, na década de 1980, para, este ano, se tornar a Capital das Startups.
Na jornada de 40 anos, os últimos 10 com certeza foram acelerados. Já os 10 primeiros, de estruturação, foram mais lentos. O boom da inovação pós-pandemia, com maior disponibilidade tecnológica e de investimentos, ajudou. Porém, devemos considerar que os fatores culturais já haviam sido superados.
No começo, quem diria, Florianópolis não tinha a mentalidade empreendedora pela qual é reconhecida hoje. Não havia infraestrutura urbana e nem de negócios. O arcabouço legal também só começou a evoluir recentemente, além do apego a negócios e setores convencionais – em cidades praianas, muito ligados a turismo e serviços (que, vale lembrar, também vivem a transformação digital).
Não existe um botão mágico para se tornar “4.0”. A mudança ocorre ao longo do tempo. Aliás, quem lida, ou quer lidar, com negócios de inovação, tem que se acostumar com o fato de que a transformação é uma jornada e, ao pular etapas fundamentais, o processo pode ser completamente prejudicado ou sofrer atraso.
As 5 fases da transformação digital de Florianópolis
De forma resumida, a jornada de inovação de qualquer município passa pelas seguintes fases:
1 – Gatilho (sair do marco zero): No caso de Florianópolis, os cursos de tecnologia;
2 – Estruturação institucional: Constituição de organizações que tenham como pauta a inovação e que sejam atuantes e interajam com iniciativa privada, sociedade e governo, como ACATE e CERTI;
3 – Estruturação operacional: Ferramentas e equipamentos funcionais e utilitários, as estruturas devem funcionar para o fim que se propõem – a transformação não aceita “elefantes brancos”;
4 – Atração do ecossistema: Eventos, incentivos fiscais, projetos em parceria, ambiente convidativo e relacionamento;
5 – Consolidação: Reconhecimento como tal, não apenas a autorreferência na narrativa.
Quer ser rápido? Siga modelos já testados
A pedra fundamental é testar antes de escalar e melhorar continuamente. Mas, para quem quer ser rápido, os founders experientes não cansam de repetir: modelos já testados são melhores para começar do que iniciar do zero. E, claro, busque ajuda de quem sabe.
Quem fez primeiro teve o trabalho de desbravar o terreno, o caminho para quem vem depois é sempre mais fácil. Por isso, o caso de Florianópolis é um importante playbook para outros municípios que desejem economizar tempo, esforços e recursos.
Salvador: A capital promissora
Com novos mandatos municipais se iniciando em 2025, gestores públicos têm uma excelente oportunidade para aceleração digital.
Salvador, na Bahia, é uma das cidades que desponta como maior potencial de inovação, segundo rankings internacionais de empreendedorismo e de cidades promissoras (um deles publicado recentemente, o Kearney Global Cities Report 2024, que avalia o potencial de geração de valor duradouro aos habitantes no longo prazo).
Nos últimos anos, a gestão soteropolitana veio em uma forte toada no discurso de empreendedorismo e negócios. Com a reeleição, a cidade pode dar um salto para a transformação definitiva.
Hoje, a cidade estaria no equivalente à terceira da jornada: tem estrutura institucional com órgãos de inovação, estrutura operacional (junto ao governo do Estado) com Hub Salvador, Parque Tecnológico, SENAI-CIMATEC, hubs privados e forte parceria com o Sebrae.
A secretaria de empreendedorismo e inovação é atuante, e já deveria considerar incentivos tributários para atrair mais empresas e ampliar (e ativar) o relacionamento com polos de inovação (como associações, aceleradoras, incubadoras, VCs e fundos privados etc.).
Salvador tem um enorme potencial para inovação social e economia criativa – pautas que já vêm sendo trabalhadas -, e capacidade para evoluir em temas como ESG e soluções B2B (gestão, fornecedores, serviços etc.), para oferecer soluções locais para a “velha economia”.
Por outro lado, questões estruturais de segurança, transporte e bem-estar – mesmo que sejam problemas comuns para uma cidade grande – afetam o interesse e demandam atenção do poder público.
De forma simplificada, no plano de ação seguindo a jornada de Florianópolis, estes seriam os próximos passos de Salvador:
1 – Evento (marco): Assim como foi o Startup Weekend, criar um evento que atraia os olhares de players relevantes do ecossistema de inovação nacional;
2 – Ativação: Intensificar utilização dos equipamentos (hubs, parques, laboratórios) existentes, com colabs, eventos recorrentes, batalhas de pitches, etc., com um trabalho de mídia e comunicação para engajamento;
3 – Aproximaçãio: Relacionamento com o ecossistema, fazer benchmarks e atrair soluções em parceria com players consolidados para áreas relevantes (nichos-chave);
4 – Relevância: Melhorar indicadores e aumentar a posição nos rankings de inovação, criar e expor business cases;
5 – Educação digital: descentralizar a educação de empreendedorismo e inovação; buscar founders locais, incentivar tirar ideias do papel e novas startup, ensinar programação e growth e solucionar problemas reais. Além dos resultados efetivos, isso atrairia mais investimentos e reputação.
Seguindo esse playbook, Salvador teria uma “abertura de portas” semelhante à de Florianópolis. Essa aproximação com o mercado valeria 40 anos em 4.
Contudo, como Floripa ensinou, o desafio é cultural: implementar uma mentalidade empreendedora é que ditará a velocidade desse processo.