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O desafio do crédito para empresas com receitas sazonais

Crédito é um dos maiores desafios para empresas sazonais no Brasil. Entenda como bancos e fintechs lidam com essa realidade

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Crédito | Foto: Canva
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*Por Ricardo Abdo, CEO da FictorPay

As empresas com receitas sazonais representam um conjunto diverso e estratégico da economia brasileira — e o acesso ao crédito é determinante para a sobrevivência delas. Elas estão no agronegócio, com colheitas concentradas em poucos meses do ano; no turismo, que depende de férias escolares, feriados prolongados e alta temporada; no varejo, com picos em datas comemorativas como Natal, Dia das Mães e Black Friday; e até em serviços educacionais, que concentram matrículas e mensalidades no início do ano letivo. Apesar da relevância econômica desses setores, todos compartilham um mesmo desafio: precisam sustentar operações regulares com fluxos de caixa altamente irregulares.

O peso do crédito para empresas sazonais

Esse descompasso entre fluxo de receitas e custos fixos recorrentes torna o acesso ao crédito uma ferramenta essencial para a sobrevivência e o crescimento. O problema começa pelo custo do dinheiro. O país ocupa, em 2025, a segunda posição mundial em taxa de juros reais, segundo o Comitê de Política Monetária (Copom), com a taxa Selic em torno de 15% ao ano. Ou seja, quando o custo do capital é tão elevado, operações de longo prazo com períodos de carência, que seriam ideais para negócios sazonais, tornam-se inviáveis, já que os encargos financeiros rapidamente superam a capacidade de pagamento.

Isso significa que, em um contexto de margens já pressionadas por carga tributária, encargos trabalhistas, custos operacionais e inadimplência, o empresário que recorre a financiamentos tradicionais frequentemente se vê em uma equação inviável: precisa de um markup muito superior ao padrão apenas para atingir o ponto de equilíbrio.

A rigidez bancária e o impacto no crédito

Além disso, a estrutura rígida dos produtos bancários agrava o problema. Linhas de crédito tradicionais exigem pagamentos fixos mensais ou trimestrais, sem considerar a volatilidade das receitas. Isso significa que, no auge da safra ou durante a temporada de verão, por exemplo, a empresa até teria fôlego para honrar as suas obrigações, mas nos meses de baixa, é empurrada para a inadimplência ou para a tomada de crédito emergencial, muitas vezes ainda mais caro. Isso sem contar a exigência de garantias líquidas — como imóveis ou recebíveis de longo prazo — que coloca em desvantagem pequenos e médios empreendedores, justamente aqueles que mais dependem de capital de giro para equilibrar a sazonalidade.

O impacto desse modelo é claro: negócios com forte sazonalidade acabam pagando um “prêmio de risco” elevado, mesmo quando têm um histórico de bons resultados em seus períodos de alta. Como os grandes bancos não conseguem ajustar a avaliação de crédito a essa realidade, preferem não atender ou impõem condições que inviabilizam a operação. O resultado é um ciclo de exclusão, no qual setores relevantes da economia brasileira operam constantemente com restrição de capital.

Fintechs e novas possibilidades de crédito

É justamente nesse espaço que as fintechs vêm encontrando uma grande oportunidade de crescimento. Com estruturas menos engessadas e intensivas em tecnologia, essas empresas utilizam dados alternativos para avaliar o risco de crédito, indo além do histórico contábil ou de garantias físicas. Informações como fluxo bancário em tempo real, vendas registradas em marketplaces, geolocalização, comportamento digital e até padrões de consumo de clientes permitem criar modelos mais aderentes à realidade dos negócios sazonais. Isso abre espaço para linhas de crédito com fluxos de pagamento ajustados aos ciclos de receita, maior rapidez na concessão e custos operacionais mais baixos, características que tornam o produto mais acessível.

Essa inovação, porém, não elimina todos os entraves. As fintechs ainda dependem de fontes de financiamento que carregam o peso da taxa de juros elevada no Brasil, o que limita a redução do custo final para o tomador. Paralelo a isso, o setor precisa lidar com riscos associados a fraude, lavagem de dinheiro e falta de padronização regulatória, fatores que demandam cada vez mais supervisão e transparência. Ainda assim, a capacidade dessas empresas de explorar nichos que os bancos tradicionais não conseguem atender — como já ocorreu com parte do agronegócio e das pequenas empresas do varejo — demonstra que há espaço para evolução.

Um novo olhar para o crédito no Brasil

O Brasil, com sua economia marcada por ciclos — agrícolas, climáticos, turísticos e comerciais — não pode continuar oferecendo um sistema de crédito pensado apenas para empresas de fluxo linear. Ignorar a sazonalidade é ignorar parte relevante do dinamismo econômico do país. Reconhecê-la como característica estrutural e criar produtos compatíveis é um passo essencial não só para ampliar a inclusão financeira, mas também para dar competitividade real a setores que hoje sobrevivem apesar, e não graças, ao sistema de crédito tradicional.