*Cassio Spina é fundador e presidente da Anjos do Brasil
Para quem não sabe o que significa o termo captable, ele se refere à distribuição de participações entre os sócios de uma empresa, e sua gestão é de extrema importância para que todos, sejam empreendedores, investidores ou colaboradores que possam vir a ter participação, mantenham sua motivação e recebam uma recompensa justa por sua contribuição para o sucesso do negócio.
Os chamados problemas de captable, como um sócio que possui uma participação desproporcional ao que contribui para a empresa, podem desestimular os outros sócios, pois estes podem sentir que estão sendo “carregados” pelos demais. Uma situação comum ocorre quando um sócio fundador deixa o negócio logo no início, mas mantém a participação inicial acordada. Portanto, é fundamental estabelecer desde o princípio um acordo de sócios que preveja cláusulas para o caso de saída da empresa antes de um período mínimo, denominado vesting, de forma a não reter o equity total.
Uma questão que surge em startups que tenham uma ampla distribuição de participações, normalmente compartilhadas entre os primeiros investidores (sejam amigos, familiares e/ou investidores anjos), bem como colaboradores que receberam opções de ações, é a governança da gestão do negócio. Em potenciais transações societárias futuras, pode ser necessário obter a anuência ou renúncia de direitos, como preferências desses sócios, o que pode complicar a transação.
Por esse motivo, é comum que em rodadas de investimento mais avançadas, a partir de uma série A, ocorra o que chamamos de “limpeza do captable”, envolvendo a recompra da participação de sócios minoritários com baixo equity. No entanto, a maneira como isso é frequentemente conduzido, forçando a saída de investidores anteriores e pressionando a venda de sua participação, é um grande problema com implicações para todo o ecossistema, como explicarei a seguir.
Mas antes, é importante entender quando um investidor anjo injeta capital em uma startup, ele está ciente do alto risco envolvido, pois a taxa de mortalidade nas startups supera 50%, e o sucesso efetivo geralmente é obtido em apenas 10% a 20% delas. Portanto, para um investidor anjo obter um retorno razoável de seu portfólio, geralmente em torno de 25% ao ano, ele precisa que uma ou duas das startups tenham sucesso e ofereçam um retorno de pelo menos 10 vezes o capital investido. Isso é o mínimo necessário para compensar todo o risco e dedicação investidos nas startups.
Agora que esclareci esse ponto, se em uma startup que está indo bem, o investidor anjo forçado a sair, mesmo com um aparente bom retorno de 2x, 3x ou até 5x seu investimento, individualmente pode parecer positivo. No entanto, para o portfólio do investidor, isso será considerado uma das startups com um retorno médio, o que significa que ele ainda precisará de outra startup que ofereça um retorno de pelo menos 10x, e essa startup poderia ter sido a mesma.
Além da questão econômica, tão ou mais importante é a questão moral dessa atitude, quando promovida por investidores de rodadas subsequentes e/ou pelos empreendedores. Tentar “expulsar” quem foi essencial nos primeiros passos da startup, assumindo o risco inicial, é no mínimo antiético, para não dizer imoral. Seria quase como despejar os pais de casa depois que a pessoa se torna adulta, mesmo depois de terem cuidado e educado durante a infância.
Prejuízo para o ecossistema
A consequência final de tudo isso é o prejuízo para o ecossistema como um todo. Se esses primeiros investidores não obtiverem retorno em seus portfólios, eles deixarão de investir em novas startups, o que prejudicará a base da pirâmide e reduzirá as oportunidades para novos empreendedores quando surgirem boas oportunidades validadas para investidores subsequentes.
Já testemunhei investidores anjos que, após passarem por essa experiência, desistiram de investir em novas startups. Não foi necessariamente devido a questões financeiras, mas sim ao desgaste emocional que essa situação gerou neles. É importante lembrar que o investimento anjo não tem apenas o objetivo de obter retorno econômico, mas também é realizado com o propósito de apoiar novos empreendedores. Mesmo quando há sucesso financeiro, se o estresse causado pela situação resultar em uma grande perda emocional, isso pode tornar o investimento menos atrativo.
Quanto ao argumento de que a limpeza do captable é necessária para resolver questões de governança, caso os sócios minoritários desejem permanecer, pode-se negociar para agrupar suas participações em veículos como Sociedades de Propósito Específico (SPEs) ou Sociedades em Conta de Participação (SCPs) e, assim, unificar a governança, tornando desnecessária a pressão para vender a participação de qualquer um.
Por fim, é importante lembrar que o mercado de startups se baseia na reputação e na relação de confiança entre todos os agentes, sejam investidores ou empreendedores. Qualquer ação que tente induzir alguém a tomar uma decisão contra sua vontade comprometerá a reputação de quem tomar essa atitude. Isso vale não apenas para esta situação, mas também para outras que possam desequilibrar os direitos econômicos de cada parte, como a imposição de preferências de liquidação superiores a investidores anteriores, entre outros. Pessoalmente, tenho uma lista de investidores e empreendedores altamente éticos, bem como uma lista negativa de pessoas com as quais não faria negócio, devido às atitudes não apenas em relação a mim, mas também em relação a outros colegas.
E nas situações em que os empreendedores são influenciados por novos investidores a induzir a venda de investidores anteriores para aumentar sua participação e ganhos, algumas vezes até pagando abaixo do valor justo, é importante que o empreendedor reflita sobre o que esse investidor poderá fazer no futuro com ele mesmo. O mesmo vale quando o novo investidor é demandado pelo empreendedor a fazer o mesmo; será que numa transação futura não sofrera algo parecido?
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