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O lado humano por trás das rodadas milionárias de startups

Levantar capital é, antes de tudo, uma decisão entre pessoas que escolhem caminhar juntas, diz Guta Tolmasquim

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O encontro foi organizado pela AWS e moderado por Olga Maslikhova, apresentadora do podcast The J Curve
O encontro foi organizado pela AWS e moderado por Olga Maslikhova, apresentadora do podcast The J Curve | Foto: Rafael Strabelli

*Por Guta Tolmasquim é fundadora e CEO do Purple Metrics

Quando vemos as manchetes sobre startups captando rodadas de milhões de dólares, é comum que a primeira pergunta que passe na cabeça seja: gente, como isso aconteceu? Mas diria que a reflexão que vale a pena vai além do tamanho do cheque, ela parte de direcionar nosso olhar para o processo de construir uma empresa e escolher sócios estratégicos.

Enquanto boa parte das pessoas associa fundraising (captação de investimentos em startups) a apresentações impecáveis em salas de reunião frias ou a conversas tensas sobre métricas, o que se vê na prática pode ser diferente. Levantar capital é, antes de tudo, uma decisão entre pessoas que escolhem caminhar juntas para resolver um problema importante.

Esse foi o aspecto mais evidente no evento sobre fundraising que participei esta semana. Mesmo estando em um grupo de 60 fundadores de startups, ficou claro, pelas perguntas e trocas, que ainda existe uma lacuna entre o que se imagina sobre o processo de captação e o que realmente acontece.

O encontro foi organizado pela AWS e moderado por Olga Maslikhova, apresentadora do podcast The J Curve, principal podcast em inglês sobre o mercado de tecnologia brasileiro. No painel estavam Eric Acher, Managing Parter da Monashees, um dos principais fundos de investimentos de early stage no Brasil, Ricardo Salem, fundador e CEO da Flash, e Gustavo Mapeli, fundador e CEO da Kanastra. 

O papo começou sobre como grande parte da análise é feita a partir do comportamento dos fundadores, não só dos números. É possível entender o jeito de tocar a empresa, os valores e a determinação pela forma como a pessoa se comporta durante o processo de captação. Uma red flag, inclusive, é quando os fundadores não perguntam sobre o fundo. Simboliza que eles não estão de fato selecionando os melhores parceiros para trabalhar junto. O segredo está nas pequenas deixas intangíveis de comportamento.

Também discutimos o comportamento dos investidores e como diferentes perfis de investidores agregam de formas distintas: alguns com visão de produto, outros com experiência financeira, e por aí vai. Saber identificar essas nuances logo no início ajuda a adaptar o pitch e construir uma conversa mais produtiva. Provavelmente, ambos são importantes no captable e o peso de cada um para a empresa vai mudando ao longo do tempo. 

Outro ponto importante foi sobre fazer escolhas com foco no longo prazo. O fundador atrai pra empresa pessoas com comportamento similar ao seu durante o processo de fundraising. Otimizar para agilidade e valuation no curto prazo provavelmente vai trazer pra companhia exatamente isso – e a reboque, investidores que talvez não se preocupem tanto com outros elementos que também são relevantes para sustentabilidade do negócio. É uma escolha.

Propuseram que a escolha de investidores seja feita com base no que é melhor no longo prazo, mesmo que não seja o valuation mais alto, e que sejam as pessoas com quem você mais quer trabalhar e que mais agregam para a empresa. Quem é mais estratégico com o tempo?

Ao longo das rodadas, o que mais importa é a qualidade das conversas. São elas que revelam o verdadeiro alinhamento entre as partes. O pitch é só o começo. O que vem depois, os questionamentos, as trocas, os impasses, mostra de fato o que está sendo construído em conjunto.

No fim das contas, embora a manchete fale de dinheiro, a história real é sobre relações. Rodadas de investimento são, essencialmente, sobre pessoas.

Os cinco principais aprendizados que anotei no meu bloco de notas

1. Não existe fórmula única para levantar capital

Todo negócio tem um caminho único e o que é crítico para um pode ser irrelevante para outro. O pitch deve refletir as fortalezas e desafios específicos da empresa. Alguns vão precisar convencer sobre o go to market, outros sobre produto, outros sobre regulação. Os investidores também vêm com diferentes níveis de conhecimento do mercado e é importante conseguir nivelar para pautar uma boa discussão. A parte mais importante do pitch é a autenticidade do founder. 

2. Clareza é o superpoder mais raro

Clareza não é só sobre comunicar bem, é reflexo do seu processo intelectual. Use o deck como exercício de problem-solving: o que precisa estar ali? O que pode ficar pra depois? Isso mostra a capacidade de gestão dos fundadores. É essencial saber qual é a sua vantagem e qual é o seu desafio agora. Se você ainda não tem tração, precisa ter muita clareza de estratégia. O deck não precisa explicar tudo. Ele precisa abrir o apetite para a conversa. 

3. Fundraising é processo, não mágica

As pessoas esquecem que levantar rodadas de capital é um funil. Tem estrutura. Tem etapas. Apesar do conteúdo ser flexível, o processo deve existir. Pitch é a porta de entrada para conhecer melhor os investidores. Seu papel como founder é energizar os investidores, educar eles nas questões específicas do seu mercado e entender o perfil de cada um para direcionar a conversa e seguir com o processo.

4. Termos importam

A negociação dos termos define o jogo de longo prazo. Evite cláusulas que matam sua liberdade. Não se iluda com valuation alto demais, pode custar bem caro depois (e o mercado fala menos sobre isso do que deveria). Contratos em inglês jurídico são difíceis de entender mesmo para quem é fluente. Um bom advogado faz diferença real, e te ajuda a entender as implicações. Termos ruins podem travar rodadas futuras. Termos bons protegem os investidores sem matar o upside. Governança precisa amadurecer junto com a empresa.

5. É sobre matching

Cada fundo tem um viés. Uns puxam pra produto, outros pra marketing, outros pro time. Não existe fórmula. Existe encaixe. As melhores conversas são as que viram “ping pong estratégico”. A melhor parte do processo são as perguntas. Elas revelam mais do que as respostas. É um processo de escolha mútua. Quem te entende? Com quem você quer construir? Se tiver que escolher entre valuation e o investidor certo, escolha o investidor certo.