fbpx

O papel da propriedade intelectual nas operações de venture capital

Compartilhe

*Luiz Felipe di Sessa e Isabella Caribé são, respectivamente, sócio e associada da prática de Tecnologia do Mattos Filho

Nos últimos artigos publicados, abordamos temáticas relevantes envolvendo operações de venture capital (VC), incluindo aspectos contratuais e de defesa da concorrência. Dando continuidade à série, abordaremos neste artigo como a propriedade intelectual tem influência em operações de venture capital e como sua proteção é relevante na atração de investimentos, em especial no setor de tecnologia.

De fato, startups são frequentemente responsáveis por trazer ao mercado novos produtos e novas formas de resolver problemas existentes da sociedade ou de mercados específicos. Não à toa, é comum que os ativos de propriedade intelectual sejam os maiores diferenciais competitivos de algumas dessas empresas. Neste contexto, é fundamental que estas empresas procurem a proteção destes ativos e a forma de exploração mais adequada para que consigam usufruir dos benefícios destas inovações.

O que é propriedade intelectual?

De acordo com a definição da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual refere-se às “criações da mente”, incluindo invenções, programas de computador, marcas, obras literárias e artísticas, ilustrações, e modelos utilizados no comércio, entre outros.

Os direitos sobre tais criações são essenciais para que inventores, pesquisadores e empresas que despendem tempo e dinheiro no processo de ideação e desenvolvimento de produtos e serviços sejam recompensados e possam exercer controle acerca do uso destas criações por terceiros.

Em linhas gerais, a propriedade intelectual divide-se em dois sub-ramos: a propriedade industrial e os direitos autorais e conexos. A propriedade industrial relaciona-se a ativos de empreendimentos empresariais, incluindo, por exemplo, marcas, desenhos industriais, patentes de invenção e modelos de utilidade. A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/98) regula tal categoria de direitos.

Por sua vez, os direitos autorais e conexos abrangem obras literárias, artísticas e científicas, bem como interpretações ou execuções e radiofusões, além de programas de computador. A Lei do Software (Lei nº 9.609/98) aborda especificamente temas relacionados a programas de computação, ao passo que a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) trata dos direitos autorais das demais criações intelectuais artísticas.

Relevância para startups e transações de venture capital

Em um contexto de grande competitividade e forte incentivo ao desenvolvimento de soluções arrojadas, frequentemente a propriedade intelectual é fundamental para que uma startup tenha sucesso ou, no mínimo, consiga atrair o interesse dos investidores no estágio de formação de capital.

Nesse sentido, o timing é fator crucial ao implementar uma estratégia de proteção de ativos de propriedade intelectual, não só porque a janela temporal para reivindicação da proteção de direitos é, via de regra, limitada, mas também porque muitos investidores condicionam (ou, no mínimo, precificam) o investimento levando em conta a situação encontrada na auditoria jurídica dos ativos de propriedade intelectual.

Tendo isso em mente, startups podem adotar algumas condutas para potencializar as chances de investimentos de venture capital:

  • Garantir que todos os seus ativos de propriedade intelectual registráveis já foram ao menos depositados junto às autoridades competentes: preocupações preliminares com o registro das marcas que identificam as atividades da startup, bem como potenciais patentes de invenções, nomes de domínio ou programas de computador contribuem para o fortalecimento do portfólio de propriedade intelectual da empresa;
  • Estabelecer políticas internas de propriedade intelectual: com políticas internas definidas e difundidas aos funcionários, o processo de criação, aquisição, manutenção e registro de ativos de propriedade intelectual torna-se delineado, o que evidencia a investidores cautela da empresa com o tema;
  • Conduzir auditorias internas preliminares: por meio de auditorias internas, a startup pode identificar gaps de proteção e buscar formas de resguardar sua propriedade intelectual antes mesmo de ser auditada por potenciais investidores, podendo evitar questionamentos ou acelerar o processo de diligência, no contexto de uma transação;
  • Incluir cláusulas protetivas em contratos: a fim de proteger ativos de propriedade intelectual potencialmente transacionados com clientes e parceiros comerciais, bem como com empregados e funcionários que tenham contato ou sejam responsáveis pelo desenvolvimento da propriedade intelectual própria;
  • Monitorar atividades de concorrentes: o monitoramento de atividades de empresas concorrentes, com o objetivo de potencialmente identificar infrações de propriedade intelectual, sendo possível desenvolver estratégias de defesa que podem envolver medidas extrajudiciais ou mesmo judiciais, a depender do caso;
  • Avaliar mercado de atuação da startup: a avaliação do mercado territorial de atuação da startup é um passo importante para a definição de quais tipos de medidas serão tomadas pela empresa na proteção de suas invenções. Algumas modalidades de proteções (como marcas, patentes e desenhos) são concedidas somente para os países em que o titular solicitou a proteção; outras proteções, tais como direitos autorais, segredos de negócio e programas de computador, tem tratamentos variados a depender dos países e dos tratados dos quais estes países fazem parte. É valioso ao empreendedor, portanto, saber a extensão de sua proteção e ter a capacidade para definir quais caminhos seguir e quando, tendo segurança jurídica e maior conforto quanto ao cronograma de investimentos para buscar referidas proteções.

Em alguns casos, convenciona-se que parte do valor captado em rodadas de investimento deve ser utilizado na expansão da proteção dos ativos para outros territórios ou mesmo na implementação de uma nova estratégia de proteção dos ativos. Nestas situações, a experiência mostra que a priorização das medidas frente aos objetivos da startup, bem como a avaliação sobre as formas de cumprir com estas condições (por exemplo, se o pedido de proteção deve ser precedido por uma busca anterior ou não) podem representar uma economia relevante à startup e uso mais eficiente dos recursos recebidos. 

Principais ativos de propriedade intelectual usados por startups

A preocupação com esta etapa se apresenta desde à proteção aos sinais distintivos utilizados pelas startups para a identificação de seus negócios até à proteção de novidades capazes de representar grandes mudanças na forma de se fazer negócios dentro de determinadas indústrias. 

Assim, é primordial que o empreendedor identifique os diferentes tipos de ativos intelectuais englobados em seu negócio, para que possa definir como melhor resguardá-los e potencialmente atrair investimentos e conquistar crescimento dentro do respectivo setor.

Dentre os principais ativos desenvolvidos ou utilizados por startups para conduzir suas atividades, podemos destacar os seguintes:

  • Marcas: são sinais visualmente perceptíveis que permitem a distinção de produtos e serviços de outros do mesmo gênero, de mesma atividade ou afins. O registro de marcas é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e se faz relevante antes mesmo do início das atividades da startup, a fim de garantir que sua identidade visual não seja questionada por concorrentes em estágios futuros, especialmente quando houver maior aporte de capital e consequente aumento de nicho de mercado. Tão logo o empreendedor defina um nome para identificar suas atividades, recomenda-se a condução de buscas prévias junto à base de dados do INPI para identificação de potenciais marcas anteriormente registradas por terceiros que podem inviabilizar o registro da marca do empreendedor;
  • Nomes de domínio: no Brasil, o responsável pelo registro de nomes de domínio, sob a terminação “.br”, é o Registro.br. É importante que o empreendedor verifique se o nome de domínio correspondente às marcas e sinais que identificam suas atividades estão disponíveis para registro junto ao Registro.br, preferencialmente buscando a proteção antes mesmo de divulgar seus produtos ou serviços no mercado;
  • Patentes: as patentes protegem invenções ou modelos de utilidade por um período limitado de tempo dentro de determinada jurisdição. A invenção diz respeito a uma nova solução técnica para um problema específico de um determinado campo, enquanto o modelo de utilidade é uma nova forma ou disposição em um objeto de uso prático, para melhorar o seu uso ou a sua fabricação. Vale destacar que para ser patenteável, a invenção deve atender aos requisitos da Lei de Propriedade Industrial brasileira de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Por sua vez, somente será patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático (ou parte deste) suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição (ou seja, envolva ato inventivo) e que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Em algumas situações, o produto ou serviço desenvolvido pelo empreendedor pode não preencher concomitantemente todos os requisitos legais e, nesse caso, buscar a proteção via patente não trará bons resultados. Por isso, é importante contar com assessoria jurídica e técnica para verificar a viabilidade do registro junto ao INPI;
  • Segredos de negócio: de maneira geral, os segredos de negócio compreendem informações confidenciais que conferem uma vantagem competitiva aos seus detentores e que sejam objeto de esforços razoáveis para manutenção da confidencialidade. Exemplos incluem técnicas industriais, know-how, listas de clientes e fornecedores, planos e estratégias de negócio, fórmulas, receitas, processos de produção, dentre outras informações que afiram vantagem competitiva ao detentor. Os segredos de negócio, portanto, não são registráveis e devem ser mantidos em extrema confidencialidade, sendo protegidos legalmente principalmente pelas regras existentes contra a concorrência desleal. Tal estratégia pode ser uma alternativa à proteção patentária caso o empreendedor tenha como objetivo manter para si a exclusividade de uso sobre determinado conhecimento por período maior que 20 anos (período máximo de proteção de patentes), não queira divulgar detalhes técnicos da invenção para a sociedade ou mesmo em casos de não preenchimento dos requisitos de patenteabilidade (indicados acima);
  • Programas de computador: são conjuntos de instruções escritas em linguagem de programação para que sejam realizadas determinadas tarefas. Um software pode ser definido, ainda, como “expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”, nos termos do artigo 1º da Lei de Programa de Computador brasileira. No Brasil, os programas de computador são protegidos por direitos autorais, de modo que sua proteção independe de registro. De todo modo, o registro facultativo junto ao INPI, de natureza declaratória, é alternativa para obter um nível mais alto de segurança jurídica quanto à autoria e, ainda, resguarda o empreendedor contra eventuais usos indevidos ou não autorizados.

Uso e desenvolvimento de sistemas de IA

Tecnologias disruptivas que envolvem uso de inteligência artificial (IA), em especial de natureza generativa, têm se tornado cada vez mais usuais. Nesse sentido, diversas startups atuam diretamente na criação de tais ferramentas ou mesmo utilizam destes aparatos desenvolvidos por terceiros para construir seus próprios produtos ou serviços.

Enquanto avanços legislativos no campo de inteligência artificial não se concretizam, é importante que usuários e desenvolvedores de produtos baseados em IA atuem com responsabilidade e ética, já que a atual falta de regulação do tema não representa que produtos criados por IA podem ser livremente explorados, em especial para fins comerciais. Assim, cabe às startups cautela e especial atenção aos eventuais termos de uso de plataformas de IA, bem como os direitos de terceiros sobre dados e informações utilizados pela IA para gerar novos conteúdos.

Considerações finais

Em um contexto dinâmico como o de investimentos de venture capital, a propriedade intelectual assume uma significativa importância para startups, em especial as que estão em estágios preliminares de atividade. O desenvolvimento e proteção de ativos de propriedade intelectual pode ser fator determinante na atração de investidores e ampliar as perspectivas de sucesso a longo prazo.

Cabe aos empreendedores, em conjunto com sua assessoria jurídica, adotar estratégias eficazes para resguardar-se neste âmbito, a fim de assegurar financiamento, destacar-se frente aos concorrentes e garantir que seus processos inovadores trarão benefícios para a coletividade.

LEIA MAIS