Artigo

O privilégio de ajudar a salvar vidas como gestor de venture capital

Como foi atuar como um C-Level numa das empresas que mais contribuíram na luta contra a a Covid-19 no Brasil

Foto: Canva
Foto: Canva

*Paulo Tomazela é sócio da KPTL

No mês passado, uma empresa brasileira de tecnologia médico-hospitalar recebeu autorização do Food and Drugs Administration (FDA), órgão regulador de Saúde dos Estados Unidos, para produzir e comercializar em solo americano, ventiladores pulmonares criados no Brasil. Esta poderia ser só mais uma conquista de uma companhia nacional que ousou romper barreiras, mas indiretamente foi também uma vitória legítima do venture capital e do ecossistema de inovação tupiniquim.

Fundada em 2005 pelos engenheiros paulistanos Wataru Ueda, Tatsuo Suzuki e Toru Miyagi, a Magnamed é a maior fabricante brasileira de ventiladores pulmonares. Em 2008 a empresa recebeu um primeiro aporte do fundo Criatec, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Nordeste (BNB), por meio da co-gestora KPTL. Naquele período, ainda estava incubada no polo de startups da Escola Politécnica da USP, o Cietec.

Lá se vão 15 anos da primeira semente plantada como investimento. Em geral, hardware e software não costumam ser segmentos muito “sexies” dentro do venture capital. Porém, em 2008, é inegável que houve um olhar auspicioso do VC para tornar algo que ainda era quase um sonho em realidade inconteste. Hoje a Magnamed exporta para mais de 60 países, e as exportações representam quase um terço das vendas da empresa.

Dadas as circunstâncias imponderáveis e catastróficas da pandemia de Covid-19, o ventilador pulmonar, ou “respiradores” como ficaram conhecidos pela população, foi um equipamento que ganhou destaque na mídia. Contudo, em 2020, com o auge da emergência global, ficou claro o desafio dos empreendedores e o papel dos investidores de ampliar a capacidade de produção ao limite, devido à uma demanda do Ministério da Saúde, que não conseguia importar quantidade suficiente de aparelhos por conta da altíssima demanda mundial.

Desafios pela frente

À primeira vista parecia impossível multiplicar por 10 a produção mensal de ventiladores com a mesma infraestrutura existente. Os desafios eram insanos, tais como a dificuldade de acesso a recursos financeiros, mesmo em um momento tão crítico para toda a população. Mesmo quando é uma oportunidade, uma necessidade óbvia, uma causa humanitária, nem isso sensibilizou alguns agentes do mercado financeiro. Vi ali, na minha frente, o Brasil mostrar o que tem de melhor, e também o que tem de pior. Infelizmente.

Mas ficando apenas na primeira amostra, conseguimos, por meio da rede de contato de ex-colegas do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) de um dos nossos empreendedores, alcançar o CEO da Suzano, que numa sucessão de conexões e reconexões, conseguiu juntar em pouco tempo líderes de grandes companhias como Klabin, Banco Votorantim, General Motors, Embraer e White Martins, que ajudaram tanto oferecendo espaço físico, mão de obra e até mesmo capital a custos mais do que subsidiados.

Além disso, era necessário negociar com o Governo para conseguir as melhores condições de prazo de pagamento dos equipamentos para ter fluxo de caixa necessário, travar disputas judiciais e garantir capacidade fabril.

Sendo eu do Fundo Criatec, ter um assento no conselho de administração da companhia, e contar com experiência em produção em massa, assim que recebemos o ofício do Ministério da Saúde, invocando artigo da Constituição que garantia direitos exclusivos de adquirirem toda nossa produção (estoques inclusos) daquela data a até 180 dias, me juntei aos executivos-fundadores da companhia no insano, porém recompensante, dia a dia de uma empresa crucial para salvar vidas brasileiras na pandemia. Definitivamente estive diante do meu maior caso de “gestão ativa”, mão na massa, de toda minha carreira de 15 anos como empreendedor do venture capital.

É evidente que quem se depara com um crescimento de receita de 10 vezes em poucos meses logo fica com a curiosidade sobre o retorno financeiro. Porém, existem também aspectos pouco evidentes a se pensar como o “retorno social” e, por que não, “moral”. Afinal, se cada ventilador conseguiu salvar dezenas de vidas, quantas pessoas o Venture Capital brasileiro não salvou na prática com esse investimento na Magnamed? No final de 3 meses conseguimos entregar mais da metade dos cerca de 10 mil ventiladores comprados pelo Ministério com todas as empresas nacionais.

Tudo isso fez a empresa investir mais em inovação, já que a dependência de produtos importados caiu e a produtividade teve que aumentar “na marra”. Passou a ser cotista em fundo de VC que apoia iniciativas de empreendedorismo feminino em tecnologia. Criou produtos, inclusive investiu quase R$ 4 milhões por meio da Lei de Informática em pesquisas que resultaram na PMUS[PT2] , um sistema baseado em Inteligência Artificial que mapeia um novo sentido vital, a pressão muscular dos pulmões, sem a necessidade de procedimentos invasivos.

A marca Magnamed saiu fortalecida como poucas da pandemia e tem muitos caminhos a trilhar. Mas é fato que está pronta para novos voos. É importante o Venture Capital perceber quando alcançou seus limites como investidor e fomentador de uma ideia.

Do meu lado e do da KPTL, o que consigo reconhecer olhando pelo retrovisor é que tivemos um privilégio, uma honra e uma responsabilidade enormes de participar de um momento tão marcante na história da Humanidade. Se o Brasil foi um dos países onde a Covid foi mais letal, sem a Magnamed teria sido, certamente, pior. Ter podido ajudar efetivamente naquele momento é uma sensação que poucos gestores de venture capital podem sentir. Um misto de orgulho e a satisfação de ver a teoria se tornando prática e o discurso se tornando realidade.