fbpx

Organização jurídica: por que é essencial nas transações de M&A?

Compartilhe

*Caroline Von Borstel é advogada e atua na área de investimentos em startups da Questum

Realizar a venda da startup para conseguir um bom exit é objetivo de muitos empreendedores. Contudo, a jornada para se tornar atrativa para um comprador estratégico é repleta de desafios consideráveis. Um deles é a necessidade da organização jurídica nas startups, uma vez que o comprador vai analisar diversas informações antes de fechar um negócio. Entra aqui o processo de diligência (due diligence), que consiste em fazer um raio-x de toda a operação com o intuito de avaliar o ativo a ser adquirido e seus eventuais riscos.

Caso o comprador identifique pontos de alerta, o valor final da transação poderá ser impactado, resultando em negociações menos favoráveis ao vendedor, inclusive com a retenção de uma parcela significativa no momento da compra com intuito de mitigar as potenciais perdas financeiras por ele.

Embora não exista a garantia de que, mesmo seguindo todas as melhores práticas, a empresa estará livre de ressalvas durante a due diligence, há alguns cuidados que o empreendedor pode ter com o objetivo de prevenir dores de cabeça no momento de realizar uma transação de M&A, prezando pela valorização da sua empresa.

Este artigo aborda algumas recomendações no âmbito jurídico para agregar valor à operação e facilitar a vida do empreendedor na jornada de M&A, em especial quando estiver frente ao buy-side.

Contrato social – a certidão de nascimento da empresa

Começando pelo marco zero, uma empresa “nasce” a partir do registro do seu contrato social no órgão competente – a Junta Comercial do seu respectivo estado. Ocorre que este documento, muitas vezes, é feito de forma simplória, utilizando modelos prontos e que não se adequam ao caso específico da empresa.

Ao criar robustez na operação, é recomendável avaliar se este contrato reflete a realidade da empresa. No caso de uma LTDA, por exemplo, pergunta-se: os responsáveis legais por ela estão constituídos como administradores perante o contrato, visto que não basta ser sócio para assinar certos atos? As informações dos sócios e da empresa estão atualizadas? O objeto social está bem escrito, compactuando com os CNAES da empresa?

Neste viés, os CNAES da empresa indicam o regime tributário adotado, outro importante ponto de avaliação e que reflete em todas as finanças e planejamento da empresa. Muitos empreendedores querem se manter no regime do simples nacional, mas este é, como o nome já diz, uma forma simplificada de pagar os tributos devidos, podendo não ser a mais adequada para o negócio, ainda que este esteja abaixo do limite do simples. É recomendável avaliar com uma contabilidade de confiança qual o melhor regime para o planejamento financeiro, evitando deixar dinheiro na mesa por falta de planejamento.

Ainda, um documento que pode surgir é o acordo de quotistas, importante para alinhamento entre os sócios perante as regras de governança não abordadas no contrato social e que podem ser tratadas de forma confidencial entre os sócios. Ele traz respostas para dúvidas como: o que ocorre se um dos sócios quiser sair da operação? Como será apurado o valor da venda de suas quotas? Haverá lock-up? Como são as regras de não competição entre eles?

A análise também vale se a empresa já for constituída como uma Sociedade por Ações (S/A), mas a complexidade aumenta, visto que o estatuto social e o acordo de acionistas são os documentos basilares. Assim: estes estão refletindo corretamente a realidade da operação, com todas as regras de governança estabelecidas? As AGOs e eventuais AGEs estão devidamente registradas? Os livros de registros e transferências de ações também estão devidamente organizados?

PJ X CLT

Outro importante fator na organização jurídica são as contratações. Há uma consciência tácita de que os empreendedores, no início de suas jornadas, celebram contratos de prestação de serviços com terceiros para execução das atividades diárias da empresa, ao invés de contratarem conforme a CLT.

Mesmo sendo uma prática comum, há diversas ressalvas que os empreendedores precisam ter ao escolherem ir por este primeiro caminho. Uma delas é que os compradores estratégicos, principalmente os de grande porte, dificilmente vão avançar em negociações com empresas que possuam parte da sua equipe como “PJs”, devido ao risco de insurgir demandas trabalhistas uma vez que os compradores adquirem todos os ônus da empresa, como multas, dívidas e eventuais processos administrativos/jurídicos em andamento.

Mesmo que a empresa não possua problemas com a justiça do trabalho no momento da negociação, o comprador irá adicionar o “risco trabalhista” como potencial passivo, algo que pesará no valor final da transação de M&A.

Assim, começar o processo de “celetização” deve ser uma das prioridades na organização jurídica nas startups ao iniciar a prospecção com os compradores. Este processo é longo e caro, e impacta as despesas e custos da empresa significativamente, em especial o plano de negócios. Por este motivo, o processo deve ser feito com estratégia e com bons profissionais ao lado, evitando comprometer o caixa da empresa.

Organização jurídica é essencial em um processo de M&A (Foto: Canva)

Os investidores estão de acordo?

É importante que o objetivo do empreendedor esteja alinhado com o do atual ou futuro investidor, se aplicável. Afinal, se o empreendedor quer um dia vender a empresa para receber o retorno proporcional ao risco que tomou, é justo que o investidor queira este mesmo retorno ao capital alocado, do ponto de vista de tempo juntos no negócio e também de qual é este valor de retorno.

Ressaltamos muito isso visto que não é incomum encontrarmos contratos de investimentos em que a decisão de vender o negócio, em termos de valores, tempo e até potenciais compradores, é outorgada ao investidor – direitos presentes nos contratos no momento da rodada. Com os interesses desalinhados e o poder de decisão com o investidor, a chance de ter problemas no momento da liquidez é alta.

Atenção redobrada às cláusulas de preferência de liquidação e drag along (uma cláusula de proteção ao acionista majoritário) com múltiplos altos, bem como direitos de governança superiores aos do empreendedores, presentes muitas vezes nos quóruns de votação do conselho de administração.

Em resumo

A organização jurídica nas startups desempenha um papel fundamental ao longo do processo de M&A e impacta diretamente na visão de risco do comprador ao avaliar a empresa. É possível que compradores desistam da transação por entenderem que os passivos são muito elevados e podem comprometer a empresa do ponto de vista jurídico, o que atinge o financeiro, reputacional e administrativo.

Ainda, avançando na negociação, os riscos apontados pelo comprador podem de fato impactar o equity value da adquirida e necessitar de uma garantia muito alta da empresa ao comprador.

Recomenda-se ao empreendedor que possui a intenção de avançar em uma transação em médio/curto prazo, ou que está em um estágio mais avançado do negócio, busque uma assessoria especializada que possa gerar valor a empresa, mitigando os riscos e “arrumando a casa”, para assim, quando o momento de sentar frente aos compradores chegar, a empresa possua uma boa estrutura de governança, o que facilita as negociações e auxilia a avaliação do equity value da empresa perante o comprador.

LEIA MAIS