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Os jardins murados dos gigantes da nuvem ameaçam a inovação em IA no Brasil

Mudança para novo modelo de nuvem é essencial para reduzir barreiras de entrada para startups, diz Kevin Cochrane, diretor da Vultr

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Nuvem | Foto: Canva
Nuvem | Foto: Canva

*Por Kevin Cochrane, Diretor de Inovação da Vultr

A inteligência artificial está começando a reconfigurar a economia brasileira. O Brasil tem uma das maiores taxas de adoção de IA no ambiente de trabalho do mundo — 80%, de acordo com uma pesquisa de 2024 realizada pela empresa de consultoria Korn Ferry. O governo também aposta na IA: o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) publicou recentemente a versão final do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. A estratégia prevê investimentos de 23 bilhões de reais (cerca de US$ 4 bilhões) em quatro anos, com o objetivo de posicionar o Brasil como líder global no desenvolvimento de IA.

Com todo esse avanço em torno da IA, a infraestrutura de nuvem do país está preparada? Nos últimos cinco anos, o Brasil presenciou uma grande expansão do mercado de nuvem, impulsionada na maioria por provedores norte-americanos e chineses que atendem à demanda crescente. No entanto, a dominância dos hiperescaladores globais no cenário de nuvem do Brasil representa um desafio para a inovação em IA.

O termo “jardim murado” descreve uma plataforma tecnológica fechada que nega flexibilidade aos usuários. Um exemplo notório é a decisão da Apple de substituir o conector de fone de ouvido padrão de 3,5 mm pelo conector registrado Lightning no iPhone. Vemos um efeito de “lock-in” similar com os grandes provedores de nuvem, que prendem muitos clientes com altas taxas de saída de dados e interoperabilidade limitada com outros sistemas.

No Brasil, onde os serviços de nuvem dos hiperescaladores já são notoriamente caros, ficar preso em um jardim murado controlado por big techs é um pesadelo para startups e pequenas empresas que buscam desenvolver e implantar aplicações de IA em escala global. A dominância de alguns poucos grandes provedores de nuvem historicamente sufocou a inovação e o acesso. A mudança para um novo modelo de nuvem é essencial para reduzir barreiras de entrada para startups e scale-ups, melhorar o acesso e destravar a inovação em IA.

A ascensão de estratégias multinuvem oferece uma saída para os jardins murados. Uma empresa sediada em São Paulo que faz negócios na América do Norte, por exemplo, pode optar por operar em servidores de big techs nos EUA. Mas para suas operações no Brasil e em toda a América Latina, essa empresa pode implantar aplicações usando um provedor de nuvem local ou independente e obter o mesmo desempenho de alto nível a uma fração do custo.

O crescimento de provedores de nuvem alternativos no Brasil torna esse cenário viável, mas uma mudança ainda mais profunda está em andamento no cenário de nuvem, impulsionada pela revolução da IA generativa. A IA está forçando uma reestruturação completa da infraestrutura de nuvem, desde GPUs de ponta até redes de centros de dados modernizadas. Também está impulsionando a evolução da arquitetura corporativa. A era das aplicações nativas de IA significa que as equipes de engenharia de plataforma devem adotar uma arquitetura híbrida e multinuvem para alcançar a composição, escalabilidade e automação que a inovação em IA exige.

O desenvolvimento nativo de IA depende de uma infraestrutura diversificada, incluindo nuvem pública, sistemas on-premises e edge environments. Inclui modelos de Infraestrutura como Código (IaC) que automatizam grande parte da configuração do back-end, permitindo que os engenheiros se concentrem no desenvolvimento dos modelos. Fundamentalmente, também requer estratégias de nuvem soberana para estar em conformidade com as leis de proteção de dados do Brasil e garantir que dados privados em modelos de IA não acabem em um servidor na Virgínia.

À medida que o Brasil avança na adoção e inovação em IA, a necessidade de um novo modelo de nuvem só tende a crescer. Plataformas de nuvem alternativas e estratégias multinuvem para otimizar desempenho, controlar gastos e proteger dados tornaram-se essenciais. Além da questão de custos, os inovadores em IA exigem liberdade para escolher os serviços que melhor atendam suas necessidades, para implantar e escalar rapidamente suas aplicações em nível global. Para moldar o futuro da IA, startups e empresas brasileiras precisarão sair dos jardins murados dos hiperescaladores e construir seus próprios caminhos com uma infraestrutura de nuvem aberta, flexível e preparada para IA.