*Felipe Hanszmann e Caio Brandão, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, e David Schechtman, membro da Comissão sobre os Aspectos Jurídicos do Empreendedorismo e das Startups
A relação entre investidores e startups em estágio inicial é marcada por incertezas e alocação de riscos. De um lado, os fundadores, com confiança de seu futuro sucesso, buscam capital para desenvolver seu negócio, tentando limitar o quanto precisam ceder da startup. Do outro lado, os investidores enfrentam um cenário de incertezas, riscos e informação limitada, tornando crucial uma adequada avaliação dos empreendedores e do potencial negócio.
Esses interesses conflitantes geram fricção na negociação do contrato de investimento inicial. É nesse cenário que se insere esse primeiro texto da série, que abordará, de forma não exaustiva, um dos pontos de maior discussão na negociação do SAFE (Simple Agreement for Future Equity) e do MAIS (Modelo de Acordo de Investimento em Startups), criado pela Comissão de Startups da OAB-RJ em conjunto com outras instituições: o funcionamento do cap post-money e a definição do percentual de conversão.
A determinação do “preço” que o investidor pagará para, eventualmente, se tornar sócio de uma startup gera sempre discussão. Dentro da prática de fusões e aquisições (M&A) com empresas mais maduras, este “preço” é determinado em cima do valuation da companhia-alvo, que pode ser calculado de diversas formas e com diferentes técnicas. Contudo, estas técnicas funcionam definindo o valor da empresa ao extrapolar algum tipo de informação histórica . Evidentemente, estas metodologias não são recomendadas em uma startup em estágio inicial, uma vez que o pouco histórico que existir (se algum) provavelmente não é indicativo do seu futuro.
O SAFE e o MAIS evitam esta limitação das metodologias ao postergar a decisão do valuation que será utilizado para o futuro, ou seja, não são investimentos com valuation pré-definido. A forma de adiar a avaliação das empresas é determinando que o investidor SAFE/MAIS não tenha, inicialmente, uma participação no capital social da startup, mas sim um crédito contra a startup que será, no futuro, convertido em participação.
Ou seja, a participação que o investidor receberá será determinada com base no valuation da primeira rodada de investimento que ocorrer no futuro, cenário em que geralmente já está disponível um nível informacional mais adequado para formação de tal precificação. Contudo, o investidor SAFE/MAIS não recebe sua participação com um valuation igual ao da rodada subsequente, aplica-se sobre essa cifra algum tipo de benefício que busca contemplar valor adicional em virtude de o investidor ter assumido mais risco pelo fato de ter aportado os recursos em um momento anterior do projeto.
Tanto o MAIS quanto o modelo padrão do SAFE utilizam a mesma mecânica para recompensar o investidor: o post-money cap. Definir o valuation por um cap (ou teto) significa que o valuation para o investidor será o mesmo que o da rodada subsequente, exceto se a rodada posterior for por um valuation maior do que o teto, caso em que a conversão seria pelo teto pré-definido. A conta para determinar quanto um investidor SAFE/MAIS receberá no momento da conversão (assumindo uma rodada acima do cap) é uma simples regra de três: valor aportado pelo investidor dividido pelo post-money cap utilizado.
Também é comum que rodadas de captação sejam negociadas com base no percentual de conversão e no valor do investimento, isto é, os fundadores definem que precisam de determinada quantidade de dinheiro a ser aportado pelos investidores e que estão dispostos a pagar um determinado percentual da startup para receber este valor. Por exemplo, os fundadores podem querer captar R$ 1 milhão, estando dispostos a ceder 10% da startup. Neste caso, o post-money cap seria R$ 10 milhões (R$ 1 milhão dividido por 10%).
Valuation pre-money ou post-money
Uma distinção importante ao discutir post-money cap é que há duas formas de implementar um valuation cap: utilizando o valuation pre-money (valuation cap não considera os recursos que estão entrando na rodada de investimento subsequente para o valuation de conversão) ou post-money (cap considera os recursos que estão entrando na rodada de investimento subsequente para o valuation de conversão).
Na prática, a distinção conceitual é se o investidor será ou não diluído pela rodada subsequente. Se é utilizado pre-money valuation, a participação após conversão dependerá do valor da captação subsequente ou, em outros termos, da diluição dos fundadores na rodada subsequente. O mérito desta abordagem é que a diluição da rodada é compartilhada entre os fundadores e investidores SAFE.
Contudo, além da incerteza gerada, uma vez que não é possível saber de antemão o valuation de conversão sem ter certeza do valor da rodada, o investidor também pode ficar exposto a comportamento oportunista dos fundadores. Ainda, na prática do SAFE, observou-se que a utilização de teto pre-money gerava confusão entre os fundadores e investidores quanto ao conceito.
Ao utilizar post-money valuation, o investidor tem certeza desde o momento da assinatura do acordo o percentual de participação que terá na conversão em caso de uma rodada de investimento subsequente acima do teto. Embora exista a possibilidade de uma conversão abaixo do cap, este cenário acaba sendo menos relevante na prática se o teto tiver sido bem estabelecido, considerando que os fundadores e investidores têm interesses alinhados de que o valuation da rodada subsequente passe do teto.
Isto porque a diferença entre o valuation da rodada subsequente e o utilizado para a conversão do investidor SAFE/MAIS servirá para compensar o fato de que o risco assumido pelo investidor foi maior.