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Quando o investidor se torna sócio e que tipo de ação recebe

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*Felipe Hanszmann e Caio Brandão, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, e David Schechtman, membro da Comissão sobre os Aspectos Jurídicos do Empreendedorismo e das Startups

No texto anterior desta série, vimos como é definida a quantidade de participação do investidor que aportou recursos em uma startup por meio de um SAFE (ou Simple Agreement for Future Equity) ou MAIS (Modelo de Acordo de Investimento em Startups). Contudo, tão importante quanto a definição do percentual a que terá direito, é o momento em que, de fato, o investidor se tornará sócio e quais direitos sua participação concederá.

O titular do SAFE torna-se sócio na ocasião da primeira rodada de investimento com valuation definido em que seja entregue participação acionária aos respectivos investidores. Ou seja, o SAFE não é convertido na hipótese de rodadas de investimento por mútuo conversível. A consequência é que rodadas de investimento por mútuo conversível não diluem um investidor SAFE. Nos Estados Unidos, isto geralmente não é um problema, já que não é comum que uma startup tenha diversas rodadas de investimento por mútuo conversível, diferentemente da prática brasileira.

No Brasil, o ingresso formal do investidor no quadro societário da startup é mais relevante em comparação com os Estados Unidos, tendo em vista os riscos aplicáveis (como, por exemplo, os casos de desconsideração da personalidade jurídica em função principalmente de riscos trabalhistas, bem como questões de tratamento fiscal).

O resultado prático destes fatores é o incentivo para a utilização de mútuo conversível em participação societária (sem entrega de equity) em oposição a investimentos diretos em participação na startup, muitas vezes sendo realizadas múltiplas rodadas de investimento por mútuo conversível. Dado que não é comum ocorrerem múltiplas rodadas desse tipo, a ausência de diluição dos investidores SAFE, na prática, raramente gera impacto adverso relevante nos Estados Unidos. No Brasil, porém, isto não é verdade.

A celebração de um SAFE no país (ou uma versão traduzida sem cuidado) poderia resultar em algum investidor com direito a receber um percentual elevado de participação, sem passar por qualquer diluição, mesmo após diversas rodadas de investimento por este instrumento. Isto poderia travar a negociação de uma rodada de investimento futura e exigir renegociação do tratamento aos investidores SAFE, o que contraria todo o propósito da ferramenta de evitar gerar custos de transação elevados.

Solução simples

Visando mitigar esse risco, o MAIS propõe uma solução simples: dividiu-se o momento em que o investidor MAIS começa a ser diluído (na assinatura do mútuo conversível) e quando se tornará sócio (quando o mútuo conversível for convertido – também considera o cenário de o mútuo conversível não ser convertido). Desta forma, combina-se o “melhor dos dois mundos”, ou seja, posterga-se a entrada como sócio da startup e também evita-se que o investidor MAIS não seja diluído por diversas rodadas de investimento subsequentes (o que aconteceria em caso de ser utilizado o SAFE ou uma tradução).

O detentor de participação societária em uma sociedade tem alguns direitos inerentes a sua condição, mas nem todos os papéis concedem os mesmos direitos. No contexto de investimento em startups, o investidor e a startup negociarão os direitos a serem concedidos (em adição aos já previstos em lei), direitos adicionais que estarão atrelados à participação do investidor. Exceto por algumas situações excepcionais, como regra geral, propositalmente não são garantidos direitos ao investidor SAFE/MAIS no momento em que se tornar sócio da empresa.

Se por um lado não são garantidos esses direitos no momento da conversão, por outro, ele receberá os mesmos direitos que o investidor da rodada subsequente. Isto não poderia ser diferente, uma vez que os direitos do investidor da rodada subsequente impactam no valuation da rodada. Como consequência, já que o valuation da rodada subsequente é utilizado para determinar o valuation de conversão do SAFE/MAIS, não colocar os mesmos direitos para o investidor SAFE/MAIS resultaria em tratamento não equitativo. Como no caso do valuation, a premissa utilizada é que o investidor da rodada subsequente e o investidor MAIS/SAFE têm incentivos alinhados, uma vez que ambos estão interessados em receber o máximo possível de direitos.

Esta escolha ainda tem dois benefícios adicionais. Primeiro, não precisar negociar os direitos do investidor SAFE/MAIS significa menos pontos de negociação e, portanto, o contrato pode ser negociado e celebrado de forma mais rápida e com menos custos de transação. O segundo benefício é que, após a conversão, a startup não precisará manejar grupos de direitos distintos para cada rodada de investimento (SAFE/MAIS e a subsequente), simplificando a governança da startup.

Vale destacar a nuance de que alguns direitos recebidos pelo investidor subsequente são atrelados ao valuation pago ao entrar na startup. O exemplo clássico é algum tipo de preferência na hipótese de evento de liquidez (e.g., em caso de venda da startup, cada ação do investidor subsequente terá o direito de receber um determinado valor que é equivalente a um múltiplo do valor pago na subscrição da ação). Tanto o SAFE quanto o MAIS preveem que, na hipótese de o investidor MAIS/SAFE pagar um valor de subscrição menor por ação, o direito desse investidor será parametrizado com base no valor de subscrição pago na subscrição da ação.

Numericamente, imagine que o investidor subsequente adquiriu ações por R$1,00/ação e que o investidor SAFE/MAIS (por causa do cap) subscreveu a R$0,80/ação. Neste caso, se a startup for vendida, o investidor subsequente teria direito de receber no mínimo R$2,00 por ação, e o investidor SAFE/MAIS, no mínimo R$1,60 por papel.

Conforme exposto, uma das principais preocupações na realização de investimento em startups no Brasil sujeito a precificação posterior está na definição do momento de conversão do crédito em participação societária, bem como dos direitos inerentes a tal posição.

Para lidar com isso, o MAIS adotou um procedimento no qual o investidor começa a ser diluído a partir da celebração do instrumento a fim de mitigar o risco de questionamentos sobre o percentual de participação em rodadas subsequentes, mesmo num cenário de conversão futura. Já em relação aos direitos do investidor, o MAIS conferirá direitos similares aos dos investidores da rodada posterior tendo em vista o impacto no valuation da rodada.

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