* Camila Nasser é CEO do Kria
A empresa de venture capital Andreessen Horowitz (a16z) moldou o VC moderno. Quando Ben e Mark começaram a investir em startups, lá em 2009, eles perceberam que era muito difícil se consolidar em um mercado que se retroalimenta de casos de sucesso. Os fundos com os melhores empreendedores atraem os melhores empreendedores, de forma cíclica.
A a16z nasceu, porém, com o diferencial de ser fundada por empreendedores de sucesso (e fracassos). Empreendedores com altos e baixos, e que entendiam com verdadeira empatia os principais desafios de quem está tentando construir um negócio. Eles se propuseram a ser mais do que o cheque – e baseados no conceito da “Agência de Hollywood” Creative Artists Agency, criaram o VC Platform: um modelo de VC que ajuda as startups em seus desafios do dia a dia, como contratação de talentos e destaque na mídia.
O livro do Ben Horowitz, O Lado Difícil das Coisas Difíceis é, com razão, uma das bíblias do mercado (lá, inclusive, ele narra a sua experiência empreendedora e a criação da a16z). O próprio Ben é uma figura lendária. Careca, de família comunista, tornou-se uma das principais referências do ‘Venture Capitalismo’. Ben e Mark conseguiram mudar o status quo do mercado de venture capital, e inspiraram uma nova geração de investidores.
Com eles, popularizou-se um novo padrão de venture capital, que deu muito certo. E diferente de outras indústrias, em que os players novos entram criticando os mais antigos, o pós a16z transformou o VC em uma espécie de indústria da veneração. Os mais novos raramente estudam os antigos para aprender com os erros ou fazer melhor – os estudam para fazer igual.
O problema é quando a veneração supera o nosso senso crítico. Recentemente a a16z apoiou empreendedores de histórico controverso: Elon Musk (US$ 400 milhões com a compra do Twitter), Adam Neumann (US$ 350 milhões para Flow) e Andy Rubin (na startup Simple Things). Em comum, eles acumulam um passado cheio de polêmicas – seja sobre seus métodos de gestão ou a forma como se relacionam com seus times. Fiquei pensando na influência e peso que essas decisões têm, e que recado passam para os empreendedores e outros investidores.
Coragem para fazer diferente
Deveríamos estar investindo em líderes inspiradores, sem históricos de abuso. Em pessoas de caráter elevado, com capacidade de construir negócios potentes e duradouros, claro, mas sem atropelar outros pelo caminho. Por anos fomos levados a acreditar que o bom empreendedor é aquele-tipo-psicopata. Justificamos comportamentos pelo poder. Até quando?
Gostaria de ver um venture capital mais diverso em suas teses. Investidores com coragem de fazer diferente, de selecionar empreendedores de fora da bolha, que chegaram sem introdução ou contatos – impulsionados pelo próprio talento. Empreendedores do bem, que não se formaram no MIT e talvez não fundaram um unicórnio antes, mas que têm a capacidade de criar negócios sólidos, em que as pessoas querem trabalhar – e são felizes trabalhando lá.
Estamos passando por uma importante mudança no mundo das startups, globalmente. Vimos investidores históricos reportando perdas bilionárias. Seja em startups ou em big techs, layoffs e mudanças em previsões de crescimento. Mas os fundos ainda têm grande dry powder – ou seja, capacidade para investir. Segundo dados do Venture Pulse, da KPMG, o volume captado pelos gestores até outubro de 2022 foi de US$ 617 milhões. Em 2021, o montante foi de US$782 milhões. A pergunta então é: em quem esses fundos irão investir? E por que?
Assim como Mark e Ben questionaram o status quo há mais de 10 anos, é hora de pararmos de replicar as mesmas fórmulas e inovarmos o próprio venture capital.