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SVB, crises e seus impactos no capital de risco

Para o ecossistema brasileiro de capital de risco, a situação poderá ser ainda mais sensível, dado o nosso grau de maturidade ainda em desenvolvimento

Recuo financeiro
Foto: Gerd Altmann (geralt)/Pixabay

* Torben Rankine, futuro head da Slat Ventures no Vale do Silício, e Sandro Valeri, fundador da Slat Ventures

Uma das principais características do capitalismo é a sua natureza cíclica, com períodos de prosperidade e crises que podem variar de crises localizadas em nichos de mercado a crises globais. Uma frase comum para descrever o capitalismo poderia ser “o inverno está chegando”. Neste contexto, queremos trazer a reflexão sobre a atual crise no mercado de capital de risco, que pode se tornar global, e os possíveis impactos da queda do Silicon Valley Bank (SVB) neste mercado, considerando nossa atuação nos ecossistemas brasileiro e do Vale do Silício.

Em primeiro lugar, é importante refletirmos sobre a importância do SVB para as startups. O tagline da SVB era “the financial partner of the Innovation economy”. O alinhamento do banco com as necessidades de empreendedores e VCs, assim com as suas redes de contato, tornou o SVB onipresente entre startups e VCs.

Desde a sua fundação, o banco tem sido um grande apoiador do empreendedorismo e, muitas vezes, tem sido o principal ponto de apoio dessas empresas e do ecossistema como um todo. Talvez isso tenha levado ao domínio absoluto do SVB no mercado, o que, por sua vez, deixou o ecossistema em grande risco: mais de 50% das movimentações e depósitos do ecossistema são feitos por uma única instituição. É necessário que o ecossistema se reinvente rapidamente para propiciar a criação de novos bancos com esta cultura e forma de pensamento, o que também vale para o Brasil.

Em termos de impacto no ecossistema norte-americano, ainda é preciso aguardar um pouco mais para conclusões mais definitivas. Segundo o Pitchbook, algumas startups early stage estão retornando seus depósitos para o SVB, principalmente pelo motivo de ser o único banco realmente reconhecido como “startup friendly”. Um novo SVB deve surgir, e há uma incerteza em relação aos novos acionistas e se eles pretendem manter essa cultura amigável às startups.

Por outro lado, tanto no ecossistema norte-americano quanto no brasileiro, tivemos nos últimos anos alguns novos perfis de investidores (Limited Partners – LPs) nos fundos, que migraram de opções como bolsa de valores e renda fixa. Com o excesso de capital, muitos novos VCs chegaram ao mercado, o que levou a um aumento expressivo nos valuations. Posteriormente, com o aumento da taxa de juros, começamos a perceber a saída rápida de muitos desses novos investidores, o início da queda de valuation e, principalmente, mudança na forma de análise pelos fundos.

Acreditamos que podemos encontrar, já nos próximos meses, outra nova onda de saída desses novos investidores e, naturalmente, com os mesmos impactos: queda de valuation e possível quebra de alguns VCs, especialmente para aqueles que fizeram muitos investimentos entre 2020 e 2022 e que têm entre seus LPs esses novos investidores.

Impacto no Brasil

Para o ecossistema brasileiro de capital de risco, acreditamos que a situação poderá ser ainda mais sensível, dado o nosso grau de maturidade ainda em desenvolvimento. Boa parte dos fundos levantaram capital depois de 2016 e, portanto, não somente nossos profissionais ainda estão no primeiro ciclo de experiência, mas também os investidores. A principal pergunta é: nossos LPs vão manter suas posições?

Nosso apelo é para que os LPs mantenham suas posições, pois crises são inevitáveis no negócio de longo prazo que é o VC. Ao invés de mudar o método a cada crise, devemos exigir que os profissionais de VC evoluam e sistematizem ainda mais a avaliação e apoiem os melhores empreendedores. O ecossistema de startups agradecerá e os retornos virão.

Em relação aos recém-chegados Corporate VCs, talvez eles estejam diante da melhor oportunidade de sua curta história no Brasil, com mais de R$ 3 bilhões de dry powder. Sua disponibilidade de capital está mais relacionada ao comportamento macroeconômico e à competição do que ao mercado de capital de risco.

Devido à demanda dos acionistas, suas avaliações são mais profundas e cuidadosas. As alavancas que podem oferecer, como seus canais de vendas, clientes, fornecedores e P&D, são fundamentais para o crescimento das startups. É uma bela oportunidade para que os Corporate VCs liderem as rodadas no Brasil, mantenham o ecossistema ativo e tragam sua experiência de lidar com crises para as startups e para o capital de risco brasileiro.

Chegou a hora de separar os adultos das crianças. Os investidores (LPs) devem cumprir seu papel e manter firmes suas posições, pois o jogo é de longo prazo. Os VCs brasileiros devem aproveitar a crise para entrar em um próximo ciclo de evolução. E, para os Corporate VCs, é a sua vez de liderar o ecossistema de startups neste momento crucial.