*Yasodara Cordova é pesquisadora-chefe em Privacidade da Unico
Chegou ao fim a edição de 2023 do maior evento de inovação. Foram dias intensos em Austin, e agora levamos na bagagem muita lição de casa. Representar a Unico, uma empresa brasileira de tecnologia especializada em identidade digital, ao line-up principal do evento, com um público de mais de 400 pessoas, foi uma experiência excepcional.
Para mim, como especialista e pesquisadora em privacidade, é fundamental saber explicar os conceitos, muitas vezes complexos, envolvidos tanto na tecnologia, quanto nos processos. Mas, ver uma sala totalmente cheia e com uma diversidade enorme de nacionalidades presentes significou que a identidade digital, assim como todo o universo que permeia essa tecnologia como a própria privacidade e a proteção de dados, é sim uma questão global.
Igualmente intensa também foi a disseminação de tecnologias inovadoras. Todos nós estamos expostos às fraudes, preocupados com a privacidade ou com a falta dela. As discussões ao longo do evento buscavam por soluções. Também tivemos debates sobre o relatório do Banco Mundial, demanda por investimentos em cibersegurança, soluções centralizadas versus soluções descentralizadas, identificadores únicos, credenciais, dentre outros temas.
O ponto chave dessa relação nas trilhas de conteúdo foi entender como será a organização dessas informações, como conectar os dados pessoais com as tecnologias e fazer com que cada indivíduo se sinta seguro e possa controlar seus dados. Amy Webb abordou isso também, apostando na soberania das pessoas com relação ao uso de seus dados pessoais. Também chamou a atenção a quantidade de painéis com discussões sobre os rastros que deixamos na internet – especificamente falando das ferramentas que estão na “crista da onda” como ChatGPT, por exemplo, que aprendem com esses rastros – e sobre como desenvolver soluções para que os dados que transitam estejam sob o controle das pessoas e não o contrário.
Durante o SXSW, fiz um experimento de perguntar para o ChatGPT quem era a Yasodara Cordova. A IA me respondeu com informações completamente erradas, acertando apenas meu nome e o fato de que eu palestrei no evento. Isso significa que a ferramenta não é imune a um ataque por ofuscação, por exemplo. Isso é uma ameaça à privacidade e à segurança das informações.
Se a IA ainda não consegue responder assertivamente uma pergunta sobre uma pessoa pública, a qual já se tem um verbete no Wikipedia e informações no Google, talvez também não saiba responder sobre o que é uma maçã, por exemplo. E aqui, cabe a reflexão, como o ChatGPT vai diferenciar o que está errado do que está certo?
Pude observar muitas discussões que abordaram sobre como trabalhar com esse universo onde as informações são representadas sem conhecermos suas fontes. Esse é um problema estrutural e precisa ser resolvido. Pudemos assistir no SXSW debates sobre a privacidade em países que ainda não instituíram a privacidade como um direito geral, como é o caso dos EUA. A batalha perdida da luta a favor do direito ao aborto é um exemplo, pois agora que a decisão sobre a soberania ao próprio corpo foi derrubada, mais mulheres estão em risco pois as ferramentas digitais podem ser utilizadas para vigiar e punir essas mulheres pela perda da privacidade.
Assistimos à discussões muito interessantes sobre os direitos civis das pessoas a terem a sua privacidade preservada e o direito à discussão política, associação política e como ter autonomia e a escolha pessoal preservada. Não à toa, vi que existem muitas startups desenvolvendo soluções para resolver esses problemas, mas ainda estão abaixo do radar. Enquanto todos estão envolvidos na trilha mais hype de todas que são as LLMs, tecnologistas e especialistas em privacidade se reúnem e discutem como podemos resolver problemas que vão mudar a forma como nos relacionamos com a internet e com nossos dados.
Revolução silenciosa
Nesse sentido, a revolução vai acontecendo silenciosamente. A privacidade é crescente, constante e low profile. O fato é que, em algum momento, as empresas precisarão mudar sua abordagem em relação aos dados dos usuários e considerar novos ecossistemas baseados no respeito à privacidade. Cada vez mais, os usuários querem mais controle sobre suas informações.
O SXSW foi nitidamente um evento que tratou urgências, onde se discutiu sobre proteção de dados em games até em como usar dados para detectar enchentes via IA e prever cenários de migração para que as pessoas não percam o direito à cidadania, por exemplo. O evento tinha esse ar de “muitos problemas para resolver”. Mas, de onde sairá a nova solução?
As evoluções em privacidade estão acontecendo muito conectadas com tecnologias do tipo Federated Learning – uma maneira descentralizada de treinar modelos de IA sem que ninguém veja ou toque em seus dados, oferecendo uma maneira de desbloquear informações para alimentar novas aplicações de IA – e com o próprio metaverso (muito além daquele do Zuckerberg), que está puxando essa necessidade de controlar a sua identidade, o seu espaço, o seu perímetro dentro desses mundos virtuais.
E quando falo isso, entram em cena os jogos de realidade virtual como Minecraft e Roblox. Existe uma demanda por proteção partindo dos pais que estão percebendo que as crianças estão expostas. Leis são discutidas no mundo todo enquanto as startups e big techs estão tentando resolver. Isso tudo está acontecendo abaixo da superfície, que agora discute as AIs.
Se o futuro vai ser de quem souber fazer as perguntas certas, o agora é de quem consegue prestar atenção no que acontece sobre a superfície. É através da privacidade e do controle de dados que teremos o aprendizado necessário para essa evolução que tanto desejamos.