*Hugo Mathecowitsch é fundador da Tools for the Commons (TftC) e da a55
Geralmente, toda e qualquer tragédia desperta na sociedade um grau elevado de finitude da vida, gerando reflexões e mobilização solidária para lidar com os impactos.
Esse comportamento que temos acompanhado nas últimas semanas de voluntários de diversas regiões do país e do mundo que se uniram para ajudar a população afetada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, é mais uma prova de que a sensibilidade das pessoas ultrapassa qualquer barreira geopolítica, religiosa, de interesses individuais, entre outras.
Apenas para ressaltar que essa alta capacidade de mobilização é recorrente em situações delicadas como essa, vale pontuar sobre a Covid-19, outro fenômeno recente que impactou massivamente a população global, atingindo mais de 230 países e registrando mais de 7 milhões de mortes, segundo a OMS.
Quem não se recorda das inúmeras iniciativas de pactuação colaborativa entre os governos, as empresas e as ONGs? Naquele momento recordo de muitas pessoas emocionalmente abaladas, mas ao mesmo tempo esperançosas com as diversas boas ações que foram pactuadas para enfrentarmos aquele desafio de saúde pública que impactou todos os setores da economia, assim como toda tragédia de grande escala.
Mas o questionamento que nunca sai da minha cabeça é: por que aguardar a próxima tragédia para nos mobilizarmos em prol de um futuro mais próspero e equitativo? Será que não há novas abordagens e nem métodos inovadores que possam superar os desafios socioambientais que enfrentamos atualmente? A colaboração entre os três setores (estado, mercado e sociedade civil organizada) deve ser mantida como exceção para eventos atípicos ou devemos lutar para que seja a regra e que essa pactuação seja formalizada de forma organizada e descentralizada?
Para além das discussões sobre as mudanças climáticas (que renderia outros artigos), considero que – é tão urgente quanto – darmos um passo atrás e reavaliarmos os nossos papéis na sociedade. Reparo que, infelizmente, estamos bem atrasados em alguns conceitos importantes que poderiam acelerar (e muito) o nosso processo de desenvolvimento. A polarização nos mantém ultrapassados e, prolongando isso por mais tempo, a tendência é regredirmos enquanto sociedade.
Por isso, gostaria de compartilhar dois conceitos já difundidos em algumas regiões do mundo e que são alternativas bem promissoras. O primeiro se trata do “quarto setor”, expressão criada por Michel Bauwens, teórico e economista belga, que definiu os princípios como a busca por integrar esforços dos setores público, privado e não governamental para promover o bem-estar social e ambiental.
Neste caso, por se tratar de um modelo colaborativo onde cada setor une seus recursos e expertises à serviço do bem comum, o “quarto setor” é como uma evolução dos três setores tradicionais. Caracterizado por organizações híbridas, o conceito visa a cocriação de soluções holísticas em prol de atender tanto aos interesses comerciais quanto aos objetivos sociais e ambientais.
Já o segundo conceito chama-se “Network State”, idealizado por Balaji Srinivasan, empreendedor e investidor americano, de origem indiana, que salienta a importância de desenvolvermos novos modelos de governança baseados em redes digitais e comunidades descentralizadas.
Aqui, a provocação de Balaji é construirmos comunidades conectadas digitalmente que possuam uma identidade compartilhada, um conjunto de valores comuns e uma capacidade de coordenar ações coletivas de forma eficiente e transparente. Esse modelo pode ser uma alternativa extremamente ágil e útil para enfrentar crises ambientais e sociais.
Caminho promissor
Traçando um paralelo entre a tragédia no RS e estes dois conceitos, por mais que seja muito duro e difícil encontrar conforto neste momento, ainda assim vislumbro um caminho promissor (não somente para o Brasil, mas para o mundo todo) onde será possível criarmos Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) e sistemas de governança regenerativa com o intuito de recuperar ambientalmente locais devastados e planejar o desenvolvimento econômico e sustentável, contando com o apoio e a resiliência das comunidades.
Sim, pode parecer utopia… Entretanto, na prática já existem iniciativas que envolvem parcerias multissetoriais, desenvolvimento de infraestrutura verde, inovação tecnológica, suporte e capacitação comunitária e governança descentralizada, cujas comunidades de forma digital coordenam as ações de forma ágil e eficiente.
Portanto, considero que a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul é um alerta poderoso sobre a emergência e a necessidade de surgirem novos modelos de governança, no qual os princípios de pactuação colaborativa foquem no enfrentamento dos atuais (e futuros) desafios socioambientais.
Convido todos os empreendedores sociais, empresários, governantes, legisladores e magistrados para priorizarmos essa agenda positiva. Precisamos cocriar e viabilizar soluções mais eficazes e sustentáveis para proteger vidas, preservar o meio ambiente e promover o desenvolvimento econômico inclusivo. Vamos juntos?