
*Guta Tolmasquim é fundadora e CEO da Purple Metrics
Eu adoro a vibe de offsite da indústria que sinto no Brazil at Silicon Valley. No primeiro dia, a sensação é de estar em um happy hour em São Paulo. Você encontra muitos conhecidos e gente que você às vezes não encontra com tanta frequência.
As conversas, a princípio, são as de sempre. Mas, com o passar dos dias, se aprofundam. A gente já superou o papo de atualização de um HH comum e começamos a entrar em temas mais pessoais, a conhecer melhor uns aos outros, e a chegar em pontos mais estratégicos dos negócios. É nessa hora que a coisa começa a ficar bem boa.
Foi nessa hora, no segundo dia, que cruzei com o Gustavo Brigatto no café. Ele me perguntou se eu ia escrever um artigo par o Startups esse ano – repetindo o sucesso do ano passado. Eu disse: “É claro”. E começamos um brainstorming de qual seria a história pra contar sobre o BSV.
Minha ideia era dar uma sensação das internas, de como é viver o evento. O nome seria algo relacionado a como é o BSV segundo uma founder. Ele gostou mas sugeriu que eu trouxesse algum exemplo de resultado. Tipo algo que aconteceu por conta do evento do ano passado, talvez? Você consegue fazer um link de como isso pode acontecer de novo esse ano? Hum, interessante. Concordei, boa ideia. Vamos então chamar o artigo de como a ponte do Brasil com o Vale do Silício acontece? Ou talvez, já sei, uma ponte do Brasil para a inovação. Legal. Gostamos. Fui circular, decidida a escrever o artigo quando chegasse ao Brasil.
Cheguei no Brasil. Criei a página do Google Docs. E aí eu travei. Passaram-se duas semanas e eu não conseguia escrever minhas impressões sobre o evento. Na minha cabeça não tinha história para contar.
Eu não conseguia encontrar o tal do exemplo. Não conseguia encontrar um elemento transformador. Afinal, “nada aconteceu”. Não resolvi pivotar a empresa. Não vou fazer grandes mudanças de produto. Ninguém me deu um cheque de milhões. Pior, ainda voltei com uma leve sensação de vira-lata caramelo, achando que nossa lacuna pro ecossistema americano aumentou nos últimos meses.
Mas então, não valeu a pena ter ido?
Valeu. Valeu porque a vida real não é um artigo – ou um post em uma rede social – que precisa de um elemento transformador.
No artigo a gente precisa de um roteiro, de uma jornada do herói, de um ponto de virada, de uma transformação determinante que muda a trajetória inteira da empresa baseado em um evento de três dias. Para ter uma boa narrativa, eu preciso voltar do Vale do Silício sendo outra pessoa. Aí o artigo viraliza porque eu fui até lá e falo que isso mudou minha vida.
Mas construir uma empresa é o oposto de contar uma história. Pra construir uma empresa a gente precisa de consistência e de repetição.
Consistência. Repetição. E, fiquei pensando, talvez um ingrediente a mais. Esse algo a mais me clicou quando refletia sobre minha sensação de vira-lata. O que é essa lacuna para o Vale? O que eles têm que a gente não tem? Por que eu voltei meio pessimista?
Nós temos os talentos aqui no Brasil. Consenso. Temos a capacidade humana individual.
Outros consensos: temos menos competitividade, portanto uma barra mais baixa para construir produtos. Temos menos histórico também. Então talvez a lacuna seja de não ter tantos exemplos de implementação circulando no mercado. De não ter experiência de escala tão fácil nos times. De não elaborar sobre as novidades de tecnologia com tanta frequência entre nós. De ter menos intensidade, competitividade, feedback. Ou seja, nós temos a capacidade individual mas talvez ainda exista espaço para desenvolver a capacidade do coletivo.
No Vale eu vi um pouco de como o conhecimento circula dentro da indústria. Desde a conversa de como a gente tá pensando em ajustar a estrutura de precificação agora que cobrar software por seats não tá fazendo tanto sentido com AI; a também como foi mudar a estratégia inteira da empresa quando o diferencial ficou deprecado com o lançamento dos modelos de LLM; até a como todo mundo fala com muito profundidade de go-to-market, produto, investimento, casos de uso de AI. É um domínio grande, generalizado, que me faz pensar que existe um nível mais elevado de conhecimento prático de como é fazer tecnologia, nível que não vejo circular aqui no Brasil.
Lembrei daquele livro chamado The Innovators, do Walter Isaacson, que escreveu a biografia do Steve Jobs. Ele ficou com a pulga atrás da orelha de ter causado a sensação de que a inovação acontece por causa de um único indivíduo, quando na real é em grupo que se inova. São times que fazem o mercado evoluir. Seja trabalhando em equipe, seja contemporâneos construindo em paralelo. Resolveu escrever a “biografia da inovação”, e não a biografia de um sujeito. Vale a leitura.
No fim eu encontrei a história, não é mesmo? A narrativa não é sobre mim vivendo o evento, mas sobre nós criando juntos um ecossistema onde inovar é mais fácil.
Vejo um enorme valor da gente ter relações mais fortes entre nós, como indústria. De fazer a inteligência circular no mercado. De nos conhecermos melhor. De trocarmos mais. É assim que a inovação acontece. A ponte do Brasil para a inovação é, no fim das contas, as pontes que criamos entre nós.