Cannabis

Ela vendeu o negócio de milhões da família e montou uma startup de cannabis

Fundada pela empresária Ana Júlia Kiss, Humora quer trazer uma nova abordagem para a venda de CBD medicinal

Ana Júlia Kiss, fundadora e CEO da Humora
Ana Júlia Kiss, fundadora e CEO da Humora (Crédito: divulgação)

A empresária Ana Júlia Kiss resolveu dar um “180” na sua trajetória. Ela foi preparada para tocar o negócio da família, a Adecol, uma indústria química que tinha uma faturamento de mais de US$ 55 milhões. Entretanto, após vender a operação para o grupo norte-americano HB Fuller, Ana seguiu outro caminho. Depois de decidir, durante a pandemia, tirar um ano sabático de suas obrigações na empresa da família (onde tinha ficado após a venda), ela resolveu criar seu próprio empreendimento, a Humora.

“Não queria fazer mais do mesmo”, afirmou Ana, em entrevista ao Startups. E algo diferente ela fez: a partir dessa inquietação ela criou a Humora, uma startup de produtos à base de cannabis, que tem como foco mudar padrões no consumo dessa categoria de produtos no Brasil.

Para mudar o jogo à sua maneira, a Humora investiu em tecnologia e em pesquisa, um quesito no qual Ana Júlia trouxe sua expertise do setor industrial. Diferentemente de outras marcas do mercado, que ainda utilizam pipetas e conta-gotas, a startup apostou na nanotecnologia para a aplicação dos produtos, contendo CBD isolado e outros fitoterápicos, trocando o óleo por uma formulação à base de água (que é melhor absorvido pelo organismo) apresentada em forma de spray sublingual.

“Por ter vindo da indústria química, isso me fez investir muito na parte tecnológica, agregando valor ao produto final”, explica Ana, frisando que a produção da Humora é feita em uma planta no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, o que permite a venda de produtos individualmente a clientes via importação – o que também é menos burocrático e custoso do ponto de vista regulatório e tributário.

Apesar de ter seu laboratório e produção nos EUA, a parte de vendas da Humora é voltada ao Brasil – inclusive, a empresa tem uma unidade aqui no Brasil. Além disso, o site por onde a startup faz suas vendas é otimizado para atender clientes brasileiros de uma forma mais abrangente que a maioria das marcas que vendem produtos à base de CBD no país. “Tem muito produto que é vendido para o Brasil, mas vem com rótulo e bula em inglês. Não é amigável”, explica Ana.

Além disso, a empresa investiu em um time no brasil para a parte de conteúdo e acolhimento. Inclusive, foi criado o que Ana chama de “cann-cierge” – uma espécie de concierge para auxiliar clientes durante a jornada de entendimento dos produtos, que pode ser realizada completamente online, incluindo o agendamento médico, orientações sobre a Anvisa e o processo de importação.

Bem-estar

Segundo a fundadora e CEO da Humora, o plano da companhia é apresentar seus produtos por um viés menos de medicamento e mais de bem-estar, em linha com o tipo de comunicação que é utilizado para fitoterápicos. Segundo a executiva, o objetivo é desmistificar o uso destes produtos, trazendo os benefícios do CBD a todos, mesmo que a pessoa não apresente nenhum quadro crítico ou crônico.

“Nossos oito produtos distintos foram desenvolvidos para administração oral e tópica, visando melhorar a qualidade de vida da população, quando combinados com terapias fitoterápicas complementares. Eles têm o potencial de efetivamente melhorar a qualidade de vida das pessoas”, reforça Ana Júlia.

O direcionamento também se reflete nos tipos de produtos, que em vez de focar em dosagens se concentra nas necessidades de cada usuário, como dormir melhor, aumento da libido, diminuição da ansiedade, e até mesmo foco nos efeitos da TPM. Com sua abordagem mais sensível, a Humora acabou chamando a atenção do público feminino, que hoje representa 60% do público da startup.

“Temos uma alma feminina, mas atendemos a todos, com este foco em cuidar do consumidor. Trouxemos uma personalidade diferenciada”, pontua Ana Júlia, alinhando o posicionamento de sua mais com o que muitas empresas lá fora já fazem, trocando a o pitch medicinal pelo foco em bem-estar.

Humora investiu em uma apresentação diferente para os consumidores (Crédito: divulgação)
Humora investiu em uma apresentação diferente para os consumidores (Foto: Divulgação)

Apesar de já estar em desenvolvimento há mais de um ano, a Humora colocou seu nome na rua há poucos meses, mas já está chamando a atenção de clientes e, segundo a CEO, quer fechar o ano com cerca de 100 pacientes. “Até dezembro do ano que vem, queremos chegar à marca de 500 pacientes mensalmente”, afirma Ana, que ressalta o número como uma marca ambiciosa, já que o maior marketplace deste tipo de produto no Brasil possui cerca de 3 mil clientes mensais.

Por sua vez, o potencial do mercado brasileiro ainda é gigante, atualmente movimentando cerca de R$ 700 milhões no país, com cerca de 430 mil consumidores. Segundo dados da pesquisa da Kaya Mind, estes números representam um crescimento de mais de 100% em relação ao tamanho do mercado no ano passado.

“O mercado de cannabis no Brasil tem apenas oito anos, e no pré-pandemia apenas 8 mil pessoas consumiam estes produtos. As coisas estão mudando rápido, e a expectativa é que 30 milhões de pessoas possam se tornar pacientes em um futuro não muito distante”, analisa Ana.

Foco social e expansão

Apesar da crescente popularização – e até uma certa desmistificação – dos produtos à base de cannabis no Brasil, Ana Júlia reconhece que ainda existe um longo caminho até a democratização do acesso a estes medicamentos. Pensando nesse lado, a Humora também adicionou um lado social à sua missão.

A companhia opera em acordo com princípios de ESG (ambiental, social e governança, em português), incluindo a compensação das embalagens utilizadas e das emissões de CO2 geradas. Além disso, a empresa introduziu um programa de cashback social, doando 1% do seu faturamento para iniciativas que distribuem produtos de CBD gratuitamente para quem necessita, assim como colabora com a reinserção de ex-encarceradas no mercado de trabalho.

“Além do trabalho de acesso a estes produtos, temos uma visão de nos posicionarmos em um caminho para mudar a visão geral sobre quem utiliza produtos de cannabis. Não é só para quem precisa para fins mediconais ou para quem é visto como ‘maconheiro'”, dispara a executiva, chamando a atenção para o uso recreativo destas substâncias, que já é algo legalizado em diversos mercados internacionais, mais ainda precisa evoluir aqui no Brasil.

Caso essa legalização mais ampla aconteça em algum momento, o plano da Humora é estar bem posicionada para aproveitar o boom econômico que ela pode trazer, e isso pode envolver alguma rodada em um futuro não muito distante. Ana Júlia já tem experiência no mercado de venture capital, atuando como investidora-anjo e também fazendo parte da Sororité, rede de investidoras-anjo que apoiam startups fundadas por mulheres.

“Queremos fazer um roadshow no começo do ano que vem, após o Carnaval e vamos levar primeiro para o Sororité, focando no smart money. Com isso, queremos investir cerca de 80% de uma possível rodada no comercial e 20% em portfólio, trazendo produtos inéditos como lubrificante íntimo e um com THC, dentro do que a Anvisa permite”, finaliza Ana.