Nos últimos anos, a tecnologia blockchain tem emergido como uma das inovações mais disruptivas do século XXI. Embora sua adoção tenha começado de forma gradual, a rapidez com que tem ganhado tração é interessante, especialmente quando comparada com a Inteligência Artificial (IA).
O blockchain é uma tecnologia que armazena informações empresariais em uma cadeia de blocos interligados, garantindo a integridade dos dados, pois qualquer alteração exige a modificação de todos os blocos subsequentes. Mantido por uma rede distribuída de computadores, cria um registro digital descentralizado e imutável, eliminando intermediários e reduzindo riscos de fraude e manipulação. Cada participante da rede possui uma cópia das transações, assegurando transparência, embora as identidades envolvidas permaneçam anônimas.
Com essas quatro características principais — descentralização, imutabilidade, transparência e segurança — o blockchain se consolida como uma tecnologia revolucionária, especialmente no mercado financeiro. A segurança é amplificada pelo uso de criptografia avançada, tornando ataques cibernéticos muito mais difíceis e dispendiosos. Essa combinação de atributos me leva a crer que o blockchain não é apenas uma tendência passageira, é uma revolução em curso, cuja relevância continuará a crescer e se consolidar nos próximos anos.
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Mais especificamente para o mercado financeiro, o mecanismo promete acelerar as operações e reduzir os custos associados. Em um setor no qual a proteção de dados é fundamental, o blockchain proporciona um nível de segurança superior e resposta a crises que os sistemas tradicionais ainda não conseguiram adaptar.
Um exemplo disso ocorreu em 2016 com a invasão cibernética do The DAO, um fundo de capital de risco baseado em blockchain. Após encerrada a campanha de financiamento coletivo (crowdfunding) que gerou uma receita com um valor correspondente a R$717 milhões, 31% dela foi desviada por um hacker. Para resolver a fraude, a rede foi dividida em duas. Dessa maneira, os fundos roubados foram isolados e transformados em uma versão distinta de criptomoeda.
Embora a falha tenha exposto vulnerabilidades, a resposta foi rápida e eficiente, resultando na criação de um novo blockchain, o Ethereum Classic, para preservar a integridade da rede.
Isso mostra que a adoção do blockchain gera uma vantagem competitiva para as empresas que já implementaram. Há lacunas dentro do mercado financeiro que podem ser melhor exploradas pelo mecanismo, a começar pelo acesso global ao sistema financeiro que ele proporciona. O blockchain é capaz de incluir financeiramente os indivíduos que não estão conectados a serviços bancários tradicionais e facilitar esse caminho em regiões sub-bancarizadas ou não atendidas. Há espaços para serem explorados e o blockchain é o caminho para tal.
Como a Cloudwalk e outras empresas empregaram o blockchain como vantagem competitiva
Um case de sucesso nacional que ilustra esse senso de oportunidade é a InfinitePay. A popular “maquininha de cartão” foi desenvolvida a partir de um blockchain próprio, a Cloudwalk Network, mesmo nome da empresa que a criou. O blockchain processa e agiliza o recebimento dos pagamentos, além de ajudar os comerciantes a economizar nas taxas e custos associados. Isso fez o ritmo de adoção da InfinitePay crescer de maneira exponencial. Em 2023, a empresa fechou o ano com mais de um milhão de clientes e marcou presença na maior parte das cidades brasileiras.
O Singapore Exchange Limited, empresa de investimentos e comercialização de ativos na Ásia, é outro exemplo. Eles utilizaram a tecnologia blockchain para tornar mais eficiente a criação de contas e pagamentos entre bancos. Havia uma dificuldade no processamento de lotes e na reconciliação das milhares de transações financeiras, antes feitas manualmente. O conglomerado é um exemplo interessante no qual um sistema financeiro tradicional usou desse mecanismo para gerenciar pagamentos no mercado comercial digital.
As startups também podem se beneficiar do blockchain para conseguir financiamento
Outra característica da tecnologia blockchain é a possibilidade de emitir tokens digitais. Esses tokens representam uma forma de participação financeira dentro do ecossistema do projeto. Dessa maneira, é possível levantar capital diretamente de investidores, como uma forma de financiamento coletivo. Essa iniciativa é chamada de Initial Coin Offering (ICO) e geralmente é utilizada para financiar o desenvolvimento de uma startup.
Os ICOs permitem que empresas levantem fundos de maneira mais ágil e com menor custo, ao mesmo tempo em que oferecem aos investidores oportunidades de participar em estágios iniciais de startups promissoras. Os tokens também podem proporcionar aos investidores uma forma de retorno baseado no sucesso da empresa, facilitando o alinhamento de interesses diretamente.
Nesse contexto, a utilização da tecnologia blockchain é capaz de democratizar o acesso a investimentos em startups e, portanto, favorecer um ambiente em que elas possam crescer. A sua evolução é impressionante, evidenciada, inclusive, pelo uso dos tokens citados acima. Inicialmente, eles eram aplicados em ativos digitais, como criptomoedas. Hoje, temos ativos reais e físicos, como ações, imóveis e até obras de arte. A transformação desses ativos em tokens digitais facilita a posse fracionada, por exemplo. Um levantamento realizado pelo Market Research Future aponta para uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 19,6% da tokenização, destacando-se como um processo extremamente relevante para o setor financeiro.
O uso da tecnologia também pode favorecer o desenvolvimento de iniciativas de impacto social, algo em alta no cenário atual e um nicho muito explorado pelas startups.
O Banco Industrial e Comercial da China é um exemplo de instituição do mercado financeiro que agarrou o debate climático e deu um passo nessa direção. O maior banco do mundo possui 40 aplicações de blockchain. Dentre as mais inovadoras, está o Icago, um sistema que contabiliza a utilização de veículos “verdes” pelos usuários, como trens, ônibus ou carros elétricos, e os premia por isso. Para fazer isso, o blockchain do banco cruza as carteiras dos seus clientes com os dados de transporte do governo. Os créditos de carbono são emitidos pela comissão de trânsito como tokens não fungíveis (NFTs) e podem ser trocados pela nova moeda digital do banco central da China.
Considerando um cenário em que a emergência climática tem sido tema central nos debates políticos e o ESG, sigla que vem orientado até ações de empresas, utilizar do blockchain para recompensar os consumidores é uma estratégia inteligente a ser explorada no mercado financeiro.
Desafios ainda existem
Apesar dos benefícios, a adoção do blockchain enfrenta desafios consideráveis. A escalabilidade é um problema persistente: as redes blockchain enfrentam dificuldades para lidar com grandes volumes de transações. A complexidade técnica e a falta de padrões regulatórios também são barreiras para sua adoção em massa. Além disso, a integração com softwares desatualizados e a resistência à mudança cultural podem ser obstáculos significativos para empresas estabelecidas.
Mesmo assim, o futuro do blockchain no mercado financeiro é promissor e repleto de potencial. Com a sua capacidade de oferecer segurança robusta, transações mais rápidas e custos reduzidos, é apenas uma questão de tempo até que mais empresas considerem essa tecnologia. O ritmo dessa adoção pode ser influenciado pela resolução dos desafios regulatórios e técnicos, mas, independentemente do tempo que levará, certo é que o blockchain continua sendo um catalisador de inovação e transformação no mercado financeiro.
A pergunta que permanece é se a tecnologia blockchain é apenas o pontapé para uma série de mudanças que iremos assistir a curto e médio prazo.