*Por Adriano Ferraz, Juliana Marcincowski e Paula Mello
Os investimentos via Corporate Venture Capital (também conhecido como “CVC”) vêm se mostrando, nos últimos anos, uma ferramenta dinâmica e eficaz no desenvolvimento de novos modelos e oportunidades de negócios para grandes empresas. (Para saber mais sobre o tema, incluindo o panorama e as vantagens do CVC no Brasil, indicamos a leitura do artigo denominado “Introdução ao Corporate Venture Capital”).
Todavia, trata-se de uma modalidade de investimento que possui um risco acentuado, inclusive com possibilidade de perda total do valor investimento.
O potencial do negócio investido e a usual estrutura robusta da investidora não são, por si só, suficientes para assegurar o retorno do investimento. As empresas que têm obtido maior êxito com essa modalidade de investimento são aquelas que conseguem equilibrar potencialidades e interesses que, muitas vezes, no cotidiano das organizações, se tornam antagônicos.
Nesse sentido, além dos aspectos de mercado e posicionamento das startups, o próprio perfil das partes envolvidas na operação deve ser considerado, uma vez que as diferenças são significativas (apesar de complementares) e demandam uma cotidiana e constante busca de alinhamento para contribuir com o desenvolvimento do negócio.
Características antagônicas das partes
Em investimentos de CVC é comum que o investimento seja realizado por uma corporação consolidada. Elementos como expertise de mercado, infraestrutura robusta, estrutura hierárquica bem definida e estruturas de governança corporativa mostram-se fortemente presentes.
Em contrapartida, tais características costumam acarretar procedimentos padronizados para todo e qualquer negócio da corporação, podendo reduzir a agilidade na tomada de decisões e trazer maior burocracia nos processos do cotidiano. Além disso, é comum que as investidoras estejam sujeitas à regulação específica de autoridades governamentais (tais como a Comissão de Valores Mobiliários e Banco Central do Brasil), bem como necessitem administrar interesses de terceiros (credores, acionistas e o mercado em geral). Tais características podem acarretar morosidade e empecilhos indesejados em processos de investimento dinâmicos.
Do ponto de vista da investida (normalmente as startups), elementos como inovação e modelo de negócios com alto potencial de escalabilidade são os destaques positivamente presentes. Principalmente em seus estágios iniciais de desenvolvimento, tais sociedades contam com recursos mais escassos e processos de gestão e administração informais e primários, marcados por pouca burocracia e agilidade. Além disso, prezam pelo dinamismo e flexibilidade, com estruturas de governança e políticas internas infinitamente mais simples quando comparadas com a investidora.
Após a concretização do investimento, tal choque de culturas pode ocasionar uma grande resistência interna das investidoras, notadamente de setores tradicionais da empresa. Dificuldades de comunicação e de articulação entre os órgãos administrativos das entidades podem se tornar problemas recorrentes. Lado outro, as investidoras têm a expectativa de que a inovação tenha baixo custo, seja altamente desenvolvida e customizada aos interesses de seu desenvolvimento.
Diante desse panorama antagônico, encontrar o equilíbrio entre a estrutura e interesses da investidora e da investida tem sido um dos grandes desafios do Corporate Venture Capital, ensejando a realização de diversos estudos que buscam responder a questionamentos como: qual é o melhor caminho para um CVC de sucesso? Por que operações de CVC falham?
Para responder a tais perguntas, é essencial entender os riscos e desafios por trás das operações de CVC.
Alguns desafios e riscos identificados nas operações de CVC
Considerações Gerais
Do ponto de vista das grandes corporações, um dos riscos mais elementares do Corporate Venture Capital relaciona-se à possibilidade de insucesso do investimento ou até mesmo da investida em si.
No contexto das startups, a longevidade do serviço ou do produto inovador depende de sua viabilidade técnica, seu potencial de escalabilidade e, evidentemente, da adesão do mercado a tal serviço ou produto. Observa-se que, com exceção do último (adesão do mercado ao negócio em desenvolvimento, que depende do interesse do público pelo serviço ou produto ofertado, aliado à janela de oportunidade ou timing, que muitas vezes é crucial para o negócio), os demais desafios são relacionados às partes, seja individualmente ou em conjunto.
Seja qual for o desafio a ser enfrentado, fato é que os riscos atinentes ao negócio no mercado de CVC geram grandes incertezas, especialmente nas fases iniciais do projeto empreendedor.
Estatisticamente, estima-se uma taxa de mortalidade de 90% das startups. Esse cenário é inerente a investimentos inovadores, sendo natural uma alta taxa de letalidade de negócios em fases iniciais de investimento. Logo, trata-se de um cenário que não pode ser alterado pelos investimentos de CVC.
Mesmo as startups assessoradas por mentores experientes e com acesso a recursos, ainda correm o risco de ter suas atividades encerradas prematuramente por diversos fatores*. Em regra, quanto mais recente é a empresa, maior pode ser o retorno financeiro do investidor. Porém, em contrapartida, maior é o risco de insucesso e consequente perda do investimento.
*Dentre os fatores mais comuns de encerramento prematuro de startups, destacam-se a ineficiência do produto ou solução, ausência de interesse do mercado, superação por outras soluções mais aderentes à demanda do mercado, ou até pela própria ausência de know-how da equipe responsável pelo desenvolvimento daquele produto ou serviço oferecido ao mercado.
Riscos Relacionados à “Pivotagem”
Outro fator de risco significativo para as corporações que atuam com CVC é o risco do pivot. A expressão “pivotar” vem do inglês (“to pivot”), que significa “girar”, “mudar o eixo”, sendo utilizada no contexto corporativo como sinônimo de alterar o rumo ou direcionamento das operações. É muito comum que startups decidam adotar essa estratégia, por entender, por exemplo, que o caminho para o qual o produto ou solução se desenvolveu será mais bem aproveitado por um nicho de mercado diferente do que fora inicialmente programado, como ocorre nos casos em que soluções B2C (business to consumer) são convertidas em soluções B2B (business to business).
É comum, ainda, que o turning point dessas operações ocorra no contexto de uma operação de CVC, já que o acesso ao know-how, à infraestrutura e aos processos internos da corporação fornecem ao empreendedor uma visão diferente do inicialmente planejado e projetado para o futuro. Essa “pivotagem” pode comprometer a sinergia operacional inicialmente existente entre as duas partes e que havia justificado a realização do investimento inicialmente.
Nesse sentido, sob o viés da investidora, a adoção de um modelo operacional altamente exploratório pode acabar “pivotando” e afastando a startup do core business da investidora, perdendo a sinergia e fazendo com que o investimento do CVC não faça mais sentido para ela, na medida em que não contribui para seus objetivos. Isso pode ocasionar a saída precoce do investidor, pela inadequação frente à sua política de investimento.
Já sob o viés da investida, a opção pela concentração de esforços e aprofundamento no core business da investidora (que permitirá e viabilizará a exploração dessa atividade em benefício da investidora), pode acabar desvirtuando de seu próprio propósito e ser inclusive absorvida pela corporação, deixando de existir como uma entidade autônoma.
Nesse sentido, sucesso ou insucesso de um CVC reside na capacidade de os agentes conseguirem encontrar equilíbrio entre a independência da investida e os ganhos estratégicos da investidora, de modo que a contraposição dos interesses não prejudique os objetivos do investimento.
Governança Corporativa, ESG e Pontos de Atenção
As startups, conforme abordado anteriormente, geralmente possuem processos mais informais e um nível básico de adequação a exigências impostas pela legislação. O investimento de uma grande corporação em uma startup, inevitavelmente aumentará as exigências e controles relacionados a governança corporativa, proteção de dados, ESG (Environmental and Social Governance) e práticas de anticorrupção.
O desenvolvimento dos projetos de adequação, via de regra, geram custos financeiros e operacionais para as startups, devendo esse investimento ser considerado quando da captação de recursos. Caso não seja considerado, a startup poderá enfrentar dificuldades no financiamento de tais projetos, que muitas vezes dependem de consultoria especializada.
Cumpre destacar, ainda, que na vasta maioria das investidoras, as iniciativas de CVC são organizadas em setores específicos, apartadas da gestão das atividades principais da empresa, por meio de estruturas societárias criadas para essa finalidade, como Fundos de Investimento (FIP) ou Sociedades de Propósito Específico (SPE). Essas estruturas favorecem a manutenção da autonomia da investida, devendo, contudo, serem observadas as regras de compliance (ESG, proteção de dados e anticorrupção) que sejam comuns à toda instituição.
Considerações Finais
Para assegurar a boa gestão do investimento, portanto, é essencial que haja um alinhamento claro de expectativas entre as partes, desde a fase de negociações até a fase de implementação. O equilíbrio entre a atividade de inovação de uma startup e a atividade desenvolvida da investidora mostra-se essencial à longevidade do investimento nessa modalidade.
Convém ressaltar que a investida, no contexto do CVC, é entidade autônoma, dotada de objetivos, interesses e gestão próprios, que buscam, além do aporte financeiro, aproveitar-se do know-how, da rede de contatos e das estruturas comerciais, técnicas e administrativas da investidora. A investidora, por sua vez, busca um produto ou solução geralmente direcionado ao seu core business, que pode ser customizado e esteja pronto (ou quase pronto) para incorporação em seus próprios processos ou produtos, obtendo ganhos operacionais e, eventualmente, financeiros. O investimento tem o intuito de promover o desenvolvimento da solução com direcionamento para seus próprios interesses e necessidades. O ideal, no entanto, é que a investidora seja um apoio complementar à startup, mas não o centro de sua operação.
Em conclusão, é relevante lembrar que o Corporate Venture Capital, embora conte com a denominação “venture capital” (tradicionalmente empregada para investimentos com viés financeiro), possui uma finalidade estratégica para a corporação. Mesmo que o retorno financeiro seja sempre esperado, o foco estratégico é o principal propósito e objetivo do investimento.
Este artigo é o 2º da série de artigos sobre Corporate Venture Capital da coluna Freitas Ferraz Advogados no Startups. O 3º e último artigo dessa série será publicado na próxima quinta-feira. Não perca!
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