
Durante muito tempo, o manual era simples: “Compramos tempo com capital.” Levantava rodada, contratava gente, montava time, construía a máquina. O custo para aprender era alto, e o jeito de acelerar era colocar mais pessoas e mais dinheiro no problema.
A IA generativa está mexendo nesse manual. Não porque “resolve tudo sozinha”, mas porque muda o custo da execução – e, com isso, altera a matemática dos unit economics.
Não é só sobre crescer. É sobre como a conta fecha.
Onde a IA bate direto na sua planilha
Se a gente olhar friamente para CAC, margem e CTS, a IA aparece em vários lugares.
CAC (custo de aquisição de cliente)
– produção de criativos muito mais barata e rápida
– testes de mensagens e anúncios em escala sem depender de time grande
– segmentação melhor usando dados que já existem no CRM e nas plataformas
Na prática, isso permite:
– rodar mais experimentos por mês com o mesmo orçamento
– reduzir o “custo de aprendizado” por canal
– matar mais rápido o que não funciona
Margem bruta
– atendimento automatizado resolve parte das interações simples
– suporte mais bem guiado reduz retrabalho e erros
– conteúdos de onboarding, help center e treinamento produzidos com IA
Isso não transforma um produto ruim em bom. Mas melhora a eficiência de entregar valor para quem já deveria estar comprando.
CTS (cost to serve – custo para servir cada cliente)
– menos horas humanas por cliente atendido
– mais processos automatizados ponta a ponta
– mais escala sem crescer o time na mesma velocidade
Com IA sendo usada direito, uma equipe de 5 pessoas consegue hoje produzir o que demandaria 15–20 pessoas há poucos anos. Isso muda a base de custo, a velocidade e o nível de risco aceitável.
O problema não acaba porque o CAC caiu
Aqui mora uma armadilha importante: um CAC mais baixo pode esconder um modelo ruim. Se:
– o churn continua alto
– a percepção de valor é fraca
– o ticket médio é baixo demais para justificar o esforço
você só está perdendo dinheiro de forma mais “eficiente”.
IA barateia o experimento, não conserta a tese. Ela ajuda a rodar mais testes, mas quem decide o que merece ser escalado continua sendo o founder.
Lovable como símbolo da nova matemática
Casos como o da Lovable ajudam a ilustrar o outro lado dessa história: quando o modelo nasce IA-native e a matemática já começa diferente. Lovable é uma plataforma de “vibe coding” que permite construir softwares e sites a partir de prompts, com foco em pessoas não técnicas.
Em poucos meses depois do lançamento, atingiu receita anualizada de dezenas de milhões de dólares e chegou a valuation bilionária, se tornando um dos unicórnios de crescimento mais rápido da Europa.
Por quê?
Porque a própria proposta de valor está ancorada em:
– reduzir drasticamente o custo e o tempo de desenvolvimento
– permitir que mais gente construa software sem aumentar headcount na mesma proporção
– encaixar IA no centro do produto, não só como “feature”
Ou seja: o modelo em si muda o unit economics, não apenas o stack de ferramentas.
A diferença entre “usar IA” e ser IA-native
Muita startup hoje está no estágio “usar IA”:
– coloca um chatbot no site
– gera alguns conteúdos automatizados
– cria relatórios bonitos a partir do CRM
Isso ajuda, mas é incremental.
Já as startups IA-native:
– redesenham a forma como o valor é entregue
– mudam o que é custo variável, o que é margem e o que é CTS
– criam loops de produto em que cada novo cliente aumenta o valor para os próximos
É a diferença entre:
“Usamos IA para ficar um pouco mais eficientes” e “Sem IA, esse produto nem existiria nessas condições de preço e velocidade”.
O que muda para os unit economics no early stage
O founder early stage precisa olhar para a planilha com outras perguntas.
1. Onde a IA pode:
– reduzir CAC de forma sustentável (não só com truques de curto prazo)?
– melhorar margem bruta (entregando mais valor com menos atrito)?
– reduzir CTS (diminuindo o custo de servir cada cliente)?
2. A IA está:
– só nas ferramentas internas?
– ou no centro da proposta de valor para o cliente?
3. O modelo continua de pé se:
– o custo de mídia subir?
– a concorrência copiar seus criativos em semanas?
– o cliente passar a esperar IA como default em qualquer solução?
Talvez o resultado seja um negócio menor em headcount, mais lucrativo, com menos necessidade de rodadas grandes. Talvez seja justamente o oposto: um negócio com ambição maior, que usa essa nova matemática para correr mais risco.
A pergunta final para os founders mais ambiciosos
No limite, a IA colocou uma pergunta diferente na mesa. Você quer usar IA para:
– construir um negócio menor, mais enxuto, com margens melhores e menos dependência de capital externo?
ou
– dobrar a aposta, criar algo realmente maior, usando essa nova eficiência como combustível para ir mais longe?
Os dois caminhos podem fazer sentido. O que não dá é continuar fazendo conta como se nada tivesse mudado. Ignorar o impacto da IA nos unit economics é rodar 2025 com planilha de 2015.