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O inverno está chegando, mas só para quem não for antifrágil

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No “jogo dos tronos” da Nova Economia, o inverno está chegando. Veremos, nos próximos 18 meses, um grande número de startups fechando as portas, demitindo pessoas e com valuations fortemente reduzidos. Quer dizer: muito sangue, porrada e dragões cuspindo fogo. Um cenário de que ninguém gosta, mas que está longe de significar uma virada a favor dos tiozões mortos-vivos da Velha Economia. E não se pode nem alegar surpresa. A prosperidade sempre cobra a fatura adiante.

Vamos deixar tudo às claras. Quem começou a investir em meio à disponibilidade de muita liquidez, sabia do risco; quem arregaçou as mangas e foi empreender, sabia do risco; quem segue trabalhando apesar dos riscos, meus parabéns, mas não se faça de desavisado. É assim que o capitalismo funciona. A teoria schumpteriana dos ciclos prevê exatamente períodos de prosperidade e retração alternados – e vários dos ciclos econômicos derivados se mostraram modelos bastante confiáveis. O princípio é sempre o mesmo: todo boom é insustentável. Desenhando, é uma parábola em que os tempos de paz são seguidos de cabeças cortadas. Criar e destruir, sucessivamente. Saber ver o amanhã é o que faz os vencedores.

Essa é a economia da vida real, e a vida real tem más notícias, assim como teve boas, excepcionais, nos últimos tempos. Durante os últimos quatro anos, o mercado de capitais viu as primeiras empresas de tecnologia ultrapassarem o valor de dezenas de bilhões, como Mercado Livre, Magalu, Stone, entre outras. No ecossistema de startups, vimos nossos primeiros decacórdios, empresas que valem US$ 10 bilhões, substituindo nas manchetes os US$ 1 bilhão dos unicórnios.

Nesse mesmo período, o número de unicórnios na América Latina saltou de dois para quarenta e, nos últimos dois anos, a captação de startups com um Produto Mínimo Viável (MVP) foi de R$ 1 milhão para R$ 10 milhões. Esses valores começaram a ser fortemente baseados nas ideias e no histórico de iniciativas dos fundadores. Passou a não fazer sentido se juntar com uma startup na fase inicial, mas sim começar uma própria. Para os investidores-anjos e até os da Series A, o dinheiro estava sendo levantado mais rápido que nunca, o capital implantado mais rápido que nunca e os valuations subindo mais rápido que nunca.

A história se repete (e não será a última vez)

E então vem a correção da trajetória, embicando a curva para baixo. De 2% em 2020, a taxa Selic saltou para os atuais 12,75% ao ano, provocando a migração dos investimentos para a renda fixa. Depois de meses de retiradas, os depósitos líquidos em fundos dessa modalidade já superavam, em dezembro último, os R$ 300 bilhões em valores nominais no acumulado do ano – um recorde.

É uma fuga de recursos que impacta fortemente os negócios da Nova Economia. As que atuam no varejo já vêm sentindo os ventos gelados, acelerados pela alta competitividade estabelecida nos últimos anos no setor. Junte isso com a escalada dos juros, o consequente desaquecimento do consumo, e chegamos às manchetes com as ações das empresas de tecnologia despencando nas Bolsas de Valores.

Alguns desses papéis chegaram a cair quase 80% em relação às máximas do ano passado. Um dos casos que mais chama a atenção é o do Magalu. A rede de varejo, uma das empresas mais valorizadas nos últimos cinco anos, fechou o primeiro trimestre de 2022 com queda expressiva nas ações em relação ao ano anterior. Desde o pico da cotação, em novembro de 2020, o Magalu perdeu mais de R$ 155 bilhões em valor de mercado. Mesmo uma potência continental como o Mercado Livre sofre os efeitos da retração. Avaliada hoje em torno de US$ 39 bilhões na Nasdaq. Há ainda sinais claros em outros setores. Na adquirência, por exemplo, a Stone e a PagSeguro, depois de um período deixando players tradicionais na rabeira, estão sentindo a inversão de tendência, com quedas de superiores a 60%.

Como valuations no mercado privado tendem a ficar atrás das avaliações do mercado de capitais, hoje vemos o tamanho do estrago nas startups em estágio avançado, mas em breve chegará o impacto nas que estão em fase inicial. Os dias de múltiplos de 50 a 100 vezes ficarão para trás. Com as avaliações caindo, as startups que aumentarem seu valor de forma desproporcional serão pegas pela nevasca. Elas podem, eventualmente, até fazer algum progresso, mas não o suficiente para compensar uma correção de mercado. Imagine, por exemplo, uma startup que levantou capital com um valuation de R$ 100 milhões. Ela avança no produto, na contratação da equipe e atinge R$ 10 milhões de receita. A questão é que as avaliações da Séries A estão caindo pela metade, com o mesmo desempenho financeiro e operacional. Ou seja, o próximo round será de uma startup com menos risco, mas provavelmente com um valuation menor. O que será que William Sharpe diria nesse momento?

O que fazer?

É inútil contradizer o mercado. O que o cenário exige é uma adaptação dos negócios aos novos tempos – uma postura que já faz parte da dinâmica da Nova Economia e está na raiz das suas virtudes. Então, vamos deixar de lamúrias. Meus conselhos:

1. Se você for fundador de uma startup, trabalhe para colocá-la em uma situação em que ela possa permanecer indefinidamente sem precisar de mais funding. Na prática, isso significa zerar seu burn rate.

2. Se você puder levantar dinheiro, não hesite, levante! Dinheiro caro é aquele que você não tem.

3. Se você for funcionário de uma startup, deve fazer sua diligência e evitar empresas supervalorizadas e com menos de dezoito meses de caixa. Se você ainda assim decidir ingressar em uma nova startup com esses riscos, não será um erro, apenas entenda e assuma-os.

4. Trabalhe em startups antifrágeis, exatamente aquelas cujos modelos de gestão são pensados para aprender com as intempéries e sair mais fortes. Não se apegue a valuations. Fique longe de ofertas de hypes e fique atento aos sintomas de FOMO – em inglês, Fear of Missing Out, que se traduz pelo medo de estar perdendo uma oportunidade, caminho certo para agir por impulso.

E lembre-se de Warren Buffet: preço é o que você paga, valor é o que você recebe. A qualidade do serviço prestado segue sendo um valor a ser cultivado pelos novos negócios. Da mesma maneira como aconteceu antes do período de euforia, com várias empresas da Nova Economia criadas e construídas em outros momentos de baixa. É o caso do mesmo Mercado Livre. A Stone, outro exemplo, nasceu quando muitos de nós ainda estavam no ensino médio ou na universidade.

Antifrágeis, como muitas outras, são exemplos de sucesso que independem dos humores do mercado. Superaram os tempos difíceis e se aprimoraram, ficando mais preparadas para o inverno que se aproxima.

P.S.: É questão de tempo até os tiozões mortos-vivos da Velha Economia tentarem fazer valer seus tradicionais privilégios, buscando barreiras de entrada e subsídios junto ao Estado para tentar minimizar suas perdas durante o ciclo de baixa. Será surpresa para um número zero de pessoas, como também está marcado que, no fim, vão perder.

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