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Estruturas Offshore para startups: Delaware Tostada e Caymann Sandwich

As estruturas empresariais offshore são amplamente utilizadas no cenário corporativo internacional

Estruturas Offshore para startups
Estruturas Offshore para startups

*Por Pedro Vidigal e Paula Mello

As estruturas empresariais offshore são amplamente utilizadas no cenário corporativo internacional. A constituição e operação de empresas offshore, quando adequadamente empregada, é uma prática que traz diversos benefícios ao empreendedor, não somente tributários. Contudo, é imprescindível avaliar cuidadosamente os impactos fiscais dessas estruturas, tanto no Brasil quanto no exterior, dado que alterações legislativas e regulamentações internacionais podem influenciar diretamente sua eficiência.

Com a recente aprovação da Lei das Offshores, que introduziu novos requisitos de transparência e regulamentação para essas estruturas, o tema ganha ainda mais relevância para startups brasileiras que buscam investidores internacionais. Caso queiram saber mais sobre a referida lei, não deixem de conferir o artigo, A Lei das Offshores e os impactos para os investimentos no exterior, disponível em nossa coluna no portal Startups. 

Nesse artigo, vamos apresentar as estruturas mais comuns e vantajosas para os empreendedores brasileiros que queiram se aventurar no mercado internacional em busca de um novo universo de investidores. 

O que é uma offshore?

Uma empresa offshore pode ser definida como aquela registrada em um país diferente daquele em que seus acionistas ou controladores residem ou operam.  Países que oferecem condições vantajosas para essas empresas (sobretudo tributárias) são conhecidos como “paraísos fiscais” e incluem jurisdições como as Ilhas Cayman, Bermudas, Panamá e o estado de Delaware, nos Estados Unidos. Além de tratamento tributário mais brando, os paraísos fiscais também se caracterizam pela flexibilidade da regulamentação do setor financeiro e pela rigidez de suas políticas de sigilo bancário e fiscal, protegendo a identidade dos titulares de ativos sob sua jurisdição. No Brasil, a Receita Federal caracteriza como paraíso fiscal jurisdições com tributação inferior a 20% sobre lucros ou com falta de transparência nas informações fiscais e societárias.

Embora as vantagens sejam atrativas, a decisão de constituir uma offshore deve ser embasada em um planejamento tributário robusto, considerando as obrigações e impactos fiscais nos países envolvidos.

São argumento favoráveis à constituição de estruturas offshore

  • Proximidade de investidores internacionais: atualmente, grande parte dos fundos de Venture Capital estão situados no exterior (a grande maioria deles nos Estados Unidos). A presença internacional favorece a expansão e acesso aos novos mercados. 
  • Estabilidade da estrutura jurídica: a constituição de estruturas offshore favorece a atratividade da startup, na medida em que a jurisdição de regência da investida é conhecida pelo investidor, reduzindo a insegurança causada pelo desconhecimento e eventual imprevisibilidade de legislações e regulamentações locais específicas. 
  • Sigilo: a legislação dos paraísos fiscais referentes a sigilo financeiro e bancário são altamente protetivas, dificultando a identificação dos proprietários de bens ou de ações ou quotas de emissão das empresas, protegendo o patrimônio dos sócios de litígios e investigações regulatórias.
  • Flexibilidade Jurídica: oferta de regimes jurídicos flexíveis que permitem que os empresários tenham mais liberdade para criar estruturas societárias personalizadas e estabelecer regras sobre direitos e deveres dos sócios, alocação de lucros, governança e estratégias de entrada ou saída de investidores, sem as limitações impostas por legislações mais rígidas.
  • Facilitação de M&A’s e IPO’s: existência de procedimentos e regulamentos empresariais que facilitam, agilizam e desoneram os processos transacionais de desinvestimento (via venda ou oferta pública de ações). 

São pontos de atenção na opção por adoção de estratégias offshore

  • Questões fiscais e tributárias: apesar das possíveis vantagens fiscais oferecidas por estruturas offshore, é essencial considerar a complexidade das regras tributárias aplicáveis, tanto no Brasil quanto no exterior. No Brasil, é preciso observar normas como as regras de Preços de Transferência, tributação de Controladas no Exterior (CFC) e requisitos de reporte à Receita Federal. Além disso, mudanças nas legislações internacionais podem impactar a eficiência da estrutura, como a adoção de iniciativas globais de transparência fiscal, como o CRS (Common Reporting Standard) e o BEPS (Base Erosion and Profit Shifting).
  • Custos: em que pese a redução dos encargos fiscais e a existência de exigências administrativas flexíveis para as empresas, a constituição e manutenção de empresas no exterior possui um custo financeiro que pode sobrecarregar a sociedade e o empreendedor, dentre eles: taxas de registro, custos de emissão e atualização de documentos, endereço fiscal local, contratação de assessores (advogados e contadores locais), eventuais impostos e demais despesas de caráter administrativo. 
  • Riscos reputacionais: em razão das rigorosas políticas de sigilo bancário e financeiro, as empresas sediadas em “paraísos fiscais” foram amplamente e historicamente utilizadas para desenvolvimento e financiamento de diversos tipos de atividades criminosas. Em razão disso, empresas offshore são ocasionalmente confundidas com empresas de fachada ou empresas beneficiárias de planejamentos tributários abusivos, de legalidade limítrofe.  

O uso de offshores para atividades criminosas é um ponto tão sensível que, recentemente, duas das principais jurisdições de paraísos fiscais promoveram alterações legislativas que aumentam a transparência no que se refere aos beneficiários finais das estruturas empresariais. Nas Ilhas Cayman, entrou em vigor em 2024 o Beneficial Ownership Transparency Act (“BOTA”), sendo que a adequação pelas empresas é obrigatória a parir de 01/01/2025. Dentre as alterações promovidas pelo BOTA, o rol de entidades jurídicas obrigadas a prestar informações sobre beneficiários finais foi ampliado, abrangendo novos tipos societários.      

Nos Estados Unidos, entrou em vigor também em 2024 o Corporate Transparency Act, lei que amplia o rol de empresas obrigadas a prestar informações sobre seus beneficiários finais. 

  • Governança e Compliance: para mitigar os riscos reputacionais acima mencionados, é importante que a startup que decida expandir suas atividades com estruturas offshore implemente processos e regulamentos de governança corporativa e compliance, que trazem transparência e segurança aos investidores, mas aumentam substancialmente custos administrativos.   

Delaware Tostada 

Uma das principais estruturas societárias offshore para startups que estão inicializando o processo de internacionalização é a chamada Delaware Tostada. O estado de Delaware, nos Estados Unidos, não se posiciona no mercado internacional como um “paraíso fiscal”, ou seja, seu atrativo aos negócios internacionais não é, necessariamente, uma carga tributária mais favorecida. 

Delaware possui uma legislação societária abrangente, porém, flexível e previsível. Além disso, possui cortes altamente especializadas em direito societário, resultando em tratamento judicial técnico e qualificado para a solução de controvérsias empresariais. Essa previsibilidade legal e segurança jurídica são os principais atrativos para que empresas estabeleçam domicílio em Delaware. 

Nesse contexto, destaca-se a estrutura da Delaware Tostada, que consiste na constituição de uma sociedade em Delaware, que atuará como “empresa-mãe”, tornando a startup uma subsidiária integral operacional dessa empresa-mãe. Os investimentos são recebidos pela empresa-mãe, sob a jurisdição de Delaware, oferecendo segurança jurídica para os investidores e, ainda, distanciando-os dos riscos inerentes à qualidade de “sócio” de uma empresa operacional, tais como litígios, oferta de bens em garantia e obrigações específicas previstas na legislação brasileira. 

Ainda assim, para ser financeiramente viável e eficiente, a constituição em Delaware deve ser feita na forma de uma “LLC” (Limited Liability Company – similar à nossa Sociedade Limitada). Isso porque as LLC’s possuem formação simplificada, com menos exigências regulatórias e custos administrativos, além de uma estrutura societária que permite maior flexibilidade na gestão e no funcionamento da empresa. Elas também podem ser convertidas em outras estruturas com maior facilidade, tornando-as mais adaptáveis às mudanças nas necessidades do negócio. Por outro lado, não contemplam a possibilidade de emissão de classes preferenciais de cotas e não comportam o estabelecimento de plano de opção de compra (os chamados “stock options”), elementos muito utilizados em empresas de tecnologia, sobretudo em startups. Além disso, as cotas das LLC não podem ser negociadas em bolsa, o que dificulta desinvestimentos via IPO.  

Diagrama

Descrição gerada automaticamente
Crédito: Freitas Ferraz Advogados

Prós: Segurança jurídica e previsibilidade normativa da investida; jurisdição especializada; atratividade para investidores americanos; agilidade para constituição. 

Contras: Não comporta estruturas comuns a investimentos qualificados, como concessão de preferências e programas de SOP; não viabiliza eventual IPO. 

Cayman Sandwich

A jurisdição de Cayman, por sua vez, é um notório paraíso fiscal. O glossário do Banco Central do Brasil define “paraíso fiscal” como “países ou dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas”. As Ilhas Cayaman, na região do Caribe, cumprem os dois requisitos – apresentam tributação favorecida (ou inexistente) sobre investimentos e leis rigorosas de sigilo bancário, assegurando anonimato para empresários e investidores.  

Diante deste contexto, o uso dessa jurisdição pode ser uma opção estratégica na composição de estruturas societárias favoráveis à recepção de investimentos estrangeiros. Uma das estruturas mais adotadas é o chamado Cayman Sandwich, que consiste na criação de uma sociedade em Cayman, que se tornará a única sócia de uma sociedade intermediária (usualmente, em Delaware) que, por sua vez, é a única sócia da sociedade operacional no Brasil. Os investidores, portanto, possuem participação direta somente na sociedade em Cayman, ficando ainda mais distantes dos riscos relacionados às atividades operacionais. Além disso, a legislação de Cayman para M&A e IPO’s traz agilidade e simplicidade para esse tipo de transação, favorecendo as operações de saída. 

Essa estrutura, portanto, é uma progressão da Delaware Tostada, quando a sociedade está apta a receber investimentos maiores e os fundadores e investidores já começam a planejar o desinvestimento.  

Em que pese a existência de benefícios fiscais, o emprego de estruturas societárias em Cayman é mais oneroso ao empreendedor. Embora as exigências regulatórias de Cayman sejam menos complexas do que em outras jurisdições, ainda há obrigações, como auditorias e prestação de informações contábeis, que precisam ser cumpridas. Além disso, trata-se de uma estrutura jurídica adicional, que envolve custos de constituição e manutenção. Dessa forma, a conveniência da adoção dessa estrutura deverá ser avaliada de acordo com o volume de capital a ser investido na operação e a intenção de permanência do investidor.

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Crédito: Freitas Ferraz Advogados

Prós: facilitação de estratégias de saída e desinvestimento.

Contras: estrutura mais onerosa, com acentuado risco reputacional. 

Exemplos de sucesso com estruturas offshore

Algumas startups brasileiras de destaque já adotaram estruturas offshore para impulsionar seu crescimento global. O Nubank, por exemplo, utilizou uma estrutura baseada em Delaware para captar investimentos de grandes fundos internacionais, aproveitando a segurança jurídica e a atratividade para investidores americanos. Essa estratégia culminou em seu IPO na Bolsa de Nova York (NYSE) em dezembro de 2021, consolidando sua posição como uma das fintechs mais valiosas do mundo.

Já a Stone, que também seguiu um modelo offshore, estruturou suas operações com foco em facilitar desinvestimentos, como seu IPO na Nasdaq em 2018, onde levantou US$ 1,5 bilhão. Essa estruturação possibilitou que a empresa atraísse investidores renomados, como a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett.

Esses exemplos mostram como a escolha da estrutura certa pode contribuir para a escalabilidade e a atratividade de uma startup no cenário global, demonstrando aos investidores um planejamento estratégico robusto e alinhado às melhores práticas do mercado. Essas estratégias estruturais não apenas facilitaram a captação de investimentos, mas também posicionaram o Nubank e a Stone como players globais, demonstrando a importância de um planejamento societário robusto para startups que buscam escalar rapidamente.

Conclusão

A constituição de empresas offshore oferece vantagens estratégicas para startups que buscam expandir internacionalmente, como acesso a investidores globais, otimização fiscal e proteção patrimonial. No entanto, essas estruturas devem ser planejadas com cuidado, considerando os custos, os riscos reputacionais e as exigências regulatórias locais e internacionais. Com uma análise criteriosa e suporte jurídico especializado, sua startup pode escolher a estrutura que melhor atende aos seus objetivos de crescimento global. 

Vale destacar que a escolha entre estruturas como Delaware Tostada ou Cayman Sandwich deve considerar o estágio da startup, o perfil dos investidores e os objetivos de longo prazo, como um possível IPO ou desinvestimento.

Gostou do artigo? Caso tenha ficado com alguma dúvida ou precise de auxílio para avaliar se uma estrutura offshore faz sentido para a sua startup, entre em contato com o nosso time. Teremos o maior prazer em atendê-lo(a).

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Freitas Ferraz Advogados

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