*Por Anna Flávia Moreira e Marina Guimarães
Nos últimos anos, o mercado tecnológico tem enfrentado desafios relacionados à insegurança gerada pelas discussões sobre a tributação das operações que envolvem softwares. As alterações na interpretação das autoridades fiscais afetam diretamente as atividades das startups que utilizam e exploram essa tecnologia, o que torna essencial a atenção às implicações tributárias para evitar autuações. Neste breve artigo, buscamos esclarecer o entendimento atual do Judiciário sobre a tributação de softwares e comentar as orientações mais recentes da Receita Federal do Brasil a respeito do tema.
As operações com softwares estão sujeitas ao ICMS ou ao ISS?
Até 2021, havia uma distinção na tributação dos softwares: aqueles considerados “de prateleira” eram tributados pelo ICMS (imposto recolhido sobre a circulação de mercadorias), enquanto os softwares que podiam ser customizados pelos usuários eram tributados pelo ISS (imposto recolhido sobre a prestação de serviços). Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 1.945 e 5.659, encerrando essa discussão.
Em linhas gerais, o STF decidiu que, ao adquirir um software que é constantemente atualizado, este (software) deve ser classificado como um serviço, e não como uma mercadoria, independentemente de ser um software customizado ou “de prateleira”. Essa decisão trouxe alívio ao mercado tecnológico, uma vez que o ISS geralmente apresenta alíquotas menores que o ICMS, dependendo do regime tributário adotado.
Na ocasião, o STF também estabeleceu a partir de quando os efeitos dessa decisão se aplicariam, determinando que os contribuintes não teriam direito a solicitar o ressarcimento de qualquer valor de ICMS que já tivesse sido recolhido. Além disso, ficou decidido que os Municípios não poderiam cobrar o ISS de forma retroativa nas operações realizadas antes da data do julgamento, exceto nas discussões judiciais ainda em andamento. Apenas as empresas que haviam recolhido tanto o ICMS quanto o ISS sobre as mesmas operações poderiam requerer a restituição do ICMS.
E como fica a tributação por IR, CSLL, PIS/COFINS e CIDE?
No julgamento das ADIs nº 1.945 e nº 5.659, em 2021, o STF não abordou a incidência de IR, CSLL, PIS/COFINS e CIDE. A decisão da Corte apenas alterou a jurisprudência então vigente, equiparando softwares “por encomenda” a softwares “de prateleira” para fins tributários, determinando que ambos estão sujeitos ao ISS. Por essa razão, é fundamental recorrer aos posicionamentos da Receita Federal do Brasil (RFB) para entender quando se deve efetuar o pagamento de IR, CSLL, PIS/COFINS e CIDE.
Em 2023, a RFB se manifestou sobre a tributação das operações com software por meio da publicação da Solução de Consulta (SC) COSIT nº 107/2023. Nesta SC, a RFB estabeleceu uma distinção entre (i) a licença de uso de software, que não resulta na transferência da tecnologia, mas apenas na cessão do direito de uso, e (ii) transações que efetivamente resultam na transferência da tecnologia.
Ao adotar critérios diferenciados para os tipos de licença, a RFB foi além do que foi julgado pelo STF nas ADIs nº 1.945 e 5.659, considerando a transferência da tecnologia e a natureza da licença (uso ou comercialização). Apesar dessa abordagem poder abrir espaço para futuras discussões no Judiciário, é essencial conhecer os posicionamentos da RFB para entender os riscos tributários envolvidos.
(a) Licença de uso de software
Na SC 107/2023, a RFB determinou que incidem Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), PIS/COFINS-Importação e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as operações de licença de uso de software. Em relação ao IRRF, a RFB esclareceu que as remessas ao exterior decorrentes da licença de uso de software são consideradas royalties, sujeitas ao IRRF à alíquota de 15% (ou 25% para beneficiários domiciliados em jurisdições com tributação favorecida).
Essa SC também ressaltou que contratos de licenciamento de software podem incluir outros serviços garantidos pelo fornecedor, como serviços de suporte e manutenção. Nesses casos, é necessário distinguir entre a aquisição de uma nova licença de uso ou sua prorrogação e a prestação de serviços técnicos de manutenção. Nos casos de aquisição de uma nova licença, os pagamentos configuram royalties para fins de IRRF, ainda que prevendo a prorrogação do prazo.
Por outro lado, em relação aos serviços garantidos pelo fornecedor, a Receita Federal esclareceu que é possível contratar serviços conexos, mediante remuneração, como manutenção solicitada fora da garantia contratual. Nesses casos, a remuneração por serviços técnicos também estará sujeita ao IRRF à alíquota de 15%.
Em relação à CIDE, a SC 107/2023 estabeleceu que a mera aquisição de software, seja por meio de nova licença ou prorrogação da licença original, não está sujeita à contribuição, exceto nos casos que envolvem transferência de tecnologia. Segundo a Receita Federal, a CIDE incidirá à alíquota de 10% apenas nos casos de contratação de serviços técnicos de manutenção.
Quanto ao PIS/COFINS, a SC determinou que, em função das ADIs nº 1.945 e nº 5.659, deve-se reconhecer que as operações de licenciamento do uso de software configuram a prestação de serviços. Essa interpretação é reforçada pelo item 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS, conforme estabelecido na Lei Complementar nº 116/03. Assim, a RFB concluiu que há PIS/COFINS-Importação sobre a remuneração paga por licenças de uso de software e pelos serviços decorrentes.
Por sua vez, na SC COSIT nº 19/24, a RFB esclareceu que a atividade de licenciamento de direitos de uso de programas de computador estará sujeita a um percentual de presunção de 32% para a apuração do IRPJ e da CSLL, no caso de pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido. Esse percentual aplica-se tanto ao licenciamento de software não customizado (o antigo “software de prateleira”) quanto ao de software customizado em pequena extensão, para determinar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Além disso, a SC definiu que mesmo percentual de 32% deve ser aplicado aos serviços relacionados a: (i) suporte técnico a usuários de programas de computador, independentemente de serem padronizados, encomendados ou customizados; (ii) armazenamento online de programas licenciados para uso do cliente, com acesso mediante login e senha; (iii) análise de sistemas e customização em grande extensão de programas existentes ou desenvolvimento de novos programas conforme as necessidades do cliente; e (iv) elaboração de roadmaps para subsidiar a customização em grande extensão de programas existentes ou o desenvolvimento de novos programas, de acordo com os requisitos apresentados pelo cliente.
(b) Licença de comercialização ou distribuição de software
Por fim, na Solução de Consulta nº 177/2024, a RFB analisou uma operação realizada entre um contribuinte e uma empresa domiciliada no exterior, cujo objeto é “o direito de exploração econômica de uma plataforma de cursos disponibilizada por meio de infraestrutura computacional mantida em nuvem, sem transferência de código-fonte de software”.
Nesse contexto, devido ao papel intermediário do contribuinte (que não é o usuário final das licenças adquiridas), a RFB afastou a aplicação da decisão proferida pelo STF em 2021, no julgamento das ADIs nº 1945 e nº 5659. A RFB observou que a Corte Suprema não abordou especificamente a licença do direito de exploração ou comercialização, tema que gerava interpretações divergentes devido à falta de uma distinção clara durante o julgamento das ADIs.
Ao analisar a operação do contribuinte, a RFB concluiu que as remessas para a pessoa jurídica domiciliada no exterior representam contrapartidas à exploração econômica de ativos intangíveis realizadas por terceiros. Em outras palavras, trata-se de remuneração pelo direito de distribuição ou comercialização de licenças de uso de software, que se qualificam como royalties. Portanto, a RFB concluiu que as remessas à empresa situada no exterior estão sujeitas ao IRRF à alíquota de 15%.
A RFB também definiu que a remuneração enviada ao exterior como contrapartida pelo direito de distribuição e licenciamento de uma plataforma, utilizando infraestrutura computacional, não está sujeita à incidência da CIDE, desde que não haja transferência de código-fonte de software. Além disso, não há PIS/COFINS-Importação, uma vez que se trata de licença de comercialização ou distribuição de software, e não de remuneração pela licença de uso de software.
Mas afinal, quais tributos são devidos nas operações com softwares?
Como se observa, a tributação das operações que envolvem softwares continua a passar por constantes alterações. Por isso, é essencial que as startups busquem orientação especializada para garantir que suas atividades estejam em conformidade com a legislação e as diretrizes atuais.
Para facilitar, sintetizamos os pontos abordados no texto em uma tabela:
Tributo | Licença de Uso de Software | Licença de Comercialização com transferência de código-fonte | Licença de Comercialização sem transferência de tecnologia |
ISS | 2% a 5% | 2% a 5% | 2% a 5% |
IRPJ e CSLL | % de presunção de 32% no Lucro Presumido | % de presunção de 32% no Lucro Presumido | % de presunção de 32% no Lucro Presumido |
IRRF | 15% ou 25% | 15% ou 25% | 15% ou 25% |
PIS e COFINS | 9,25% | 9,25% | – |
CIDE | 10% se houver contratação de serviços técnicos de manutenção. Não há se houver mera aquisição de software, por meio de nova licença ou prorrogação de licença original. | 10% | – |
Se você tem dúvidas sobre a tributação do seu negócio ou precisa de orientação jurídica, sinta-se à vontade para entrar em contato conosco. Estamos aqui para ajudá-lo a entender melhor o cenário tributário e a encontrar as soluções mais adequadas para sua startup.