Por: Bruna Frasson e Pedro Vidigal
Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 252, recentemente aprovado pelo Senado, que pretende alterar a Lei Complementar nº 182/2021, conhecida como “Marco Legal das Startups”. A proposta visa regulamentar um novo instrumento de captação de investimento para startups, o Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC).
Inspirado no Simple Agreement for Future Equity (SAFE), instrumento desenvolvido pela Y Combinator e amplamente utilizado no mercado internacional, o CICC tem como objetivo proporcionar maior segurança jurídica e incentivar investimentos em startups em estágio inicial.
Neste artigo, abordaremos as principais características dos CICC e a sua principal diferença em relação ao contrato de mútuo conversível em participações, o instrumento jurídico mais utilizado para formalizar investimentos em startups no Brasil.
Mútuo conversível
Quando se fala em investimento em startups, o primeiro instrumento jurídico que vem à mente é o contrato de mútuo conversível em participação societária. Nesse modelo, o investidor aporta recursos na startup como um empréstimo, que pode ser convertido em participação societária no futuro, caso determinadas condições sejam atendidas ou dispensadas. Assim, ao celebrar o contrato, o investidor inicialmente assume o papel de credor, ao invés de sócio da startup.
Um dos principais motivos que justificam a utilização do contrato de mútuo conversível é a intenção do investidor de evitar o risco de ser responsabilizado por eventuais passivos da startup. Embora o Brasil adote o princípio da limitação de responsabilidade e da separação patrimonial, não é incomum que sócios sejam diretamente responsabilizados pelas dívidas da empresa. Por essa razão, muitos investidores preferem não assumir a posição de sócios em um primeiro momento, especialmente em startups que ainda estão em fase de validação de seu modelo de negócios ou produto.
Recentemente, com o objetivo de simplificar os investimentos em startups, a Latitud desenvolveu o Mútuo para Investimento Simplificado com Termos Otimizados (MISTO), um contrato também inspirado no SAFE. Assim como o mútuo conversível tradicional, o MISTO possui natureza de dívida.
A Inovação do CICC
O CICC também regulará a transferência de recursos que podem ser convertidos em participação societária. No entanto, a grande novidade é que os aportes de capital realizados por meio do CICC não serão tratados e tampouco contabilizados como dívida da sociedade, o que significa que o CICC não gerará um passivo para a sociedade – consequentemente, o valor aportado via CICC não seria exigível pelo investidor contra a startup. Isso é particularmente atraente para startups, que muitas vezes enfrentam dificuldades em manter suas finanças equilibradas durante as primeiras fases de operação.
Diferentemente do mútuo conversível, o CICC terá natureza de instrumento patrimonial, sem que o investidor possa exigir a devolução dos valores aportados – ou seja, não sendo um instrumento de dívida, não há que se falar em devolução do capital investido, exceto nas hipóteses previstas em lei para liquidação de participação societária. Dessa forma, o CICC não constitui um crédito líquido, certo e exigível, o que oferece maior segurança para os fundadores em caso de insucesso do negócio.
Embora não seja uma prática comum no mercado, o contrato de mútuo conversível pode prever a restituição do valor mutuado, acrescido de correção monetária e juros, caso não seja convertido em participação societária. O CICC, por outro lado, não terá o seu valor atualizado, nem renderá juros ou outra forma de remuneração ao seu titular.
Outras características do CICC
O projeto de lei prevê expressamente que, assim como os investidores que realizam aportes na modalidade de mútuo conversível, os investidores do CICC não serão considerados sócios ou acionistas da startup e, portanto, não terão direito à gerência ou a voto na administração da empresa. Por outro lado, as partes poderão livremente estabelecer outros direitos aos investidores.
Por sua vez, um ponto positivo do CICC é que, apesar da regulamentação, as partes terão flexibilidade para definir: (i) os critérios e condições da conversão do investimento em capital social da startup; e (ii) as hipóteses nas quais o investidor perderá o direito à aquisição de participação societária. Isso significa que os investidores e os founders poderão negociar de maneira customizada os gatilhos e parâmetros que determinarão quando e como o investimento será convertido em participação societária, bem como em relação à perda desse direito pelo investidor, proporcionando uma estrutura adaptável às necessidades do negócio.
É importante ressaltar que a regulação do CICC pela lei será muito sucinta e breve, de modo que a negociação detalhada e cuidadosa dos seus termos será de fundamental importância para evitar disputas futuras entre startup e investidor.
O projeto de regulamentação também buscou trazer clareza sobre aspectos fiscais e tributários relacionados ao investimento realizado por meio do CICC. O investidor deverá reconhecer o valor originalmente transferido via CICC, em moeda nacional, como custo de aquisição da participação societária obtida por meio da conversão, independentemente do valor atribuído às ações ou quotas emitidas. Ou seja, mesmo que a startup atribua um valor distinto às ações ou quotas no momento da conversão, o custo de aquisição para fins fiscais será o valor aportado.
Adicionalmente, a apuração de eventual ganho de capital pelo investidor será realizada conforme a legislação vigente (art. 21 da Lei nº 8.981/1995) no momento da alienação do CICC ou das ações/quotas da startup.
Perspectivas sobre a utilização do CICC
O fato de o CICC não ser caracterizado como dívida e de o investidor não ser considerado como sócio são os principais atrativos desse instrumento, tanto para startups, quanto para investidores. Para as startups, essa característica é especialmente vantajosa, pois evita que os aportes de capital sejam contabilizados como passivos no balanço patrimonial, permitindo que o negócio mantenha uma estrutura financeira mais equilibrada. Isso é crucial, sobretudo para empresas em estágio inicial, que muitas vezes enfrentam dificuldades de financiamento e não podem se comprometer com o aumento de dívidas.
Além disso, o CICC oferece maior previsibilidade para os fundadores, ao garantir que, em caso de insucesso do negócio, os investidores não poderão exigir a devolução dos valores investidos.
Por outro lado, do ponto de vista dos investidores, a segurança jurídica proporcionada pelo CICC também é significativa. A formalização de um instrumento regulamentado pelo ordenamento jurídico brasileiro traz maior clareza sobre os direitos e deveres das partes envolvidas.
De toda forma, embora o CICC se apresente como uma ferramenta promissora, é preciso aguardar a redação final do Projeto de Lei Complementar nº 252, bem como a resposta do mercado, para avaliar o verdadeiro impacto desse instrumento no ambiente de negócios brasileiro.
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Teremos o maior prazer em atendê-lo(a).
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