Coluna

Corporate Venture Capital: regras de governança para a relação entre investidora e investida

Corporate Venture Capital
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*Por Adriano Ferraz, João Cesconi e Fernanda Dolabella

Em um cenário econômico desafiador, no qual a alta taxa de juros encarece o custo do capital e diminui o ritmo de investimentos, o crescimento do mercado de corporate venture capital (CVC) chama a atenção. Demonstração disso reside na quantidade de companhias de capital aberto no Brasil que desenvolveram iniciativas de CVC em 2022, anunciando o montante de R$ 3,04 bilhões em capital comprometidos para essa modalidade de investimento

Em termos gerais, o CVC representa o investimento realizado por sociedades já consolidadas no mercado em empresas inovadoras (especialmente, startups). Os benefícios dessa modalidade já foram ressaltados por nós, mas não custa reforçar. Pelo lado das grandes empresas, proporciona insights estratégicos sobre tecnologia, novos mercados e diferentes modelos de negócio, bem como facilita o acesso e o desenvolvimento de novas frentes de atuação, em mercados muitas vezes pouco explorados. Para as investidas, além da injeção de recursos financeiros, permite agregar conhecimento e expertise de sociedades já consolidadas no mercado, sem esquecer do acesso à base de stakeholders da investidora (sócios, clientes, fornecedores e parceiros), tudo para catapultar os negócios e alcançar um novo patamar do investimento.

Todavia, esse modelo é cercado de desafios para a sua implementação. Tanto as partes envolvidas como os seus assessores (especialmente os assessores jurídicos) precisam se atentar para as características e especificidades dessa modalidade de investimento, principalmente quando tratamos das regras de governança que vão reger o relacionamento entre investidora e investida. Aqui, a experiência das partes e a condução adequada dos seus assessores, notadamente na estruturação contratual e societária do investimento, pode converter eventuais imbróglios e discussões em benefícios recíprocos para investidora e investida, em prol do desenvolvimento do negócio.

O que precisamos ter em mente na definição das regras de governança num investimento de CVC é que as partes anseiam segurança jurídica para permiti-las acessar o que desejam – a investida deseja acessar os recursos (financeiros, técnicos e de relacionamento) da investidora, e a investidora, por sua vez, deseja acessar a inovação, a agilidade e potencial de crescimento da investida. No entanto, essas regras não podem, em última instância, (i) impedir que a investidora explore (e contribua com) o potencial da investida; (ii) engessar a própria estrutura da startup – contrariando o conceito de investimento numa sociedade na qual as decisões deveriam ser tomadas de forma ágil e sem burocracia –, ou (iii) inviabilizar o ingresso de mais recursos ou a entrada de outros investidores estratégicos para o negócio, prejudicando a capacidade de a investida alcançar o crescimento e expansão pretendidos. Vamos analisar, na sequência, algumas disposições mais comuns em investimentos de CVC e suas nuances.

Uma das regras mais praticadas pelos CVCs é a negociação de um assento de representante da investidora em algum órgão da investida. Em sua grande maioria, verificamos a indicação, pela investidora, de membros para cargos em conselhos consultivos ou conselhos de administração da investida, cuja função será acompanhar o investimento, sem alterar o poder de controle da startup. Em determinadas situações, como alternativa que garanta mais ingerência da investidora, esta poderia indicar algum diretor, usualmente o direito financeiro. Essa medida intensifica sua participação no processo decisório estratégico da investida, viabiliza um acompanhamento mais detido dos resultados e operação pela investidora, e facilita o compartilhamento de insights estratégicos. Todavia, trata-se de medida que deve ser avaliada com cautela, tendo em vista a assunção de maior responsabilidade pela investidora em relação ao resultado da startup.

Outro aspecto de governança importante, especialmente para a investidora, é o estabelecimento de regras para deliberação no âmbito da investida. Os mecanismos usualmente aplicados são quóruns qualificados, direito de veto e direito de voto afirmativo. 

No quórum qualificado, algumas matérias específicas estariam sujeitas a aprovação apenas se houver o voto favorável de detentores de determinado percentual de ações ou quotas – normalmente, para o cálculo desse percentual, leva-se em consideração a participação no capital social da investidora para que o quórum seja atingido. Com relação ao direito de veto, trata-se de mecanismo por meio do qual, caso a investidora reprove a matéria, esta não poderá ser aprovada, independentemente do número de votos favoráveis que tenha recebido para a sua aprovação. Por fim, quando falamos em voto afirmativo, determinada matéria apenas será aprovada se contar com a aprovação dos votos da investidora. 

Essa diferenciação é importante, porque traz impactos para a investidora e para a investida ao longo do período de maturação do investimento. Por exemplo, ao se estabelecer quórum qualificado, a investidora poderá perder sua ingerência na deliberação de determinada matéria caso, nos próximos rounds de investimento, não acompanhe os aportes de capital e seja diluída. Por outro lado, caso seja estabelecido o direito de veto, a matéria poderá ser aprovada em deliberações nas quais a investidora não esteja presente, desde que sejam observadas as formalidades previstas em lei, nos atos societários e no acordo de sócios da investida relacionados à convocação, instalação e deliberação. Por fim, ao se estabelecer o direito de voto afirmativo – opção que, dentre as citadas, é a mais protetiva para a investidora –, não será possível aprovar a deliberação sem que haja a aprovação expressa da investidora. 

Não há uma resposta correta sobre qual mecanismo de deliberação deve ser aplicado em investimentos de CVC. A decisão deve considerar diversos fatores, como o nível de ingerência na investida pretendido pela investidora, a existência de outros investidores na investida (e as regras de governança que foram negociadas e acordadas com eles) e a perspectiva de ingresso de outros investidores em novos rounds de investimento – isso porque uma estrutura muito protetiva para uma investidora atual pode ser uma barreira de entrada para novos investidores em uma rodada posterior.

Além do próprio mecanismo de deliberação, tema sensível de governança entre investidora e investida se refere à definição das matérias que estarão sujeitas ao controle da investidora. A título de exemplo, podemos citar (i) a alienação ou oneração de propriedade intelectual, em especial para startups do setor de tecnologia; (ii) a contratação de financiamentos ou emissão de dívida; (iii) a aquisição, alienação ou oneração de bens do ativo não circulante; e (iv) a celebração e modificação de determinados contratos que sejam considerados críticos, seja em razão do seu objeto, seja em razão dos valores envolvidos, seja em razão das partes envolvidas (p.ex., contratos com partes relacionadas).

Por um lado, quanto mais matérias forem elencadas pela investidora, mais segurança ela terá de que determinados atos que poderiam afetar negativamente os negócios ou até inviabilizar o próprio investimento estarão sob seu controle. Por outro lado, quanto mais matérias estiverem sob a ingerência da investidora, mais a investida estará engessada para conduzir seus negócios e buscar o desenvolvimento almejado por todos – o que, como dissemos mais acima, é algo preocupante. 

Para superar esse desafio, é necessário que as matérias sejam bem-negociadas entre as partes (e seus assessores), e que, na medida do possível, sejam estabelecidas alçadas que, simultaneamente, permitam a intervenção da investidora (e outros acionistas) em casos mais críticos e, ao mesmo tempo, garantam flexibilidade à investida para conduzir determinadas atividades que estejam dentro de limites razoáveis para as partes. Não obstante, o que notamos é que a expertise de investidores (e de seus assessores) em investimentos dessa natureza é extremamente importante, porque contribui para que as partes foquem apenas no que é estritamente necessário, permitindo à startup flexibilidade para que possa se desenvolver.

Outro mecanismo usualmente negociado em CVC, cujo impacto para as investidas é menos relevante, mas que é de extrema importância para a investidora, é a cláusula de direito à informação (information rights). Nessa cláusula, as partes irão prever o direito de a investidora acessar um determinado conjunto de informações (usualmente, financeiras), podendo inclusive ser estabelecido o envio de relatórios periódicos pela investida aos representantes da investidora, ou apenas mediante solicitação prévia. Assim, a investidora poderá acompanhar as informações mais críticas da investida continuamente e, com isso, fiscalizar melhor os resultados de seu investimento.

As prerrogativas que mencionamos acima tratam de direitos políticos que normalmente são negociados pela investidora num CVC. Do ponto de vista de direitos patrimoniais, existem várias outras disposições que são objeto de negociação pelas partes. Trataremos de algumas delas em artigo separado, dada a extensão e complexidade do tema, mas uma dessas disposições é extremamente sensível: a cláusula anti-diluição. Esse mecanismo protege a investidora de ser diluída caso venham a ser realizados novos rounds de investimento, para injeção de novos recursos na investida (com o ingresso de novos investidores ou não), na hipótese de o valuation da investida nesses novos rounds ser inferior ao valuation que foi aplicado no investimento da própria investidora (esses novos rounds com essas características são também conhecidos como “down rounds”). 

Existem diferentes formas de se estruturar uma cláusula anti-diluição e essas variações vão depender basicamente da negociação entre as partes e interferência de outros investidores na investida – que podem ser drasticamente afetados pela implementação do mecanismo ou não. Uma dessas formas é conhecida como “full-ratchet”, por meio da qual, na ocorrência de um down round, o valuation utilizado para a emissão de participação societária para a investidora é automaticamente recalculado considerando o valuation do down round, sendo emitidas novas ações sem custo adicional à investidora – isso acarreta na diluição automática de todos os demais acionistas da investida, a menos que outros acionistas também possuam a mesma prerrogativa. Outra modalidade é chamada de “weighted average”, por meio da qual é calculada a média ponderada entre o valuation utilizado pela investidora e o valuation do down round, considerando o número de ações emitidas em cada um dos referidos rounds – essa estrutura é menos agressiva e gera menor impacto para os demais acionistas da investida. A definição do tipo de cláusula a ser adotado é muito relevante para a investidora e para a investida, sendo fundamental estabelecer um critério razoável para evitar dificuldades na realização de futuros rounds de investimento ou mesmo afastar a entrada de novos investidores, prejudicando o crescimento e a expansão da investida.

Apesar do crescimento acelerado nos últimos anos, a prática do CVC ainda é incipiente no Brasil – segundo dados da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), 72,2% das unidades de CVC estão em fase inicial (que compreende os três primeiros anos de existência do veículo de investimento). Torna-se, portanto, cenário repleto de oportunidades, tanto para as investidoras quanto para as startups investidas. A expertise e dedicação das partes e seus assessores para o estabelecimento de regras adequadas de governança é essencial para que os investimentos de CVC continuem crescendo no país, sempre com o objetivo de criar um vínculo societário entre as partes que estão comprometidas com o sucesso da startup.

Este artigo é o 3º e último artigo da primeira série de artigos sobre Corporate Venture Capital da coluna Freitas Ferraz Advogados no Startups. 

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