Coluna

Ltda. ou S.A.? Como determinar o tipo societário mais adequado para a sua startup

Freitas Ferraz Advogados - tipo societário mais adequado para a sua startup
Freitas Ferraz Advogados - tipo societário mais adequado para a sua startup

*Por Rodolfo Prates e Rodrigo Amaral

Diferentemente do que ocorre em outros setores e mercados, a maioria das startups nascem antes mesmo de existir uma estrutura física, operacional e jurídica que a suporte. Após o surgimento da ideia e do modelo de negócio, (quase) inevitavelmente o empreendedor terá que constituir uma sociedade ou, em outras palavras “abrir uma empresa”.

Na prática, as startups costumam ser constituídas como sociedades limitadas. Apesar de na maioria das vezes essa decisão ser automática e não pensada, ela não está necessariamente errada. No entanto, muitos empreendedores não sabem que cada tipo societário possui características próprias que podem efetivamente influenciar o dia a dia e contribuir com os objetivos de suas startups. 

O objetivo desse artigo é explicar, de forma prática e objetiva, alguns dos principais aspectos que devem ser levados em consideração para escolher o tipo societário de sua startup e como essa decisão pode efetivamente impactar o seu negócio. Para fins de objetividade, trataremos apenas dos dois tipos societários mais utilizados: a sociedade limitada e a sociedade anônima.

O que é preciso para criar uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima? 

Para constituir uma sociedade limitada, é necessário elaborar um contrato social, que é o documento que estabelece as principais regras relacionadas à sociedade e seus sócios. Dentre outras diversas matérias, o contrato social estabelece o nome da sociedade, o endereço da sede, o objeto social (atividades e escopo de atuação), o valor do capital social e a participação de cada sócio na sociedade. 

A sociedade anônima, por sua vez, é constituída por meio da realização de uma Assembleia Geral de Constituição (ou por escritura pública, de forma menos usual).  Na Assembleia Geral de Constituição, dentre outras matérias, os acionistas aprovam a constituição da companhia, o seu estatuto social e a eleição da administração (Diretoria e/ou Conselho de Administração). 

Na prática, é muito incomum que seja efetivamente realizada uma “assembleia” para a criação de uma sociedade anônima. O que ocorre na maioria dos casos é a mera elaboração da ata da Assembleia Geral de Constituição (sem que a Assembleia tenha efetivamente acontecido) e do seu estatuto social. 

Diferentemente do que ocorre na sociedade limitada, a constituição da sociedade anônima depende da realização (integralização) de pelo menos 10% do capital social cuja integralização (pagamento) for realizada pelos acionistas em dinheiro, por meio de depósito bancário em favor da companhia em constituição. Esse depósito bancário é feito antes de a sociedade anônima ser criada e pode ser realizado em qualquer banco – os acionistas fazem o depósito em uma conta “provisória”, que pode ser convertida em uma conta corrente após a efetiva constituição da companhia.

Em resumo: 

  1. Para constituir uma sociedade limitada: é necessário um contrato social;
  1. Para constituir uma sociedade anônima: é necessária uma ata de assembleia geral de constituição, um estatuto social e o comprovante de depósito de pelo menos 10% do capital social que for integralizado em dinheiro. 

Apesar de esses documentos serem relativamente simples e existirem diversos “modelos” disponíveis (inclusive nos sites das próprias Juntas Comerciais), é importante contar com a assessoria jurídica qualificada para evitar que o uso de documentos padronizados e inadequados causem problemas no futuro. Ressalta-se que a contratação de advogado para a elaboração dos documentos de constituição não é apenas recomendável, sendo o visto de advogado obrigatório para que o ato de constituição de pessoa jurídica seja levado a registro, sob pena de nulidade (previsão do §2º do art. 1º da Lei nº 8.906/1994). 

Com os documentos finalizados, em regra é necessário apenas realizar uma consulta de viabilidade perante o município da sede da sociedade, o preenchimento de um Documento Básico de Entrada (DBE) perante a Receita Federal e o registro dos documentos de constituição na Junta Comercial competente. Esse procedimento é bastante simples, rápido e dificilmente leva mais do que 5 dias úteis para ser concluído, independentemente do tipo societário escolhido. 

Vale destacar que, apesar de haver um senso comum de que a constituição de sociedades anônimas é algo muito complexo, a diferença de complexidade em comparação com a constituição de uma sociedade limitada não é tão grande a ponto de ser um impeditivo para que o empreendedor opte por constituir sua startup sob a forma de uma sociedade anônima.

Quais os principais custos para a constituição e manutenção de uma sociedade limitada e de uma sociedade anônima?

O custo de registro dos atos constitutivos das sociedades limitadas e das sociedades anônimas nas Juntas Comerciais é baixo e não costuma ser um impeditivo ou critério de escolha relevante. Apesar de variar de acordo com cada Junta Comercial, a taxa média de serviços para o registro dos atos constitutivos é de aproximadamente R$ 250,00 para as sociedades limitadas e de R$ 500,00 para as sociedades anônimas.

Há também os custos relacionados às licenças e alvarás necessários para o funcionamento das sociedades (alvará de funcionamento, licenças de vigilância sanitária, ambientais etc.), que irão variar de acordo com a localidade e com as atividades da sociedade – e não de acordo com o tipo societário escolhido. 

Com relação aos serviços de contabilidade, os valores também não costumam ser afetados pelo tipo societário escolhido, mas sim de acordo com o regime tributário (Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real), o porte e as atividades da sociedade.

Conforme já destacado no tópico anterior, é essencial a contratação de um advogado para que o ato de constituição seja registrado, sob pena de nulidade. O custo dessa contratação irá depender da complexidade dos atos constitutivos que serão elaborados. 

Em relação aos custos com assessoria jurídica, fica um conselho importante para as startups: é mais importante investir na elaboração de um bom contrato social para uma sociedade limitada do que na elaboração de um bom estatuto social para uma sociedade anônima. Isso decorre do fato de a Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S/A”) ter disposições muito mais adequadas (e expressas) para garantir o bom funcionamento das sociedades anônimas e os direitos dos acionistas, em comparação com o Código Civil, que é omisso e delega várias matérias ao regramento previsto no contrato social.

Por fim, é importante destacar que um dos principais motivos pelo qual se optava por não constituir uma sociedade anônima era o alto custo para a realização das publicações que são exigidas pela Lei das S/A. No entanto, a Lei Complementar nº 182/2021 (“Marco Legal das Startups”) alterou o art. 294 da Lei das S/A, passando a permitir que as sociedades anônimas de capital fechado com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 realizem suas publicações de forma eletrônica. Com essa alteração, as sociedades anônimas que se enquadram nesse critério podem realizar as publicações exigidas de forma gratuita, por meio da Central de Balanços, eliminando o que era um dos maiores impeditivos em termos de custos para que as startups fossem constituídas na forma de sociedades anônimas. 

Qual tipo societário é melhor para a minha startup?

A resposta para essa pergunta depende de uma série de fatores, mas as startups normalmente definem (ou deveriam definir) o seu tipo societário de modo a adequar seus principais objetivos no momento da decisão às características próprias do tipo societário escolhido. Listamos abaixo alguns dos principais fatores que devem ser levados em consideração:

Composição societária:

 A sociedade limitada pode ser constituída por apenas 1 (um) sócio, sendo denominada de sociedade unipessoal (§1º do art. 1.052 do Código Civil). A sociedade anônima, por sua vez, deverá ser constituída por 2 (dois) ou mais acionistas e manter essa pluralidade, sob pena de sua dissolução (inciso I, alínea “d” do art. 206 da Lei das S/A), ressalvada a hipótese de a sociedade ser uma subsidiária integral de outra sociedade (art. 251 da Lei das S/A). Portanto, se você é o único sócio da sua startup, não será possível constituí-la regularmente na forma de uma sociedade anônima, sendo necessário optar por uma sociedade limitada unipessoal.

Estrutura da administração

Em regra, as sociedades limitadas são administradas por pessoas designadas no contrato social ou em ato separado (os chamados administradores, que podem ou não ser os sócios das sociedades). As sociedades anônimas são administradas por seus Diretores, sendo opcional a existência de um Conselho de Administração. 

Após a entrada em vigor do Marco Legal das Startups, a Diretoria das sociedades anônimas passou a também poder ser composta por apenas 1 (um) Diretor, deixando esse de ser um critério determinante para a escolha de uma sociedade limitada. Apesar de tipicamente as sociedades limitadas não possuírem Conselho de Administração (não há previsão expressa no Código Civil), é possível que o contrato social crie um Conselho de Administração, buscando replicar as disposições previstas na Lei das S/A, ou outros órgãos, como conselhos consultivos, por exemplo. 

Nesse sentido, tanto as sociedades limitadas como as sociedades anônimas costumam ser compatíveis com qualquer estrutura de administração, apesar de ser recomendável a constituição na forma de uma sociedade anônima caso a startup pretenda ter um Conselho de Administração (o fato de ter regramento próprio pela Lei das S/A dá maior previsibilidade e segurança à atuação desse órgão).

Simples Nacional

Sendo direto ao ponto: sua startup não poderá ser constituída como uma sociedade anônima ou transformada em uma sociedade anônima se o seu objetivo é optar pelo Simples Nacional. Esse é um dos principais critérios levados em consideração na escolha do tipo societário por startups que estão no early estage, tendo em vista que a opção pelo Simples Nacional pode ser algo essencial para a viabilidade da startup, por muitas vezes representar uma redução de carga tributária e de custos operacionais.

Captação de Investimentos

Para a realização de rodadas de investimento nas quais haja a efetiva entrega de participação societária ao investidor, é praticamente inevitável que a startup esteja constituída como ou seja transformada em uma sociedade anônima. Essa regra decorre do fato de que, na sociedade anônima, a participação do acionista na companhia é determinada pelo número de ações que o acionista possui (e não pelo valor aportado), sendo que há maior liberdade para a definição do preço de emissão das ações emitidas. Na sociedade limitada, por outro lado, a participação do sócio é determinada com base no valor aportado pelo sócio na sociedade. 

Na prática: se os fundadores constituírem uma sociedade limitada com capital social de R$ 10.000,00 e essa sociedade receber o aporte de R$ 990.000,00 em uma rodada de investimentos, a participação dos fundadores na sociedade seria diluída para 1% e os investidores teriam uma participação de 99%, mesmo que a contrapartida acordada pelo investimento seja uma participação de 10%. Isso decorre do fato de que a participação do sócio na sociedade limitada é determinada pelo valor aportado pelo sócio (para fins de simplificação, estamos desconsiderando a possibilidade de ágio na emissão de quotas, em decorrência das divergências em matéria tributária sobre o assunto). 

Usando o mesmo exemplo, mas em uma sociedade anônima: imagine que a startup seja uma sociedade anônima, com capital social de R$ 10.000,00, dividido em 90.000 ações sem valor nominal (todas detidas pelos seus fundadores). É possível que o investimento dos mesmos R$ 990.000,00 seja formalizado por meio da emissão de apenas 10.000 ações sem valor nominal, a um preço de emissão de R$ 99,00 por ação. Como a participação societária na sociedade anônima é definida pelo número de ações (e não pelo valor pago por elas), nesse exemplo o investidor receberia apenas a participação acordada de 10% (representada por 10.000 ações) e os fundadores manteriam uma participação de 90% (representada por 90.000 ações).

Por fim, destacamos que, caso a captação seja formalizada por meio de instrumentos conversíveis (mútuo conversível, por exemplo), a transformação da sociedade em uma sociedade anônima só precisa ser feita no momento da conversão do valor do aporte em participação societária, pelos mesmos motivos expostos nos exemplos acima.

Stock Option Plans

Caso a criação de um stock option plan (plano de opção de compra) seja fundamental para a startup, a escolha pela forma de uma sociedade anônima é muito benéfica (apesar de não ser essencial) para a estruturação de um plano adequado.

Dentre outros, os principais benefícios da sociedade anônima para a estruturação de um stock option plan são: 

  1. Possibilidade de emissão de ações preferenciais sem direito a voto, viabilizando a entrega de direito econômicos aos colaboradores sem uma ingerência do ponto de vista político na sociedade (apesar de não ser vedada a criação de quotas preferenciais sem direito a voto em sociedades limitadas, o Código Civil é omisso em relação ao tema);
  1. Possibilidade de criação de ações ordinárias com voto plural, permitindo a entrega de mais participação societária aos colaboradores, com a manutenção do poder político e de controle na figura dos fundadores;
  1. Maior facilidade para formalizar a transferência das participações aos colaboradores, sendo necessária apenas a escrituração dos livros de transferência e de registro da companhia (não há necessidade de elaborar alterações de contrato social para transferir participações, como ocorre nas sociedades limitadas).

Não deixe de conferir os nossos artigos “Planos de Stock Option: atração, retenção e motivação de colaboradores estratégicos” e “O Impacto do Marco Legal das Stock Options para as Startups”, em que tratamos dos Planos de Stock Option com muito mais detalhes.

Conclusão

Você provavelmente percebeu que são inúmeras variáveis que deverão ser consideradas para que você consiga escolher o melhor tipo societário para a sua startup. O objetivo desse artigo foi listar alguns dos principais aspectos que normalmente são levados em consideração para fazer essa escolha.

É importante destacar que as alterações recentes na Lei das S/A eliminaram muitos entraves que existiam para que startups adotassem a forma de sociedades anônimas. Se as características da sociedade anônima se adequarem ao objetivo da sua startup, é bem provável que seja viável a opção por esse tipo societário.

Caso tenham ficado com alguma dúvida ou precisem de auxílio para fazer a escolha correta, entre em contato com o nosso time. Teremos o maior prazer em atendê-lo(a).

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