*Por Guilherme Rocha Capuruço e Gabriel Guimarães Arlé
De acordo com pesquisas conduzidas pela Höft Consultoria, sete a cada dez sociedades constituídas no Brasil acabam se encerrando devido a disputas societárias. Tratando especificamente das startups, essa realidade não é diferente. Um outro estudo, dessa vez liderado pela Fundação Dom Cabral, concluiu que: (i) ao menos 25% das startups não duram mais de um ano; (ii) ao menos 50% das startups não duram mais de cinco anos; e (iii) ao menos 75% das startups não duram mais de 13 anos.
Quem se surpreende com esses números também pode se interessar em compreender as possíveis causas de sucesso ou falha de startups. Afinal, considerando as peculiaridades dessas empresas, é uma vantagem relevante prevenir desavenças que poderiam inaugurar uma disputa societária e levar ao encerramento prematuro do negócio. E uma vez instaurada a disputa, saber quais são os instrumentos adequados para resolução também é altamente recomendável.
Como é amplamente conhecido, a relação entre os sócios dentro de uma startup é caracterizada por um certo grau de informalidade, especialmente quando comparada a negócios considerados mais tradicionais e já estabelecidos. A maioria das startups se inicia a partir de um pequeno grupo de pessoas com ideias semelhantes, ou mesmo entre amigos. Normalmente, nos primeiros anos de fundação, os sócios não se preocupam em deixar claros os acordos que devem nortear a relação entre si, muito menos definem como os conflitos deverão ser resolvidos. No entanto, não ter um instrumento que regule essa relação entre os sócios pode ser fatal.
Por vezes, a informalidade traz benefícios ao ambiente de trabalho e destrava processos decisórios, mas deve ceder espaço quando o assunto é a estruturação jurídica-societária da empresa. Não é exagerado dizer que uma das principais razões que levam ao fim das startups seja a falta de lugar para um regramento bem definido entre os sócios fundadores. Por causa disso, existem alguns pontos de atenção que devem ser observados logo no início do relacionamento corporativo.
Em primeiro lugar, é fundamental formalizar adequadamente o documento que juridicamente constitui e dá vida à startup. Como empresas que são, esse documento será o contrato social (no caso de startups constituídas sob a forma de sociedades empresárias de responsabilidade limitada) ou o estatuto social (no caso de sociedades anônimas). De uma forma bem genérica, contratos e estatutos sociais são os instrumentos que regem a vida da sociedade. Neles devem estar previsos, dentre tantos outros direitos e obrigações da sociedade e de seus sócios, quais são o objeto e sede sociais, o capital social e como ele foi e será investido (dinheiro, bens etc.) e dividido entre os sócios, o prazo de duração da sociedade, os quóruns de deliberação para além daqueles previstos em lei e a forma de administração da sociedade, o compartilhamento de lucros e perdas, a forma de admissão e exclusão de sócios.
Outra definição relevante diz respeito aos critérios de avaliação que serão utilizados para liquidar as quotas ou ações se um sócio ou acionista decidir deixar a empresa. Se esses critérios estiverem bem definidos, tanto pode haver uma maior prevenção de disputas relacionadas à dissolução da sociedade, quanto as disputas eventualmente instauradas poderão ser solucionadas de uma forma mais previsível e segura.
Essas medidas podem parecer simples, mas é altamente recomendável que acordos verbais deem lugar a acordos por escrito, seja em papel ou eletronicamente. Mesmo que no início da vida da startup haja uma relação de confiança entre os sócios fundadores, o cotidiano de um negócio pode mudar essa realidade.
Além desses documentos constitutivos, outro documento relevante e especialmente útil para startups é o acordo de sócios, também denominando acordo de quotistas, em caso de sociedades empresárias limitadas, e acordo de acionistas, em caso de sociedades anônimas. Através desse documento, os sócios, quotistas ou acionistas, delineiam seus direitos e obrigações e descrevem como a empresa deve ser gerida. O acordo pode incluir seções que definem a precificação justa das quotas/ações, especialmente em caso de alienação. Ele também permite que sócios decidam se partes externas podem se tornar futuros sócios, além de proteger os sócios minoritários.
Especificamente no caso de startups, um acordo de sócios desempenha um papel muito importante no procedimento de tomada de decisões e na gestão cotidiana da empresa. É por meio desse documento que os sócios irão: (i) definir as regras sobre o direito de voto ou veto em determinados assuntos; (ii) estabelecer os quóruns de deliberação; (iii) determinar a dedicação, incluindo o tempo, de cada sócio ao negócio; e (iv) definir os meios de resolução de disputas societárias, entre outras matérias.
Muitas startups falham porque os fundadores não conseguem resolver disputas de maneira amigável. Uma definição prévia e clara de um acordo de sócios pode prevenir disputas fatais sobre a gestão e as finanças no futuro.
Outro ponto que merece atenção diz respeito à separação entre os patrimônios da sociedade e dos sócios. Nas fases iniciais de uma startup, quando geralmente há escassez de recursos, os sócios fundadores enfrentam dificuldades para manter contas pessoais e empresariais separadas. Se, por exemplo, o sócio faz retiradas da conta empresarial para pagar despesas pessoais ou vice-versa, não apenas isso é prejudicial do ponto de vista fiscal, mas também pode levar ao que é conhecido como desconsideração da personalidade jurídica. Nessa situação, os ativos pessoais dos sócios podem ser acessados para pagar as dívidas da empresa.
Uma dica adicional para startups envolve evitar o uso de modelos de contrato encontrados online. Mesmo que possa ser caro, é importante contratar advogados profissionais para redigir o tipo exato de contratos que a empresa precisa.
Além disso, os sócios devem ter cuidado para evitar os riscos de os tribunais reconhecerem contratos de trabalho dentro da startup. Se a estrutura de contratação não estiver bem definida, desde os cargos da alta administração até a equipe operacional, a empresa poderá estar sujeita a inúmeras ações judiciais e acordos muito dispendiosos.
Um contrato muito comum no contexto de startups é o “contrato de vesting”, que regula o direito de aquisição de quotas/ações por um colaborador, se ele atender a requisitos previamente estabelecidos. Nesse tipo de contrato, é importante que a futura relação corporativa seja muito bem definida. Além disso, já houve casos em que os tribunais reconheceram uma relação de emprego durante o período em que o empregado aguardava para se tornar um sócio.
Em conclusão, é fundamental que a estrutura legal das startups seja formalmente regulamentada, desde o início, por regras claras e objetivas. Essas regras podem não apenas prevenir disputas societárias que levariam ao fracasso da empresa, mas também prejuízos e responsabilidades para a própria empresa e os próprios sócios.
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