Corporate venture capital
Corporate venture capital

*Por Adriano Ferraz, Juliana Marcincowski e Paula Mello

O mundo corporativo é cada vez mais influenciado pela velocidade das inovações de produtos, processos e modelos de negócios. Tal fenômeno já foi explicado pelo austríaco Joseph Schumpeter em sua teoria da Destruição Criativa, segundo a qual as inovações operam profundas transformações no capitalismo, substituindo estruturas velhas e obsoletas, por outras novas e mais eficientes. Nesse contexto, as grandes empresas precisam estar em constante movimento, acompanhando essas evoluções, para assegurar sua perenidade e evitar que se tornem obsoletas diante do surgimento (cada vez mais veloz) de negócios inovadores e disruptivos.   

Ao mesmo tempo, as startups buscam assegurar sua existência, especialmente porque o ambiente de negócios é altamente competitivo. Tais sociedades, notadamente quando estão em seu estágio inicial, possuem desafios como a escassez de recursos financeiros para a expansão e desenvolvimento de seus negócios, a necessidade de desenvolvimento de seus produtos e serviços e o acesso ao mercado consumidor.

A complementariedade entre a disponibilidade de recursos das grandes corporações e a abundância de inovação das startups com modelo de negócios que possui alto potencial de escalabilidade geram um ambiente ideal para o desenvolvimento e fortalecimento do Corporate Venture Capital, também conhecido como “CVC”. Em breve síntese, o Corporate Venture Capital pode ser definido como uma estratégia de investimento minoritário, por meio do qual as grandes corporações investem nas soluções desenvolvidas por empresas com propostas inovadoras, em startups recém-constituídas ou em fase de crescimento. 

Principais vantagens do Corporate Venture Capital

O Corporate Venture Capital é uma iniciativa ligada à inovação aberta, com o intuito de promover o desenvolvimento de novos negócios, soluções e tecnologias para as empresas por meio do emprego de recursos externos à organização. 

Sob o aspecto dos investidos (via de regra, as startups), os principais benefícios do Corporate Venture Capital são: (i) a obtenção de recursos financeiros ; (ii) o aumento de exposição no mercado e, consequentemente, o fortalecimento da marca; (iii) a sinergia com as operações da investidora, permitindo, dentre outros, a otimização de processos, e o acesso a tecnológicas da própria investidora que sejam complementares; e (iv) o aumento de transações com a investidora, bem como o acesso a novos clientes, fornecedores, estrutura gerencial e recursos, que darão tração ao ganho de escala desejado pela empresa investida. 

Do ponto de vista dos investidores, o Corporate Venture Capital é um mecanismo de investimento com viés estratégico. A investidora tem interesse em impulsionar o desenvolvimento das atividades da investida, visando a otimização das sinergias entre investidor e investida, sem esquecer do retorno financeiro almejado no investimento. Nesse sentido, geralmente, o retorno financeiro é decorrência direta desse desenvolvimento. 

Quem são os Potenciais Investidores

Regra geral, os investidores são as grandes empresas ou grupos empresariais já consolidados no mercado, com muitos anos de atuação e know-how qualificado, especialmente no que diz respeito à gestão de negócios. Em razão disso, percebem a necessidade de contínuo acompanhamento de inovações e modernização de produtos, processos ou modelo de negócio, ou mesmo a necessidade de ampliar horizontes e diversificar soluções, visando estar sempre à frente de seus concorrentes e acompanhar o avanço no setor (especialmente tecnológico). 

Nesse sentido, as empresas com esse perfil consolidam-se cada vez mais como investidoras tradicionais nas modalidades de CVC, considerando que a aquisição de uma participação em uma sociedade que propõe uma inovação tende a ser mais vantajosa do ponto de vista operacional e/ou financeiro. 

O Corporate Venture Capital é uma modalidade de investimento que comporta diversos tipos de estrutura. Ainda do ponto de vista do investidor, este pode ser a própria corporação ou um veículo especialmente criado para esse fim. O veículo mais tradicional a ser utilizado é  Fundo de Investimento em Participações (FIP). 

Os Fundos de Investimento em Participações estão voltados à aquisição de participações societárias em sociedades. Os ativos sujeitos aos investimentos pelo FIP são as próprias quotas ou ações de sociedade, ou até mesmo as figuras de bônus de subscrição, debêntures e demais títulos ou valores mobiliários conversíveis em participação societária. 

A criação dos fundos de investimento em participações pela corporação está sujeita à regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários e possui benefícios operacionais relevantes. Destaca-se, abaixo, alguns dos principais benefícios:

  1. a utilização de um agente “intermediário” resulta em um distanciamento maior entre o core business do investidor e os riscos inerentes às atividades da investida, que tendem a ser maiores quando comparados a investimentos mais tradicionais e conservadores;
  1. a organização do portfólio das startups, que favorece a proximidade da gestão do fundo (com maior expertise nesse tipo de investimento) com a administração das investidas; e
  1.  ganhos ou incentivos tributários para o investidor, de acordo com a estrutura sociedade do investidor. 

Os CVC também pode ser associado as iniciativas de incubadoras e aceleradoras externas ao investidor, o que contribui para que as startups participem de um ecossistema de empreendedorismo, em busca do sucesso do negócio. As incubadoras e aceleradoras são voltadas para startups em seu estágio inicial de desenvolvimento. 

As incubadoras oferecem apoio estrutural e, ocasionalmente, financeiro, para as startups em sua fase inicial. Em razão de sua atuação nas fases mais incipientes da formação de um produto ou serviço e pela sua característica de privilegiar o fornecimento de assessoria técnica e mentorias ao empreendedor, as incubadoras estão comumente associadas a entes públicos, instituições de ensino ou instituições de fomento à ciência e/ou ao empreendedorismo sem fins lucrativos. 

As aceleradoras, por fim, visam impulsionar as atividades de uma startup por meio da oferta de programas de mentorias e criação de redes de networking entre empreendedores. Diferentemente das incubadoras, as aceleradoras, via de regra, estão vinculadas a instituições privadas e seu apoio pode resultar no fornecimento de recursos financeiros e, em contrapartida, na aquisição de participação societária da startup, visando o ganho com potencial evento de liquidez ou operações societárias futuras.  

O Panorama das CVC’s no Brasil

No Brasil, o Corporate Venture Capital vem ganhando força nos últimos anos. Segundo um estudo realizado pela consultoria Bain & Company, entre 2015 e 2021, o número de deals com participação de CVCs cresceu, em média, 19% ao ano. 

Conforme depreende-se do relatório elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em conjunto com a Mobilização Empresarial pela Inovação e ACE Cortex, em 2021 foram movimentados cerca de US$ 2,1 bilhões em investimentos na modalidade CVC por fundos brasileiros, fazendo com que o Brasil lidere o movimento na América Latina. O relatório é baseado em pesquisa realizada com empresas de mais de 15 (quinze) setores e indica que, entre aqueles que responderam a pesquisa, aproximadamente 49,2% realizam ou já realizaram investimentos de Corporate Venture Capital. Dos 50,8% que ainda não realizaram, 10,2% estariam se preparando para ingressar nesse mercado. Atualmente, existem diversos programas de Corporate Venture Capital em atividade no Brasil, em diversas empresas de inúmeros setores, dentre os quais se destacam os programas da ArcelorMittal (Açolab), do Itaú (Cubo), Unilever (Unilever Ventures Limited), Telefônica (Waira); Bradesco (Inovabra Ventures), dentre muitos outros

Tal panorama sinaliza o apetite do investidor brasileiro para soluções inovadoras nos mais diversos setores da economia. 

Pontos de atenção na estruturação de um CVC

Não obstante ao exposto, é recomendado que tanto o investidor como a investida tomem algumas precauções para que as transações no âmbito dos CVCs sejam bem-sucedidas e mutuamente benéficas. 

Embora não haja uma receita para o sucesso, existem boas práticas a serem tomadas pelas partes para assegurar não apenas um bom deal¸ mas também a perenidade do investimento e a materialização do retorno esperado com a operação. 

Por parte da investida, é preciso delimitar bem os objetivos da empresa e, consequentemente, como os objetivos da investidora se amoldam a essa visão. É preciso ter cautela na escolha de um investidor e na definição do seu papel, para buscar uma sinergia de fato, especialmente alinhada com os objetivos, cultura e visão da empresa investida. É importante, ainda, que a estrutura organizacional tenha processos internos bem estruturados para otimizar o tempo de negociação e estar adequado ao acompanhamento do investimento que será feito pelo investidor. 

Já para o investidor, é preciso definir por exemplo, os resultados esperados e expor, com clareza, a finalidade do investimento e o grau de comprometimento que está disposto a assumir. Além disso, para evitar a depreciação do produto ou serviço após a realização do investimento, é recomendado mapear as pessoas e ativos chave para a transação da investida, sem as quais não faria sentido investir, e negociar cláusulas para garantir a permanência dessas pessoas no negócio. Por fim, o investidor deve adaptar os seus procedimentos internos para a gestão desse investimento, tendo em vista que as circunstâncias que envolvem a sociedade investida envolvem dinamismo e velocidade (que são requeridos pelo mercado), não devendo ser esquecido o cuidado, governança e gestão de riscos exigidos pelas matrizes dos investidores. 

Ainda assim, todas as cautelas, embora mitiguem os riscos inerentes ao negócio, não são suficientes para blindar investidores e investidas dos riscos inerentes às operações de CVC, que decorrem, prioritariamente, das características elementares do investidor e da investida, que naturalmente são antagônicas em diversos aspectos. Tal assunto será abordado no próximo artigo sobre os riscos desse tipo de operação.

Este artigo integra uma série de artigos sobre Corporate Venture Capital e que serão publicados semanalmente aqui na coluna Freitas Ferraz Advogados no Startups.

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