Coluna

O mercado de ações brasileiro ainda odeia a Nova Economia!

Foto do Diego Barreto VP de finanças e estratégia do Ifood - Startups

Há quase 15 anos vivemos a Nova Economia no Brasil e ainda vejo parte da Faria Lima insistindo em duvidar do valor conferido pelos venture capitalists às startups e às empresas tradicionais que deixaram a Velha Economia. “Não passa de uma bolha”, alegam alguns, de forma tão rasa que até parece conversa de botequim. Como se as empresas com modelo de negócio digital, responsáveis por negócios reais, de alto crescimento, flexíveis e altamente defensáveis, fossem pouca coisa.

Essa postura de parte do coração financeiro de São Paulo só reforça minha convicção de que o mercado de ações brasileiro não compreende a Nova Economia. Quer um exemplo? Preste atenção no medo de muitos ao entrar no IPO do Nubank, alegando que a empresa praticamente não dá lucro. Dá até pra sentir o cheiro de mofo da Velha Economia demarcando território com esse tipo de argumento. Ou então fazendo comparação por múltiplos com bancos tradicionais com dezenas de anos de vida. É essa a discussão correta sobre o Nubank?

Mas não se trata apenas de falta de visão. Esse comportamento tem raízes profundas. Em um país historicamente submetido a empresas protegidas pelo Estado, e onde o empreendedor nasce para morrer, não aprendemos a olhar o valor intrínseco inserido no modelo de negócio das boas empresas da Nova Economia. No Brasil, gosta-se mesmo é de empresas protegidas, com pouca competição, gerando lucros enormes e distribuindo seus dividendos enormes, por falta de opções de investimento. É o famoso “se não tem onde investir, devolva o dinheiro ao acionista”, ou seja, ficam viciados no manual universitário de finanças corporativas, pois ignoram o conceito de valor intrínseco de inovações com potencial disruptivo.

Recentemente um gestor de um fundo ligou-me e perguntou “como pode o Nubank valer tudo isso se só no segundo trimestre de 2021 o lucro líquido do Itaú foi de R$ 6,5 bilhões, ou seja, 2,6 vezes a receita do Nubank?”. Embora os múltiplos sejam, de fato, muitas vezes uma forma para avaliar empresas maduras e de crescimento mais lento, na Nova Economia, com empresas de alto crescimento, os múltiplos tendem a ser um subproduto do processo do valuation. Na Nova Economia, os investidores devem entender os possíveis múltiplos de saída! Costumo dizer para meus amigos gestores que ainda têm a cabeça na Velha Economia que o valor intrínseco de uma empresa de forte crescimento via tecnologia é resultado de uma série de cenários prováveis (vs probabilidades inexistentes em uma empresa da Velha Economia). Nas palavras dos sócios do fundo de venture capital Andreessen Horowitz: “os fins (possíveis valores de exit) podem justificar os meios (valuation atual aparentemente mais alto)[1]”.

E onde está, atualmente, o valor intrínseco das empresas? Está na sua capacidade de gerar tecnologia proprietária de ponta e sistematizar de forma única a tecnologia de terceiros. Quase duas décadas atrás, Jeff Bezos, fundador da Amazon, disse aos seus colaboradores que a companhia não era varejista, e sim uma empresa de tecnologia: “Nosso negócio não é o que está nas caixas marrons. É o software que envia as caixas marrons para os clientes. Nossa capacidade de vencer está na capacidade de organizar partículas magnéticas em discos rígidos melhor do que nossos concorrentes. É a realidade inescapável do futuro, em que a massificação do acesso à tecnologia impulsiona o crescimento e gera valor por meio da produtividade – caminho realmente capaz de tornar um país mais competitivo, com queda de preços e aumento de salários e empregos.[2]

Para ilustrar essa revolução, lembro aqui o processo de digitalização realizado pelo jornal norte-americano The New York Times[3]. Esses caras precisavam guardar suas edições de 1851 até 1989. Em vez de adquirirem novos hardwares, transferiram os arquivos TIFF para a nuvem EC2 da Amazon. O processamento, em cima de um dataset de 3 terabytes, levou 24 horas, usando 100 instâncias (servidores virtuais) e custou 240 dólares. Se não fosse em cloud, seriam necessários vários meses para adquirir e instalar 100 servidores, e a um custo de dezenas de milhares de dólares. Por aqui também temos um exemplo que ajuda a dimensionar o tamanho da mudança. Mais de 200 mil arquivos enviados pelos candidatos ao programa BBB da Rede Globo tinham de ser convertidos pela PUC-RJ para um único formato. Um detalhe importante: todos os anos, cerca de 60% das inscrições sempre chegam nos últimos dias do prazo, o que cria a necessidade de processar rapidamente um volume absurdo de vídeos. Antes do uso do cloud computing era preciso comprar vários servidores para fazer o trabalho, que depois da seleção perdiam a utilidade. Com o uso da nuvem, o custo para processar mil vídeos caiu para cerca de 500 dólares.

Conectividade em larga escala

No Brasil, depois de uma longa história de isolacionismo, a globalização e os negócios digitais romperam barreiras. O que os leigos ­– ou atrasados – não percebem é que mais e mais empresas estão operando com modelos de negócios digitais, têm escalado os rankings a partir de tecnologia proprietária espelhada em seus softwares e estão derrubando estruturas estabelecidas. Agora, tudo está disponível. Ferramentas de programação e serviços na nuvem facilitam o lançamento de soluções sem a necessidade de investir em infraestrutura e treinamento de funcionários.

Somos o país com maior grau de adoção de cloud computing na América Latina. Esse setor deve crescer 74% por aqui nos próximos três anos, segundo a IDC ­(International Data Corporation), empresa líder em inteligência de mercado na área de tecnologia. Ainda sobre números, não temos só boas notícias. Embora o Brasil lidere a adoção regional do serviço de cloud computing, está bem longe dos países desenvolvidos. Em uma pesquisa feita pela BSA com 24 países, ficamos na 22ª posição. Em compensação, dados da empresa Matrix apontam que o custo desses serviços caiu 50% nos últimos quatro anos. Basta seguir a lógica: com custos iniciais mais baixos e um mercado amplamente expandido para serviços online, o resultado é uma economia digitalmente conectada, com empresas da Nova Economia na ponta. Exemplos vencedores não faltam. Temos a Frete.com na área de fretes; Magalu, Mercado Livre e Olist como maiores varejistas; Nubank despontando como banco mais valioso; 99 na disputa pela liderança do transporte; e o iFood, maior empresa nacional de comida.

Para quem a ficha ainda não caiu, fica o alerta: uma onda está chegando e inclui até mesmo setores que hoje são baseados em software. Grandes empresas de tecnologia nacionais serão cada vez mais ameaçadas por novas ofertas como Conta Fácil, Conta Azul e Clara. Em alguns segmentos – especialmente aqueles com um componente pesado do mundo real, como incorporação imobiliária – a revolução da tecnologia digital é principalmente uma oportunidade para os operadores tradicionais. Mas, em muitos outros, novas ideias resultarão no surgimento de empresas ao estilo de startups para ocupar territórios. Nos próximos 10 anos, as batalhas entre os incumbentes e os insurgentes acionados por software serão épicas. Ficaremos sentados assistindo e comendo pipoca (em casa, pois será via streaming).

Ninguém disse que seria fácil

É inegável que ainda temos muitos problemas. Nos faltam pesquisas, cultura de alto risco, fundos de investimentos em busca de inovação e um ambiente de negócios com segurança jurídica. As empresas da Nova Economia enfrentam fortes ventos contrários. Em contrapartida, tornam-se extremamente antifrágeis. Pesa também entre as dificuldades o fato de que a maioria dos brasileiros não possui as habilidades necessárias para participar das empresas da Nova Economia. E o problema não está na capacidade individual, mas sim na educação. O que é muito pior do que parece, porque faz com que os talentos fiquem presos no lado errado da força, ou seja, na Velha Economia.

Diante de todo esse cenário, é fácil deduzir que a criação de uma nova empresa de alto crescimento movida a software em um setor já estabelecido não é simples. Acredite: é extremamente difícil! E, sim, reconheço que os negócios da Nova Economia ainda precisam sedimentar culturas fortes, encantar seus clientes, estabelecer suas próprias vantagens competitivas e, claro, justificar os valuations crescentes.

Mas, por mentorar centenas de startups nos últimos anos em vários ecossistemas, como a Endeavor, investir em dezenas de startups e trabalhar em ícones da Nova Economia (Movile e iFood) posso dizer que a nova geração de empreendedores é realmente boa, muitos estão à frente de empresas que serão fundamentais para a economia brasileira e atuarão em mercados internacionais com um impacto muito maior do que as corporações nacionais historicamente têm sido capazes de fazer. Essa é a grande oportunidade para o Brasil. É nela que coloco minha carreira, meu dinheiro e meu tempo.

Ps.: Pedido importante aos tiozões ainda existentes na Faria Lima: em vez de questionar constantemente os valuations, tentem entender como as empresas da Nova Economia estão atuando, quais as consequências para o Brasil e o que podemos fazer coletivamente para expandir a quantidade de modelos de negócios digitais criados no país. Por falar em bolhas, que tal sair do mundinho restrito em que alguns de vocês ainda vivem?


[1] Fonte: https://future.a16z.com/entry-multiples-dont-matter/

[2] Fonte: Nova Economia, Diego Barreto, Editora Gente

[3] Fonte: https://www.serpro.gov.br/menu/noticias/noticias-antigas/impactos-economicos-da-computacao-em-nuvem