Por Thiago Riccio, Marcela Assis e Elias Giovanini
Mineração sustentável: uma pauta cada vez mais atual
“Mineração sustentável” é o termo usado pelo mercado para designar a extração de recursos minerais que busca minimizar os seus impactos ambientais e sociais. Segundo a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMIN), instalada no Congresso Nacional em março de 2023 a partir das tragédias de Brumadinho/MG e de Mariana/MG, a mineração sustentável envolve um modelo de negócio com padrões ESG – sigla em inglês para Environmental, Social, and Governance (Ambiental, Social e Governança). O termo vem ganhando destaque nos últimos anos em virtude da demanda da sociedade como um todo de práticas mais conscientes no setor minerário.
Seja pelo seu papel na economia mundial, seja pelos potenciais e efetivos impactos ao meio ambiente e às comunidades locais, a atividade minerária é tida como uma importante aliada na construção de um mundo mais sustentável. Durante a 24ª edição do World Mining Congress (WMC), por exemplo, debateu-se o papel da mineração na implantação da Agenda 2030, um plano de 17 ações da Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento sustentável, denominadas Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No Brasil, a preocupação com o meio ambiente é refletida nos principais diplomas legais e regulatórios do setor – a saber, o Código Minerário (Decreto- Lei nº 227/1967), seu Regulamento (Decreto federal nº 9.406/18) e a Portaria nº 155/2016/DNPM.
A introdução de práticas mais responsáveis em uma atividade marcada por externalidades negativas é tarefa desafiadora que requer mudanças. Esse contexto está intrinsecamente ligado à inovação e soluções disruptivas, terreno fértil para as startups. Não por outro motivo, uma pesquisa da consultoria BIP Brasil em parceria com a Federação das Indústrias de Minas Gerais identificou 42 startups pelo mundo com foco em tecnologias e processos para a mineração ser mais sustentável, das quais 22 são brasileiras.
Este artigo objetiva discutir de que maneira o poder público e a iniciativa privada fomentam a mineração sustentável e como as startups podem desempenhar um papel crucial nesse movimento.
Mineração sustentável e a legislação e a regulamentação do setor minerário
Em diversas passagens, o Código Minerário reforça a obrigação do titular do direito minerário de observar os requisitos previstos na legislação ambiental. Há previsão expressa nesse sentido no art. 43-A, caput, que trata da obrigação de recuperação do meio ambiente degradado e da responsabilidade ambiental civil, administrativa e penal.
Na hipótese de o concessionário praticar atividades de lavra, de beneficiamento ou de armazenamento de minérios, ou de disposição de estéreis ou de rejeitos em condições que resultem em graves danos à população ou ao meio ambiente, o Código Minerário dispõe que será instaurado processo administrativo de caducidade do título. E, ainda que a caducidade seja declarada, o concessionário permanecerá obrigado a apresentar o Plano de Fechamento de Mina e o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, dos quais constarão os atos de recuperação ambiental e de reparação/indenização dos danos causados.
No âmbito do Regulamento do Código Minerário, durante todas as fases da atividade minerária (incluindo, pesquisa, lavra, desenvolvimento da mina, beneficiamento, transporte e comercialização dos minérios), tem-se a responsabilização do minerador pela prevenção, mitigação e compensação dos impactos ambientais decorrentes da atividade, incluindo os impactos relativos ao bem-estar das comunidades envolvidas e ao desenvolvimento sustentável no entorno da mina. Em caso de degradação, o Decreto também prevê que a recuperação do meio ambiente compreenderá, dentre outras atividades, o fechamento da mina e o descomissionamento de todas as instalações.
Por sua vez, a Portaria nº 155/2016/DNPM, que aprovou a consolidação normativa do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”), também traz disposições de destaque. Por exemplo, ela exige que o titular, ao pleitear a guia de utilização (“GU”) (autorização excepcional de extração de substâncias minerais antes da fase lavra mineral), deve apresentar declaração com justificativa técnica e econômica que, dentre outras informações, descreva as medidas de controle ambiental e de reabilitação da área a ser minerada. Inclusive, a própria eficácia da GU é condicionada à obtenção da licença ambiental, de modo que, em caso de vencimento da licença, a GU perderá a sua eficácia. E mais: após a extinção da guia, o titular é encarregado de promover a recuperação ambiental da área.
Lógica semelhante à que é aplicada à GU ocorre no momento de outorga do registro de licença, da permissão de lavra garimpeira (PLG) e da concessão de lavra, uma vez que o interessado deverá comprovar a obtenção da licença ambiental.
Assim, sob uma perspectiva legal e regulatória, o Brasil demonstra preocupação com a sustentabilidade em todas as etapas da atividade mineradora, independentemente do regime de exploração, estabelecendo uma série de obrigações nesse sentido para serem cumpridas pelo minerador.
Nesse contexto, as startups têm o potencial de oferecer soluções eficientes e inovadoras para auxiliar as empresas mineradoras a atenderem a essas exigências de forma mais eficaz. Por exemplo, por meio de inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT) e análise de dados, as startups podem desenvolver sistemas de monitoramento ambiental em tempo real, permitindo um controle mais eficaz dos impactos ambientais da atividade mineradora. Além disso, métodos e processos mais eficientes podem ser criados a partir de soluções inovadoras, as quais podem permitir uma melhor e mais eficiente recuperação do meio ambiente pós-extração, além de robustecer a prevenção, a mitigação de impactos ambientais adversos e a compensação das comunidades afetadas.
Mineração sustentável e iniciativa privada
Alternativamente à tradicional solução estatal para impulsionar as práticas sustentáveis no setor minerário, tem-se soluções empresariais nas quais os agentes, por iniciativa própria, inserem as variáveis sociais e ambientais em seus processos internos.
Sob esse prisma, o Ministério de Minas e Energia (MME) já reconheceu que uma maneira eficaz de promover a mineração sustentável é por meio do apoio ao setor privado na elaboração de diretrizes ESG para o setor, de modo a incentivar as próprias empresas a internalizarem as melhores práticas internacionais. Tais diretrizes reforçariam a ideia de que, na atualidade, as empresas de mineração não mais devem atuar visando unicamente o lucro e benefícios econômicos, mas se esforçar para aprimorar as relações com seus funcionários, com terceiros, com o meio ambiente e com as comunidades de alguma forma relacionadas às atividades.
Foi nesse contexto que o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), associação privada que reúne empresas responsáveis por 85% da produção mineral do país, passou a incentivar pesquisas e estabelecer metas internas para as empresas promoverem práticas ESG e disseminar a mineração sustentável. Em 2019, por exemplo, o Instituto publicou a “Carta Compromissos à Sociedade: ESG da Mineração”, na qual relacionou ações e metas para os empreendimentos minerários, agrupadas em 12 áreas, como energia, águas, mitigação de impactos ambientais, saúde e segurança ocupacional. Atuações como essa orientam as empresas do setor a se adequarem às práticas sustentáveis exigidas pelo poder público, pela sociedade civil e, cada vez mais, pelo mercado.
O cumprimento dessas metas, mesmo que não obrigatório, requer cada vez mais soluções inovadoras e não tradicionais. É um ambiente ideal para o florescimento e avanço das startups, cujas soluções, semelhantes às demandas das obrigações legais e regulatórias, podem auxiliar as empresas mineradoras a alcançarem ações e metas estabelecidas pelo mercado.
Cases Práticos
Diante desse novo compromisso com a sustentabilidade, diversos projetos inovadores de mineração envolvendo startups já foram implementados no Brasil, com destaque para o Mining Hub. Fundado em 2019 em Belo Horizonte/MG, o Mining Hub é um hub de inovação aberta voltada a integrantes de toda a cadeia da mineração. Com a intermediação do Mining Hub, empresas de mineração lançam desafios ao público, s quais as startups procuram resolver de forma inovadora e tecnológica. Ao final, a proposta mais promissora será escolhida para firmar uma parceria e concretizar o negócio.
Dentre as empresas angariadas pelo Mining Hub, pode-se citar a Beyond Mining. Fundada em 2019, a startup é uma mining tech focada no desenvolvimento de plataformas baseadas em inteligência artificial e machine learning (aprendizado de máquina) para solucionar problemas do dia a dia da operação, trazendo previsibilidade e otimização. A AngloGold Ashanti firmou parceria com a Beyond Mining para automatizar o seu sistema de desmonte de rochas e aumentar a segurança no uso de explosivos na mina subterrânea Cuiabá, em Sabará/MG. A tecnologia desenvolvida pela Beyond Mining permite ainda 84% de acurácia na previsão da fragmentação após a detonação.
Outra startup engajada pelo hub foi a Konker. Fundada em 2021, a empresa participou do programa de desafios e conseguiu parceria com a Anglo American e, posteriormente, com a Tetra Tech. A Konker desenvolveu uma tecnolocia que utiliza radiação cósmica para calcular informações como massa, volume, densidade e qualidade do minério de ferro sob determinado terreno, com precisão de 97%. A solução é ainda mais atrativa por possuir impactos ambientais reduzidos se comparada com as tecnologias tradicionais.
Conclusão
A mineração sustentável tem se tornado uma pauta de extrema relevância não só no Brasil, mas no mundo todo. A crescente conscientização sobre a preservação ambiental e o bem-estar das comunidades afetadas pela atividade mineradora, impulsionada pelas obrigações legais e regulatórias estabelecidas no ordenamento jurídico brasileiro e pelas metas e diretrizes delineadas pela iniciativa privada, está catalisando mudanças nas práticas das empresas do setor.
Diante desse cenário, as startups podem desempenhar um importante papel no desenvolvimento da mineração sustentável, fornecendo soluções inovadoras e disruptivas para os desafios ambientais e sociais enfrentados pelo setor. Com sua agilidade e capacidade de pensar além dos métodos convencionais, as startups possibilitam a criação de tecnologias e práticas que visam reduzir o impacto ambiental da mineração, promover o bem-estar das comunidades locais afetadas e impulsionar o desenvolvimento sustentável. Ao colaborar com startups especializadas em soluções sociais e ambientais, as mineradoras não apenas atendem as suas obrigações legais e regulatórias, mas também fortalecem sua reputação e laços com as comunidades onde estão inseridas, criando um ambiente propício para o crescimento econômico e social equilibrado.
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