B3. Foto: Divulgação/B3
B3. Foto: Divulgação/B3

A B3 quer democratizar o acesso ao mercado de capitais. É uma meta nobre, que ganha corpo com o recém-criado Regime FÁCIL, uma espécie de “atalho” regulatório para empresas com faturamento de até R$ 500 milhões abrirem capital com menos burocracia, menos custos e menos exigências. A iniciativa entra em vigor em 2026 e promete atrair startups e companhias emergentes ao universo da bolsa.

O problema é o timing. A bolsa brasileira vive o oposto de um ciclo de expansão. O número de empresas listadas voltou ao patamar de 2021, com 358 companhias, depois de alcançar quase 400 logo após o último boom de IPOs em 2020 e 2021. Só neste ano, 13 empresas já deixaram o pregão e há pelo menos nove novas OPAs registradas na CVM em andamento. É o maior movimento de fechamento de capital da década.

Desde o início de 2022, o país não viu um único IPO. Quatro anos sem uma oferta inicial. Nesse intervalo, o investidor local migrou em massa para a renda fixa. Com Selic em dois dígitos por praticamente todo o período e debêntures oferecendo retornos atrativos com menor risco, a renda variável perdeu relevância. O brasileiro voltou a ser o investidor de CDB, e não o de ações.

Em meio a esse cenário de desvalorização, controladores aproveitaram o momento para recomprar ações a preços de liquidação. O bear market prolongado fez várias empresas negociarem abaixo de seu valor patrimonial, e o custo de manter o capital aberto, entre auditorias, governança, relatórios ESG e obrigações trimestrais, tornou-se um luxo difícil de justificar.

Não à toa, nomes de peso deixaram a bolsa. O Carrefour decidiu seguir apenas com sua listagem internacional. Marfrig e BRF fundiram operações, reduzindo duas empresas listadas a uma. O Banco Pan será incorporado pelo BTG Pactual. A Gol já anunciou planos de fechar o capital no Brasil e buscar listagem no exterior. E outras estão na fila, como a CBA, da Votorantim, e a Neoenergia, que pode ser 100% incorporada pela espanhola Iberdrola.

No agregado, é um movimento de retração. E ele é facilitado por um novo arcabouço regulatório que, ironicamente, simplificou as saídas. A CVM revisou as regras das OPAs (Ofertas Públicas de Aquisição), reduzindo burocracias e permitindo alternativas ao laudo de avaliação. Na prática, ficou mais rápido e barato fechar o capital. O que, convenhamos, ajuda a esvaziar ainda mais a prateleira de empresas listadas.

Enquanto isso, a B3 tenta reverter a maré com o Regime FÁCIL. O novo modelo promete tornar o mercado mais acessível a pequenas companhias, dispensando relatórios trimestrais e de sustentabilidade, substituindo o Formulário de Referência por uma versão reduzida e simplificando o processo de registro. O discurso é o de “democratizar o acesso” e estimular a inovação.

Mas a pergunta incômoda é: acesso a quê?

O investidor local está retraído. O volume médio diário negociado em 2024 foi o menor em seis anos. O número de CPFs ativos na B3 caiu pelo segundo ano consecutivo. E mesmo entre as companhias que ainda estão listadas, o free float diminui; empresas recompram ações, fundos reduzem exposição e a liquidez se concentra em meia dúzia de papéis de sempre.

O risco do Regime FÁCIL é que ele ataque o sintoma, e não a causa. Facilitar listagens não é o mesmo que tornar o mercado atrativo. O problema da bolsa brasileira não está na dificuldade de abrir capital, mas na falta de incentivo para permanecer aberto.

Mais preocupante ainda é o risco de criar uma sub-bolsa, com empresas menores, menos transparência e baixa liquidez. Um mercado paralelo que pode até inflar os números de listagem, mas não necessariamente a qualidade ou a profundidade do mercado de capitais nacional.

A história ensina. O Bovespa Mais foi lançado com objetivos parecidos e nunca decolou. As empresas que aderiram enfrentaram pouca liquidez, escassa cobertura de analistas e baixo interesse de investidores institucionais. O resultado são empresas que ficaram listadas, mas invisíveis. O Regime FÁCIL corre o mesmo risco, só que agora o ambiente macroeconômico é ainda mais adverso.

Há um paradoxo claro no ar. De um lado, um mercado que se contrai e empresas que fogem do escrutínio público para reduzir custos e aproveitar valuations deprimidos. De outro, uma bolsa tentando compensar a debandada abrindo as portas para quem ainda nem chegou.

Enquanto o mercado fecha o capital das gigantes, a B3 se prepara para abrir espaço às pequenas. O gesto é louvável, mas o contexto é cruel. Democratizar o acesso é importante, mas não adianta distribuir convites para um baile que o público já abandonou. Sem uma mudança estrutural que recoloque o investidor de volta na renda variável, reduza o custo de capital e traga previsibilidade ao ambiente regulatório, o Regime FÁCIL corre o risco de ser apenas isso: fácil de entrar, difícil de justificar.

Venâncio Velloso

Responsável pela estratégia e jornada da transformação digital na Genial Investimentos. Tem + 17 anos de experiência no mercado digital como co-fundador de 3 startups (VTEX, Sapatino e WebPesados). Posteriormente, atuou como consultor de estratégia digital para grandes grupos como: Tracbel, Aliansce Sonae e Athie & Wohnrath e mais recentemente foi executivo do time de expansão do Marketplace na Amazon Brasil. Ele é formado em administração pela Babson College em´03 e mestre em Inovação, Estratégia e Marketing pela MIT (Massachusetts Institute of Technology) em ´17.

Responsável pela estratégia e jornada da transformação digital na Genial Investimentos. Tem + 17 anos de experiência no mercado digital como co-fundador de 3 startups (VTEX, Sapatino e WebPesados). Posteriormente, atuou como consultor de estratégia digital para grandes grupos como: Tracbel, Aliansce Sonae e Athie & Wohnrath e mais recentemente foi executivo do time de expansão do Marketplace na Amazon Brasil. Ele é formado em administração pela Babson College em´03 e mestre em Inovação, Estratégia e Marketing pela MIT (Massachusetts Institute of Technology) em ´17.