Mickey Mouse
Mickey Mouse

*Por Eugênio Corassa e Guilherme Guidi

Quem não conhece o Mickey Mouse? Parece seguro dizer que a figura do rato com voz engraçada que alegra a criançada é um ícone da cultura pop, mais conhecido que muita celebridade por aí. Juntamente com a sua dona, a Disney, que recebeu o apelido carinhoso de House of Mouse (A casa do Rato, em tradução livre).

Pois bem, com tamanha associação entre o personagem e a empresa, é de se esperar que o Mickey seja muito bem protegido, quase que com direito a ser guardado no cofre do Tio Patinhas, não? Acontece que, ao menos para a primeira animação do nosso querido Mickey, a principal proteção que esse tipo de obra carrega acabou em 01 de janeiro de 2024.

Mas o que isso tem a ver com a sua startup?

Calma que a gente te explica.

O caso “Steamboat Willie”

Em 01 de janeiro deste ano, a versão original do Mickey Mouse, retratada no curta-metragem animado “Steamboat Willie” tornou-se parte do domínio público nos Estados Unidos, marcando noventa e cinco anos desde sua publicação inaugural. Nesse contexto, essa versão icônica do personagem agora se torna acessível ao grande público, permitindo uma exploração mais ampla.

Embora a versão contemporânea e amplamente reconhecida do rato mais célebre do mundo continue sob proteção do direito autoral, sua forma original (o Mickey 1.0, por assim dizer) está agora disponível para apreciação e utilização por todos. 

É importante ressaltar que seu uso não deve visar enganar consumidores, levando-os a acreditar erroneamente que há uma associação com a Disney. Além disso, diversas marcas relacionadas ao Mickey permanecem vigentes sob a propriedade da Disney, impondo certas restrições a sua utilização (não, dificilmente você vai poder colocar “Mickey Mouse” em algum lugar do nome da sua empresa, se isso tiver passado pela sua cabeça).

Dessa maneira, o Mickey 1.0 segue um percurso semelhante a outras expressões artísticas, como o Ursinho Pooh, que entrou em domínio público em 01 de janeiro de 2022. Surpreendentemente (ou não), o ursinho (agora em domínio público) foi até mesmo incorporado em um filme de terror intitulado “Ursinho Pooh: Sangue e Mel”.

Diante dessa evolução, surgem questionamentos essenciais: o que são direitos autorais? O que significa estar em domínio público? E como essas considerações influenciam a atuação de uma startup? Vem com a gente.

Direito Autoral: o que é e por que é importante?

No vasto universo legal, destacam-se dois pilares fundamentais da proteção da propriedade intelectual: o direito de autor e a propriedade industrial. A proteção conferida à propriedade industrial visa resguardar criações vinculadas a atividades industriais, como invenções, marcas, desenhos industriais, patentes e indicações geográficas. 

Por sua vez, os direitos autorais, ou direitos do autor, constituem uma expressão jurídica essencial que abrange uma ampla gama de criações, desde obras literárias e artísticas até filmes, programas de computador, anúncios e desenhos técnicos. No cerne, os direitos autorais conferem aos criadores não apenas controle, mas também uma sólida proteção legal sobre o uso e reprodução de suas contribuições criativas. 

No Brasil, esse conjunto de direitos é amparado pela Lei de Direitos Autorais (LDA) e, no contexto de programas de computador, pela Lei de Software, beneficiando-se ainda das salvaguardas proporcionadas por regulamentos e tratados internacionais, como a Convenção de Berna.

Assim, a proteção das obras intelectuais, na forma do direito autoral, concede ao criador (e às empresas que os contratam) a liberdade de investir tempo e recursos na elaboração de obras intelectuais, almejando um retorno financeiro futuro, sem a preocupação de que seu conteúdo seja indevidamente replicado por terceiros.

O que é protegido ou não pela lei?

De acordo com a LDA, a proteção abrange obras intelectuais que sejam: 

  1. criações do espírito (originadas da mente humana); 
  2. expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte (expressas em conferências ou registradas em livros, por exemplo); 
  3. tangível ou intangível (pode ser algo físico como um livro ou virtual como a rede social); 
  4. conhecido ou que se invente no futuro (até pouco tempo atrás a internet não era uma realidade).

Na forma da lei, essa categoria envolve textos literários, artísticos, científicos, obras audiovisuais, fotográficas, desenhos, ilustrações e programas de computador. Em resumo, compreende ativos usuais em empresas, como a animação do Mickey 1.0. 

Contudo, nem tudo são louros e o primeiro ponto relevante é que a lei não protege meras ideias (incluindo ideias de negócio), fórmulas, conceitos matemáticos, etc.

Além disso, dois requisitos essenciais para a proteção do direito autoral são originalidade e novidade. Ou seja, a obra deve ser genuína, não uma cópia direta ou reprodução mecânica de algo preexistente, e, ao contrário de patentes, não precisa ser inédita – não precisam ser inéditas no sentido de nunca terem sido vistas antes, focando na originalidade da expressão.

Portanto, uma obra protegida em seu contexto é a exteriorização de uma expressão intelectual específica, concretizada pelo autor no mundo real. Importante notar que, enquanto reside na mente do autor, a obra não é legalmente protegida.

Quais são os direitos do autor garantidos pela lei?

A LDA assegura ao autor uma gama de direitos, divididos essencialmente em dois feixes: o direito moral e o direito patrimonial. O direito moral abrange as dimensões pessoais e inalienáveis do autor sobre sua obra, incluindo autoria, integridade e paternidade. Isso compreende o direito de ser reconhecido como autor, decidir sobre a divulgação da obra, manter sua integridade e opor-se a alterações que possam prejudicar sua reputação.

Por outro lado, o direito patrimonial está vinculado aos aspectos econômicos da obra. Ele engloba o direito de reprodução, distribuição, exibição, entre outros, com a possibilidade de transferência desses direitos. Esse conjunto de direitos permite ao autor ou detentor dos direitos autorais autorizar ou proibir a utilização comercial da obra, viabilizando a obtenção de remuneração pela exploração econômica (popularmente conhecido como royalties).

Em resumo, enquanto o direito moral guarda relação com a esfera pessoal e inalienável do autor em relação à sua obra, o direito patrimonial abarca os aspectos econômicos, capacitando o autor a controlar a exploração comercial da obra e obter benefícios financeiros.

Nesse contexto, é comum que autores regulamentem em contrato para que terceiros explorem economicamente suas obras, como no caso do autor de um livro que o publica em uma determinada editora. Para os seus empregados e colaboradores, a regra é a mesma.

Um exemplo prático é evidenciado por equipes de marketing em startups que desenvolvem e-books e materiais promocionais. A exploração econômica dessas criações, recai sobre a empresa, desde que devidamente acordada em contrato, no caso de prestadores de serviço. A mesma lógica se aplica a todas as criações intelectuais ou artísticas utilizadas ao longo da operação de uma empresa, desde uma peça publicitária até o design e identidade visual criados para seu modelo padrão de slides ou documentos.

Guarde o seguinte: pela lei brasileira, o simples fato de uma pessoa trabalhar para você não significa que tudo que ela produzir será seu, por isso precisamos deixar claro no contrato essa transferência de direitos.

Como proteger as obras e por quanto tempo são protegidas?

Outra consideração relevante diz respeito ao registro das obras autorais. Diferentemente das marcas, o registro de obras intelectuais é facultativo para fins de proteção de direitos, embora seja encorajado. No Brasil, esse registro é voluntário e, ao contrário do registro de marcas, não ocorre somente no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI).

De acordo com a natureza da obra, o autor pode optar por registrá-la na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. 

O direito autoral sobre aquela obra existe a partir do momento que ela é criada, de modo que o registro não é obrigatório. No entanto, o registro certifica que a obra foi depositada e registrada no nome do autor naquela data, facilitando a comprovação de autoria, por exemplo, em uma disputa judicial.

De toda forma, as obras são resguardadas por lei, garantindo ao autor a proteção dos seus direitos patrimoniais por setenta anos a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento. No caso de obras audiovisuais e fotográficas, a proteção é de setenta anos, a contar de 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação. Após esse período, o autor mantém os direitos morais, sendo imprescindível mencioná-lo como autor em qualquer reprodução de sua obra.

Após o término do período de proteção, as obras entram na esfera do domínio público, ou seja, podem ser utilizadas livremente. Além disso, também entram em domínio público obras de autores falecidos sem sucessores, bem como as de autores desconhecidos, excetuando-se a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.

Uma vez que uma obra entra em domínio público, pode ser utilizada para diversos fins, como é o caso do livro “Orgulho, Preconceito e Zumbis“, que incorporou zumbis à obra clássica de Jane Austen, já em domínio público. 

Contudo, é crucial observar que a sua utilização não ocorrerá de forma indiscriminada, pois certos personagens, conteúdos ou aplicações podem contar com proteções adicionais. No caso do Mickey, por exemplo, a Disney ainda tem a propriedade das marcas relativas ao Mickey Mouse, sendo que empresas que lançarem produtos infantis sem o devido licenciamento – como cadernos e mochilas, com certeza serão surpreendidas com alguma ação judicial da Disney.

Por que uma startup deve proteger suas obras autorais?

A atenção dedicada à proteção das obras autorais é uma consideração crucial para startups, sendo fundamental para o sucesso e a sustentabilidade dessas empresas no cenário de negócios atual. 

  • Exploração Comercial: Empresas como a Disney se sustentam na proteção das suas obras autorais, garantindo que não sejam copiadas e apenas a empresa consiga explorá-las para produção de obras audiovisuais e merchandising, por exemplo.
  • Redução de Riscos Legais: Além disso, essa proteção desempenha um papel crucial na prevenção de litígios que podem comprometer a reputação da startup e consumir recursos financeiros e temporais valiosos, como no caso de obras desenvolvidas por colaboradores com contratos que não prevejam regras sobre a utilização de tais obras. Nesse caso, é possível que o colaborador busque algum tipo de compensação pela continuidade do uso da sua contribuição para o projeto após seu desligamento.
  • Proteção dos Ativos em Fusões e Aquisições: Manter a integridade das criações da empresa também é importante em situações envolvendo fusões e aquisições, em que problemas relacionados à propriedade intelectual podem representar empecilhos para a concretização dos negócios. Isso é especialmente importante quando o know-how da empresa é elemento essencial na negociação, sendo comum que o investidor busque assegurar, sem sombra de dúvida, que a empresa tem o total controle sobre esses ativos intelectuais antes de fazer qualquer aporte. Mesmo em casos em que a propriedade intelectual da empresa não é o fator mais relevante, o potencial de disputas judiciais por violação de direitos autorais é suficiente para afetar o cálculo financeiro da transação, uma vez que o investimento representará maior risco para o investidor.
  • Possibilidade de Licenciamento: Outro aspecto vital é a possibilidade de a startup contar com uma proteção extra no caso do desenvolvimento de materiais educacionais, por exemplo, em que pode ocorrer o licenciamento da obra para grupos escolares. É importante, dessa maneira, garantir que esse licenciamento possa ocorrer e que a obra originária esteja devidamente protegida.

Em síntese, a atenção ativa à proteção das obras autorais não apenas resguarda os interesses legais e financeiros da startup, mas também estabelece um alicerce sólido para seu desenvolvimento, diferenciação no mercado e construção de uma base duradoura para o sucesso empresarial.

Como proteger as obras autorais?

  • Realizar o Registro Voluntário: Para garantir a efetiva proteção das obras resguardadas por direitos autorais, uma startup deve adotar diversas práticas proativas e estratégias legais. Inicialmente, é crucial proceder ao registro das criações da empresa junto a órgãos competentes, como o Escritório de Direitos Autorais. Esse registro confere à startup respaldo legal para reivindicar a autoria e salvaguardar seus direitos diante de eventuais violações.
  • Meios alternativos de registro: ainda que o registro nos órgãos competentes seja o meio mais seguro para comprovar autoria de uma obra, a lógica essencial do registro pode ser implementada por outras vias, qual seja, gerar algum tipo de prova de autoria, com um “carimbo” de data e hora, demonstrando ou descrevendo o conteúdo protegido. Isso pode ser feito utilizando plataformas privadas de registro de obras autorais, que geram um certificado digital atestando a data e hora do registro. Muitas iniciativas desse gênero já estão disponíveis no mercado, algumas mesmo aproveitando tecnologias como blockchain para oferecer segurança extra aos autores.
  • Adequação Contratual com Colaboradores: Além disso, a inclusão de cláusulas específicas em contratos de trabalho/contratos de prestação de serviço e acordos de confidencialidade, que detalham a propriedade e a não divulgação de informações sensíveis relacionadas às obras protegidas por direitos autorais, é essencial. Ao estabelecer tais cláusulas, a startup constrói uma base legal robusta para reivindicar a propriedade intelectual de suas obras, mesmo após a saída de colaboradores.
  • Adequação Contratual com Terceiros: Adicionalmente, ao firmar contratos com fornecedores, parceiros e terceirizados, é vital incluir cláusulas que delineiem claramente os direitos de propriedade intelectual envolvidos nas colaborações relacionadas às obras protegidas por direitos autorais. Essas cláusulas podem abordar temas como a transferência de direitos, licenças de uso e a confidencialidade das informações trocadas e são especialmente importantes em contratos envolvendo desenvolvimento de software, criação de websites, produção de conteúdo publicitário, dentre outros.

Ao antecipar e mitigar riscos legais por meio de contratos bem elaborados e do registro das obras, a startup resguarda suas obras protegidas por direitos autorais e estabelece uma base sólida para o crescimento sustentável no mercado, minimizando potenciais conflitos e protegendo seus ativos intangíveis de maneira eficaz.

O que levar para casa?

TL/DR: Em 2024, a versão original do Mickey Mouse entra em domínio público nos Estados Unidos, destacando a importância da proteção de propriedade intelectual. O direito autoral, fundamental para startups, abrange obras literárias e artísticas, não exigindo registro para garantir benefícios legais. Contratos e cláusulas específicas são essenciais para proteger obras autorais, evitando litígios e fortalecendo a posição competitiva. A proteção não apenas resguarda investimentos, mas também constrói confiança, permitindo inovação e crescimento sustentável. Startups devem adotar práticas proativas, como registros e políticas internas, para assegurar a integridade de suas criações e evitar violações de direitos autorais.

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