*Por Thiago Braichi, Júlia Barreto e Anna Flávia Moreira
Recentemente em nossa coluna, apresentamos um panorama sobre os Planos de Stock Options (PSO), abordando conceito, origem, formas de implementação (“Planos de Stock Options: atração, retenção e motivação de colaboradores estratégicos”), marco legal (“O impacto do Marco Legal das Stock Options para as Startups”) e seus impactos tributários (“Os impactos tributários dos planos de stock option”).
Conforme detalhado nesses artigos, os PSO são formalizados por meio de contratos de opção de compra celebrados entre as startups e seus executivos e/ou colaboradores. Na prática, as sociedades permitem que suas participações societárias possam ser adquiridas, desde que sejam atendidos certos requisitos.
Os PSOs se dividem entre (i) aqueles que, após cumpridos os requisitos, podem exercer a opção de compra e adquirir as participações societárias de acordo com o preço combinado e (ii) aqueles que adquirem as participações após cumprir as condições previstas contratualmente, mas não precisam pagar um preço pela aquisição.
No modelo de PSO (i), em regra, o preço de compra das participações é fixado em um valor acordado previamente. Assim, ainda que a startup apresente um desempenho excepcional e seu valor de mercado aumente, o colaborador poderá adquirir a participação com base no preço previsto no contrato.
Por se tratar de uma opção de compra (portanto, exercível de acordo com a vontade do colaborador), na prática, o colaborador costuma exercer seu direito de compra apenas quando as ações possuem um valor inferior ao valor de mercado. Isso quer dizer que o principal incentivo financeiro dos PSO está na possibilidade de o colaborador ter um ganho em adquirir a participação societária por um preço inferior ao de mercado.
Dito isso, neste breve artigo, atualizaremos o cenário tributário dos PSO tendo em vista a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Tema nº 1.226. Esse julgamento ocorreu em sede de recursos repetitivos, ou seja, o que foi definido pelo STJ deverá ser seguido pelo Poder Judiciário e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) obrigatoriamente, afastando muitos dos questionamentos que existiam sobre esse assunto.
Qual era o entendimento que prevalecia antes da decisão do STJ?
A Receita Federal do Brasil (RFB) vinha entendendo pela natureza salarial da compra de participações por PSO. Isso porque as participações societárias recebidas pelos colaboradores decorreriam de um contrato de trabalho e, por isso, deveriam ser enquadradas no conceito de remuneração como qualquer outra parcela destinada a retribuir o trabalho. Ainda segundo a RFB, mesmo quando o colaborador compra as participações, a diferença entre o valor de mercado e o valor pago na compra deveria ser tratada como remuneração.
Já os contribuintes entendiam pela natureza mercantil (ou seja, um contrato com características financeiras), por envolverem riscos ao colaborador que adquire participações societárias, na medida em que eles se tornam investidores da startup como quaisquer outros. Além disso, o colaborador tem a prerrogativa de comprar as ações com seu próprio dinheiro e apenas se quiser, demonstrando que existe uma escolha em participar daquele negócio envolvendo a startup.
Por que a definição da natureza jurídica dos PSO é relevante?
A definição da natureza jurídica de participações por PSO é necessária para determinar qual será a tributação desencadeada (i) pelo exercício da opção de compra e (ii) pela venda das participações adquiridas pelo colaborador a um terceiro.
- Pelo exercício da opção de compra:
Caso se considere que os PSO são caracterizados como remuneração (natureza salarial) e o colaborador exerça o direito de compra, a diferença entre o valor de mercado da participação societária e o seu valor de aquisição será tributada pelo Imposto de Renda (IR) na alíquota progressiva (até 27,5%) e às contribuições previdenciárias (INSS) na alíquota média de 14% para o colaborador. Além disso, a startup deverá recolher INSS sobre o valor à alíquota de 20%.
Por outro lado, caso se entenda que os PSO devem ser caracterizados como operações mercantis (natureza não salarial), não haverá tributação no exercício do direito de compra, pois se entende que, na verdade, o colaborador está tendo um custo – ao adquirir a participação – e não uma remuneração.
Exercício da opção de compra | |
Natureza remuneratória | Natureza mercantil |
Colaborador: IR – até 27,5%INSS – média de 14% Startup: INSS – 20% | Não há tributação. |
- Pela venda das participações adquiridas a um terceiro:
O ganho de capital proveniente da venda estará sujeito ao IR de 15 a 22,5%, independentemente da caracterização dos PSO como remuneração ou operação mercantil.
Contudo, a base de cálculo (valor sobre qual o imposto é cobrado) do IR irá variar. Caso se entenda pela natureza remuneratória, a base de cálculo do IR será a diferença entre o valor de mercado no momento do exercício da opção (e não o custo de aquisição) e o valor de venda, multiplicado pelo número de ações/quotas. Por outro lado, caso se entenda pela natureza mercantil, a base de cálculo do IR será a diferença entre o valor de aquisição da participação e o valor de venda, multiplicado pelo número de ações/quotas. Ou seja, a tendência é que se tenha uma base de cálculo maior na natureza mercantil, considerando o valor de mercado da startup.
Venda das participações societárias adquiridas a terceiro | |
Natureza remuneratória | Natureza mercantil |
Imposto de Renda – alíquota de 15% a 22,5% | |
Base de cálculo: diferença entre o valor de mercado no momento do exercício da opção e o valor de venda, multiplicado pelo número de ações/quotas. | Base de cálculo: diferença entre o valor de aquisição da participação societária e o valor de venda, multiplicado pelo número de ações/ quotas. |
Ou seja, imaginando um cenário em que o colaborador adquiriu 100 (cem) quotas da startup por R$2,00 (dois reais) cada quota. Contudo, o valor de mercado de cada quota é R$10,00 no momento da aquisição. Posteriormente, esse colaborador aliena essas dez mil quotas por R$6.000,00. Comparamos os cenários de acordo com a carga tributária descrita acima:
Exercício da opção de compra | |
Natureza remuneratória | Natureza mercantil |
INSS(100 x R$10,00) – (100 x R$2,00) = R$1.000,00 – R$200,00 = R$800,00 R$800,00 * 14% = R$112,00 Imposto de Renda R$800,00 – R$112,00 = R$688,00 R$688,00 * 27,5% = 189,20 Recolhimento total – Colaborador: R$301,20 | Não há recolhimento no exercício da opção de compra |
Venda das participações societárias adquiridas a terceiro | |
Natureza remuneratória | Natureza mercantil |
Imposto de Renda R$6.000,00 – (R$200,00 + R$800,00) = R$6.000,00 – R$1.000,00 = R$5.000,00 R$5.000,00 * 15% = R$750,00 | Imposto de Renda R$6.000,00 – R$200,00 = R$5.800,00 R$5.800,00 * 15% = R$870,00 |
Total recolhido: R$1.051,20 | Total recolhido: R$870,00 |
Importante: apenas para fins de demonstração, utilizamos as alíquotas “cheias” de IR (27,5%) e de INSS (14%), sem considerar a progressividade
Afinal, o que foi decidido pelo STJ?
O STJ decidiu que o PSO tem caráter mercantil e que não deve haver incidência do IR no momento do exercício da opção de compra pelo colaborador. De acordo com a decisão, a renda decorrente do exercício da opção de compra é apenas potencial e não se incorpora de imediato ao patrimônio dos colaboradores, não justificando a tributação pelo IR nesse momento.
Em outras palavras, o STJ definiu que os PSO não representam acréscimo patrimonial para o colaborador, assim, a tributação de eventual pelo IR dependerá de o colaborador reconhecer um ganho na alienação das participações societárias. Vale destacar que, no caso concreto, o colaborador teve desembolso do preço de exercício da opção de compra.
Como esse julgamento ocorreu por meio da sistemática dos recursos repetitivos, a posição do STJ é vinculante para o Poder Judiciário e para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Quais são os impactos desse julgamento para a minha startup?
A decisão do STJ que reconhece a natureza mercantil dos PSO representa uma mudança de cenário para os contribuintes. Na prática, essa decisão garante que as startups não precisem seguir o (atual) posicionamento da RFB, que vinculava o PSO ao contrato de trabalho, considerando-os como remuneração, que conta com uma carga tributária bem mais onerosa tanto para o colaborador quanto para a startup, como demonstramos anteriormente.
Além disso, apesar de não ter tratado diretamente das contribuições previdenciárias (apenas do IR), entendemos que a decisão do STJ também fundamenta a impossibilidade de se exigir contribuições previdenciárias sobre o PSO. Como o PSO não têm natureza mercantil, estes não deveriam se enquadrar como remuneração também para fins previdenciários.
E, ainda, caso a sua startup tenha realizado a retenção do IR (em nome do colaborador) bem como o recolhimento/retenção do INSS devido pela sociedade e pelo colaborador no momento do exercício da opção de compra, é necessário avaliar se é possível obter a restituição e/ou compensação desses tributos. Na prática, pode ser que exista, inclusive, uma oportunidade de recuperação tributária para as startups que já têm PSO’s há mais tempo.
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