JCP
JCP (Freitas Ferraz Advogados)

*Por Thiago Braichi, Júlia Barreto e Anna Flávia Silva

Muito além da sopa de letrinhas tributária, os Juros sobre Capital Próprio (JCP) podem representar uma forma de remuneração dos sócios, bem como um mecanismo de redução da carga tributária das empresas (incluindo as startups).

Mas o que são os JCP e como funcionam? 

Os JCP são um instituto jurídico com características híbridas, com natureza de distribuições de resultados (dividendos ou lucros) e de despesa financeira (aproximada aos juros).

De um lado, os JCP remuneram sócios ou acionistas de uma sociedade empresária (como as startups) em virtude do capital nela investido. Porém, quando essa startup realiza o pagamento dos JCP para o sócio, essa remuneração gera a obrigação de retenção do Imposto de Renda (IRRF) pela startup, com a aplicação da alíquota de 15%. Portanto, o valor recebido pelo sócio é líquido de IRRF, uma vez que a fonte pagadora (startup) já realizou a retenção na fonte. 

Para facilitar a visualização da diferença entre os cenários sem e com a aplicação de JCP, elaboramos a uma simulação abaixo: 

Simulação de apuração de tributos – Startup
DescriçãoSem JCPCom JCP
ReceitasR$     3.500.000 R$     3.500.000 
(-) Despesas do Exercício(R$     1.500.000) (R$     1.500.000) 
(-) Juros sobre capital próprio (A)R$                  –   (R$      411.995) 
Lucro Real R$     2.000.000 R$     1.588.005 
(-) IRPJ (15%)(R$        300.000) (R$        238.201) 
(-) Adicional IRPJ (10%)(R$        176.000) (R$        134.801) 
(-) CSLL (9%)(R$        180.000) (R$        142.920) 
Lucro Líquido (distribuição de dividendos) (B)R$     1.344.000 R$     1.072.083 
(-) IRRF (15%) – sobre JCP (C) R$                  –   (R$        61.799) 
Saldo destinado aos sócios (A) + (B) – (C)R$     1.344.000 R$     1.422.279 
Carga tributária(R$      656.000) (R$      577.721) 

Na simulação acima, o valor de JCP é de R$ 412.995,00, porém, houve retenção de IR no valor de R$ 61.799,00. Portanto, o saldo líquido de JCP recebido pelo sócio é de R$ 350.196,00 (cálculo de A subtraído C da tabela abaixo).

De outro lado, para a startup, o efeito fiscal do pagamento dos JCP é similar à despesa de juros. Essa despesa pode ser dedutível da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devido pela startup que seja optante pelo Lucro Real. 

Ou seja, o valor devido à título de IRPJ e CSLL é reduzido em razão da despesa dos JCP (que diminui o lucro tributável). Veja que, nossa simulação, o Lucro Real sem JCP é de R$ 2 milhões, enquanto o cenário com JCP (o lucro) é de R$ 1.588.005,00. Como se nota, há uma redução no IRPJ e na CSLL apurados pela pessoa jurídica.

À primeira vista, causaria estranheza a redução do valor passível de distribuição aos sócios. Contudo, apesar da diminuição do lucro, o sócio da startup recebe os dividendos/lucros e, também os JCP, portanto, o valor total destinado aos sócios é superior – basta comparar o saldo destinado aos sócios na tabela abaixo – de R$ 1.344.000,00 (sem JCP) e R$ 1.422.279,00 (com JCP).

Mas há limitação sobre o valor a ser pago de JCP? 

Sim, existe uma regra definida na lei tributária para o cálculo da remuneração. 

Os JCP são limitados à variação pro rata die (ou seja, por dia) da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), divulgada trimestralmente pelo Banco Central, aplicada em contas específicas do Patrimônio Líquido, definidas pela Lei nº 14.789/2023 – (i) capital social integralizado, (ii) reservas de capital formadas na subscrição de ações, (iii) reservas de lucros (exceto de incentivo fiscal), e (iv) lucros ou prejuízos acumulados.

Ou seja, apura-se o valor da base de cálculo (que são as contas específicas do Patrimônio Líquido) e se multiplica pela taxa TJLP. Esse é o valor máximo que a startup pode pagar para os sócios a título de JCP em determinado ano.  

Essa é a única limitação dos JCP? 

Não. O valor definido com base nas contas do Patrimônio Líquido e na variação da TJLP é o limite anual do valor de pagamento do JCP pela startup

Contudo, também existe um limite do que pode ser deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ou seja, por mais que seja possível distribuir um determinado valor (com base na primeira limitação), há ainda que ser verificado se todo o valor poderá ser deduzido (“aproveitado”) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. 

Dito isso, só serão dedutíveis os JCP pagos até o limite de (i) 50% dos lucros acumulados e das reservas de lucros ou de (ii) 50% dos lucros do exercício, o que for maior. 

E o que mudou com a Lei nº 14.789/2023?

A alteração recente no assunto foi sobre a base de cálculo a ser utilizada para o cálculo dos JCP. Depois da Lei nº 14.798/2023, as seguintes contas do Patrimônio Líquido passaram a ser consideradas, em contraposição àquelas previstas na redação original da Lei nº 9.249/1995: 

Lei nº 9.249/95 (redação original)Redação dada pela Lei nº 14.789/23
Capital socialCapital social integralizado
Reservas de capitalReservas de capital formadas na subscrição de ações
Reservas de lucrosReservas de lucros, exceto a reserva de incentivo fiscal
Ações em tesourariaAções em tesouraria
Prejuízos acumuladosLucros ou prejuízos acumulados

Além disso, a redação da referida lei também prevê que as variações positivas no Patrimônio Líquido decorrentes de atos societários entre partes dependentes (ou seja, uma parte que tenha vínculo com a startup) não serão consideradas no cálculo dos JCP. Isso poderá ser revertido apenas quando houver efetivo ingresso de ativos no patrimônio da startup (como um aumento de capital), de forma definitiva e independentemente do previsto nas normas contábeis.

Consequentemente, a alteração legislativa – ao modificar o alcance das contas de patrimônio líquido que podem ser utilizadas para o cálculo dos JCP – acabou por reduzir também o valor de JCP passível de ser pago.  

Mas quando vale a pena pagar o JCP?

Uma pergunta que pode ser feita é se é sempre vantajoso pagar os JCP, como demonstrado no exemplo anterior. Algumas coisas devem ficar claras para os sócios das startups

  • Como os JCP são uma despesa dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL e as despesas só são aproveitadas em sociedades optantes pelo Lucro Real, o efeito da economia tributária é identificado apenas nessas sociedades (que adotam esse regime).
  • Além de serem optantes pelo Lucro Real, as startups devem estar recolhendo IRPJ e CSLL – o que acontece, em regra, com sociedades lucrativas. Sem o recolhimento de IRPJ e CSLL, o aumento das despesas em razão do pagamento dos JCP não irá reduzir os saldos a pagar dos tributos. Logo, também não será identificado o benefício tributário. 
  • Por fim, para otimização da economia tributária, os JCP devem ser pagos para pessoas físicas, fundos de investimento ou sócios não residentes no Brasil (no caso de sócio não residente no Brasil, é necessário verificar os efeitos tributários do pagamento dos JCP no país de residência fiscal). 

Nos casos de pessoas físicas, por exemplo, o IRRF de 15% é visto como a tributação definitiva para quem recebe os JCP. Ou seja, o imposto retido é toda a carga tributária que é assumida pelo sócio da startup

No caso de pessoa jurídica que recebe os JCP, o IRRF não será visto como tributação definitiva. Portanto, será necessário recolher IRPJ e CSLL sobre a diferença (até o limite de 34% referente aos dois tributos combinados) e PIS e COFINS, a depender do regime de tributação da sócia pessoa jurídica. Portanto, não é recomendável pagar os JCP nesse caso. 

Quais são os aspectos controvertidos envolvendo os JCP? 

Um dos principais pontos de discussão envolvendo os JCP – especialmente entre a Receita Federal e as sociedades – é sobre a possibilidade de dedução dos JCP de forma retroativa. 

Isso acontece da seguinte forma: quando a startup calcula o valor passível de ser pago a título de JCP, esse cálculo é feito pela aplicação da TJLP sobre as contas do patrimônio líquido, como adiantado. Porém, a dedutibilidade dessa despesa de pagamento de JCP utiliza outra métrica, com base no limite do lucro do exercício ou dos lucros acumulados.

Portanto, é possível que o limite de dedutibilidade seja muito superior ao valor passível de pagamento – calculado com base na TJLP. Seria como dizer que o limite de dedução é R$ 50 mil, mas o limite de pagamento (pela TJLP) é de R$ 20 mil. Dessa forma, as sociedades têm calculado o JCP dos anos anteriores (com base na TJLP de outros exercícios) e realizando esse pagamento até o limite da dedução permitida (R$ 50 mil no nosso exemplo). 

A Receita Federal sempre teve o posicionamento de que o pagamento de forma retroativa não era possível. Porém, em junho de 2023, a 1ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) concluiu pela possibilidade de pagamento dos JCP de forma retroativa. A 2ª Turma do STJ também já havia se posicionado de forma favorável à possibilidade de pagamento do JCP de forma retroativa em outros dois julgamentos. 

Em conclusão, apesar da grande chance de questionamento pela Receita Federal pelo entendimento do órgão, o pagamento de JCP de forma retroativa conta com o respaldo favorável do Judiciário. Isso permite que as startups se aproveitem dessa forma de remuneração para redução da carga tributária e distribuição de valores aos sócios, mas sempre tendo em mente as situações em que é efetivamente vantajoso utilizar o mecanismo.

Sua startup é lucrativa e está no Lucro Real? Entre em contato conosco para que possamos avaliar se faz sentido aplicar os JCP na sua startup! Teremos o maior prazer em atendê-lo(a).

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