Há quem veja o mundo dos negócios como uma grande arena. De um lado, empresas tradicionais trabalhando ativamente para combater iniciativas de novos empreendedores. De outro, negócios sustentados por novas tecnologias medindo seu crescimento pelo tamanho do estrago nos mercados tradicionais. Lindo. É a destruição criativa de Schumpeter. Mas tem uma questão importante aqui: muito mais do que o atrito, a falsa aliança é que pode levar muita gente para o sacrifício.
Explico. Anos atrás, o lendário Fred Wilson, capitalista de risco cofundador da Union Square Ventures, disse que considerava “o diabo” os investimentos de grandes corporações em startups – aquilo que chamamos de corporate venture. Pela sua lógica, essas empresas tradicionais deveriam simplesmente comprar startups, em vez de investir em um negócio que elas, minoritárias, não controlariam. Quer o ativo? Compre!
O conselho combina bem com a cultura primitiva que impera nas empresas da velha economia. Em uma espécie de consumismo institucional, elas gostam de sair às compras. Adoram uma moda, principalmente se lhes der mais tamanho e influência. Só que adoram também manter as mesmas características, as mesmas formas de organização, os mesmos produtos e serviços. O mesmo do mesmo.
Já o investimento em corporate venture, em princípio, faz sentido e pode até representar um avanço se a empresa quiser realmente modernizar suas práticas. Mas, veja: poder pode, porém nem sempre é assim. Nesse aspecto, é preciso dar razão a Wilson em um ponto. Fundamental, aliás. Na mesma conferência em que invocou as forças infernais para caracterizar o corporate venture, ele avançou na provocação, perguntado se os seus defensores estavam querendo parecer “inteligentes para seus chefes”.
Mente aberta
De fato, os casos de corporate venture criados apenas para fazer bonito num PowerPoint dirigido a investidores são tão comuns quanto sair comprando empresas para crescer. O diabo, na verdade, se esconde nesse detalhe. As empresas não economizam nos discursos, cheios de palavras de efeito sobre suas razões e objetivos, quando montam seus corporate venture. Na prática, porém, não abrem mão da mentalidade colonizadora típica da Velha Economia.
Mentorando startups e sentando em conselhos, já ouvi todo tipo de absurdo e posso atestar que os executivos têm feito as perguntas mais erradas na hora de tomar a decisão do investimento. Alguns chegam a dizer que fazem análises financeiras de startups do jeito que sempre fizeram, usando TIR e VPL, por exemplo. Oi?! Peraí, você quer lidar com inovação e usar as ferramentas que se aplicam a empresas maduras?
Vejo, constantemente, gente apavorada com a velocidade com que os processos acontecem nas startups. Chamam essa velocidade de bagunça e caos… Como se fosse algo positivo a demora de várias semanas, típica da economia jurássica, para a tomada de decisões que poderiam, facilmente, serem aprovadas de forma descentralizada e com agilidade. Exemplos assim provam que esses caras não estão abertos a percepções que escapam de sua antiga régua.
Outra situação comum é comparar os investimentos em startups com a tradicional atividade de M&A. Os investimentos em startups são muito diferentes de M&A, como, por exemplo, a diligência, os termos da transação e a gestão pós-negociação. É raro executar esses programas com sucesso sem apresentar competências específicas para capital de risco. A realidade é que as empresas precisam desenvolver um conjunto de habilidades distintas de fazer investimentos minoritários em startups, afinal, a empresa não está pronta (leia-se: seja humilde!) e a própria startup não está pronta.
O que falta na sua startup?
O curioso é que se uma empresa quer um corporate venture, é porque lhe falta algo; e se essa carência tem a ver com visão de futuro, inovação e agilidade, a empresa está capenga nesses três pontos. Daí vem a pergunta: como você está transformando a sua própria cultura e seu modelo de gestão a partir do corporate venture?
Para a coisa funcionar, é preciso encarar a startup como um personal trainer. Ele dita a rotina de exercícios, mas cabe ao aluno incorporar a prática para que possa seguir adiante com seus próprios músculos. Não adianta ligar o automático e ir para a academia dois, três dias da semana. Se você não mudar seu comportamento, de nada servirá o personal.
Dito de uma maneira mais direta: é inútil querer se conectar a startups se não existir a disposição de aprender tudo o que elas têm a oferecer: agilidade, inovação, novos modelos de gestão, novos posicionamentos, desenvolvimento de tecnologia proprietária… Se o empresário não usar esse caminho para mudar seu próprio mindset, o benefício ficará mesmo como peça decorativa de PowerPoint, uma maquiagem que tenta esconder a pele velha sem a preocupação de ajudá-la a respirar.
É por conta desse comportamento que são comuns os casos de desperdício com o investimento em corporate venture. Afundadas em inércia, burocracia e mentalidade inflexível, as empresas acabam fracassando. Preguiçosas, são incapazes de responder a ambientes de mudança, justamente porque a mudança continua sendo vista como uma ameaça aos seus ativos tradicionais.
Na relação estabelecida pelo corporate venture, é essencial que a grande corporação seja a parte mais engajada na transformação. Voltando ao exemplo dos músculos, não adianta ir para a academia e fazer o treinamento do seu jeito porque “você está pagando” o personal. É preciso entender o valor da Nova Economia para a saúde do negócio.
Mais que esperar o retorno financeiro do investimento, a empresa que escolhe esse caminho deve se aplicar, ser proativa na absorção dos novos valores, para fazer a transição de forma legítima. Quando isso acontece – bingo! – ganha todo o ecossistema.
Startups seguem crescendo e ampliando sua influência, de maneira completamente autônoma, baseadas numa nova mentalidade. Ancoradas na inovação, não temem a competição nem tampouco a destruição – ela é mesmo desejável, desde que criativa. Você, que vai fazer aquele PowerPoint bonitinho, está preparado pra isso?
Fica aqui um aviso: no movimento das corporate ventures, é preciso destruir muito do que hoje lhe parece impensável. Os escombros podem servir de fundação para um edifício ainda mais sólido. Se isso não acontecer, a casa vai cair. E na sua cabeça.
Ps.: Se na sua empresa só aquela meia dúzia está acostumada a se expor a grandes ganhos, como stock options, as coisas vão mal. Continuem com esse pensamento mesquinho e todos os empreendedores investidos por seu corporate venture vão se tornar o mesmo tiozão que você.