Plataformas Digitais
Plataformas Digitais

*Por Guilherme Guidi e Rodrigo Pôssas

Administrar uma plataforma digital pode ser visto como uma escolha de negócio muito atrativa: você pode fornecer serviços ou produtos de qualquer lugar; pode acessar mercados ao redor do mundo e a maior parte do trabalho parece se resumir a codificar um novo aplicativo web ou outro software. Além das praticidades que advém desse modelo de negócio, a escalabilidade dos produtos ou serviços ofertados ampliam ainda mais a potencialidade financeira de se criar e administrar uma plataforma digital. 

Em estudo global realizado pela McKinsey em 2022, constatou-se que as empresas de alto desempenho possuem critérios paralelos que as diferenciam das outras empresas. Dentre esses, o estudo menciona o foco em tecnologia digital para diferenciação estratégica no engajamento de clientes e inovação. No mercado de SaaS (Software as a service), por exemplo, verificou-se em outro estudo que esse mercado já representa 59% do mercado de nuvem pública com receitas de $156 bilhões, mas espera-se que aumente em 80%, chegando a $280 bilhões até 2026.

O que não é tão claro para a maioria dos empreendedores, porém, é que, além de definir as regras de como o negócio será executado e como o lucro será compartilhado, a própria plataforma exige uma atenção legal. 

O velho versus o novo

A flexibilidade e o dinamismo exigidos pelas plataformas digitais ou outros modelos da era digital parecem, por vezes, colidir com os instrumentos jurídicos clássicos responsáveis por regulamentar uma plataforma ou serviço. A formalidade e tradição rígida, típicos do mundo jurídico, podem parecer (e geralmente são) insuficientes ou incapazes de garantir, de forma simultânea, a segurança aos modelos de negócios contemporâneos e a flexibilidade e dinamismo exigidos no mercado.

É comum – e por vezes compreensível – vislumbrar dicotomia entre as respostas jurídicas tradicionais e a velocidade e o dinamismo exigidos pelo mercado digital. Com isso, muitos preferem ignorar a questão ou, por vezes, aceitar o risco sem mensurá-lo de forma correta. Contudo, é importante buscar respostas adequadas e capazes de atender a sua plataforma digital ou modelos de negócios semelhantes.

É desnecessário dizer que iniciar e gerenciar um negócio apresenta vários desafios para quem está no comando, incluindo gestão financeira, operacional e de recursos humanos, entre outros. Esses desafios são agravados por orçamentos limitados e escassez de recursos (financeiros e humanos). Nesses cenários, a gestão pode optar por adiar o enfrentamento de questões legais relacionadas ao produto ou serviço digital que oferece ao mercado devido ao custo percebido de fazê-lo ou, por vezes, pela aparente incompatibilidade mencionada acima.

Para matérias envolvendo questões societárias, tributárias e de proteção de dados, já vimos alguns tópicos em que uma assessoria jurídica adequada pode ajudar nesse desafio  – ao invés de engessar e prejudicar um modelo de negócios. No entanto, é justamente na interface entre a plataforma e seus clientes/consumidores que a flexibilidade, clareza e objetividade são as características mais valiosas para um documento jurídico.

Há algumas medidas simples, mas altamente impactantes, que podem ser adotadas desde cedo para evitar armadilhas legais. Ao tomar essas medidas antecipadamente, uma empresa pode reduzir significativamente seus riscos e evitar despesas significativas, garantindo, de forma simultânea, a segurança necessária e capaz de promover o modelo de negócios presente na plataforma.

Contratos, Acordo, “Papelada”: o que é essencial?

O primeiro aspecto que uma empresa precisa analisar é “Quais são as regras para usar minha plataforma?”. Da mesma forma que você precisa de um contrato quando compra uma casa ou contrata alguém para reformá-la, a oferta da sua plataforma ao público deve vir com algumas condições inseridas. Mas saiba que o contrato não precisa ser aquele documento de 40 páginas em Arial tamanho 9, cheio de jargões jurídicos e pronto para fazer o usuário dormir. O desafio é escolher a maneira certa de entrar neste acordo.

Há documentos diferentes, mas complementares, que uma plataforma pode usar para regular sua relação com usuários e parceiros (por exemplo, fornecedores). Ao fornecer seus bens ou serviços a usuários regulares, a empresa precisa estar ciente de todas as normas legais referentes a esse modelo de negócio, incluindo regulamentos de defesa do consumidor. Esses requisitos são normalmente estabelecidos na forma de um documento costumeiramente intitulado de “Termos e Condições” ou “Termos de Uso”.

Em essência, o documento é responsável por estabelecer as obrigações de ambas as partes (consumidor e plataforma) em relação ao uso ou consumo de seus bens e serviços. Ele define, entre outras obrigações, deveres básicos, limitações de como a plataforma pode ser usada, responsabilidade por danos, pagamento, propriedade intelectual, padrões de nível de serviço (“SLA”), entre outros.

Isso é, por definição, um contrato na lei brasileira. No entanto, isso não significa que essas condições não possam ser escritas em uma linguagem mais clara e acessível, de uma forma que melhor comunique as informações necessárias ao usuário na “voz” da empresa.
A existência de documentos que, em linguagem simples, demonstrem as regras de funcionamento da plataforma são aspectos fundamentais para obtenção de confiança do consumidor e demais usuários da plataforma. Em estudo recente conduzido pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), alguns elementos foram destacados para se obter a confiança de consumidores em plataformas online. Dentre os elementos, destacam-se:

  • Informação Clara: fornecer aos consumidores informações confiáveis e acessíveis é crucial. Isso inclui tratar dos problemas com classificações, avaliações e endossos de influenciadores, garantindo transparência e precisão.
  • Produtos Seguros: garantir a segurança dos produtos vendidos online, especialmente no comércio eletrônico transfronteiriço, é vital. Isso envolve comprometer as plataformas a remover produtos perigosos e colaborar com as autoridades.
  • Proteção Adequada de Dados: proteger os dados dos consumidores contra coleta excessiva e uso indevido pelas plataformas, especialmente em relação a algoritmos de inteligência artificial e recomendações personalizadas, é essencial. 
  • Resolução Efetiva de Disputas: fornecer mecanismos fáceis para os consumidores resolverem disputas, especialmente em transações transfronteiriças, pode aumentar significativamente a confiança nas compras online.
  • Responsabilidades Claras das Plataformas: esclarecer as responsabilidades e obrigações das plataformas, especialmente aquelas que fornecem serviços de intermediação, é aspecto fundamental. Isso envolve informar, de forma clara e inequívoca, tanto os consumidores quanto os fornecedores sobre seus direitos e obrigações.

Tais questões podem ser regulamentadas, como dito, em instrumentos jurídicos transparentes e sem que isso necessariamente ocasione prejuízo na experiência do usuário.

Além disso, para permitir que as funções de negócios funcionem adequadamente, a aceitação dos termos e condições precisa ser fluida, garantindo e rastreando o consentimento do consumidor. Para implementar isso, existem 2 (duas) opções diferentes que uma plataforma pode configurar para reduzir seus riscos:

  • Consentimento afirmativo (conhecido como click-wrap): antes de acessar os bens ou serviços fornecidos pela plataforma, o consumidor precisa consentir com os termos da plataforma. Independentemente de como é implementado, o cliente deve ter acesso ao documento antes de acessar o produto/serviço oferecido na plataforma. Neste cenário, menos flexibilidade é fornecida, mas você tem maior certeza sobre o aceite do usuário, pois isso decorre de uma ação afirmativa do usuário.
  • Consentimento presumido (também conhecido como browse-wrap): após acessar os bens ou serviços fornecidos pela plataforma, o usuário pode, mas não precisa, acessar os Termos e Condições adotados pela plataforma. A experiência do usuário ao acessar a plataforma é melhorada, pois você não precisa pedir ao usuário para preencher uma caixa de seleção ou concordar diretamente. Por outro lado, evidências do consentimento do cliente e a consciência de suas obrigações podem ser comprometidas, já que você está presumindo seu consentimento com base em seu uso contínuo da plataforma – e não em um ato formal de aceitação. Os tribunais brasileiros não são fãs desse tipo de consentimento, mas ele ainda é amplamente utilizado na indústria.

Às vezes, no entanto, um contrato mais tradicional pode ser uma escolha melhor, dependendo com quem você está lidando e quão complexo pode ser o arranjo negocial. Isso é geralmente o caso com fornecedores, parceiros ou contratados.

Essa situação, por exemplo, pode se aplicar a uma plataforma na qual os usuários podem comprar ou vender itens. Se plataforma permite que a inscrição, seja como comprador ou vendedor, seja automática e disponível para qualquer pessoa, faz sentido ter uma forma mais simples de contratação que não exija a negociação dos termos, assinatura, etc. Um documento de “Termos e Condições” faria sentido então.

Em outro exemplo, se esta plataforma é facilmente acessível para usuários que querem comprar, mas apenas vendedores selecionados podem se registrar para vender seus produtos na plataforma, ou apenas algumas empresas específicas poderão fazê-lo, provavelmente será mais prático ter outra forma de contratação. Neste caso, dependendo de quem é a outra parte (o parceiro/fornecedor), geralmente um acordo mais tradicional terá que ser negociado.

Termos e Condições
(Termos de Uso)
Contratos Tradicionais
Flexibilidade: a plataforma pode alterar suas cláusulas mais facilmente com base nos bens e serviços oferecidos na plataforma. O usuário precisa ser notificado de qualquer mudança, mas não precisa assinar ou aceitar um novo acordo.Proteção Legal: elaborar e concordar com um acordo legal proporcionará mais proteção para a plataforma, já que o contrato é assinado após a negociação de todas as cláusulas.
Transparência: o usuário final pode acessar facilmente o documento, proporcionando mais transparência e confiança com os consumidores.Complexidade: devido à sua versatilidade, relações mais complexas podem ser abrangidas pela elaboração de acordos de diferentes tipos (contrato de locação, contrato de licenciamento, etc.).
Conformidade: juntamente com outros documentos, como Políticas de Privacidade, a plataforma pode fornecer evidências de conformidade regulatória e estatutária com as leis de consumo e privacidade.Confidencialidade: informações confidenciais sobre a plataforma (por exemplo, informações proprietárias ou que envolvem segredos comerciais) podem não ser divulgadas ao público em geral considerando a execução do acordo.

Outros cuidados, obviamente, são necessários, e serão tratados por essa coluna em próximas oportunidades. 

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