Foto: Canva
Foto: Canva

* Rodrigo Tognini, CEO e cofundador da Conta Simples, e Pedro Marins, Head de Finanças da Conta Simples

Nos tempos de “vacas-magras” no mercado de Venture Capital ver uma headline “Startup adquire empresa” pode parecer contraintuitivo. Afinal, uma aquisição demanda um investimento de tempo, recursos e investimento que, em uma primeira vista, parece arriscado em um cenário de valuations comprimidos e disponibilidade escassa de capital.

O que vemos, na verdade, é um momento de oportunidades. Um M&A pode ser um movimento para integrar um produto que levaria tempo para ser desenvolvido, adquirir uma base maior de clientes para possibilitar estratégias de Cross-sell, empilhar receita ou trazer capacidades técnicas para a empresa que está realizando a aquisição. 

Gosto de dizer que qualquer coisa pode ser desenvolvida se tivermos tempo e recursos. Contudo sabemos que startups precisam se desenvolver de forma extremamente rápida se quiserem manter o mercado conquistado e continuar crescendo. Muitas vezes não temos o tempo necessário para construir uma feature ou produto dentro de casa ou para crescer a base de clientes antes que um novo competidor entre no mercado. Um M&A é uma forma de acelerar esse processo. É a oportunidade de transformar algo que levaria anos em poucos meses. 

Como empreendedor de primeira viagem, “comprar uma empresa” pode parecer complexo. Notícias dão a entender que são múltiplos processos: analisar a empresa, performar uma due diligence, envolver advogados, investir horas e horas em negociação, fora a ansiedade pelo conceito quase divino da palavra Mergers & Acquisitions. Afinal, o seleto grupo de profissionais de M&A compõem o topo da pirâmide da Faria Lima. 

Quis escrever sobre esse assunto exatamente porque foram questionamentos que eu fazia quando começamos a discutir nosso primeiro M&A na Conta Simples e perguntas como: “como vocês fizeram um M&A ainda no estágio de Series A? Não é muito complexo? Vocês têm um time dentro de casa ou contrataram uma assessoria? Quanto tempo levou todo o processo? Os investidores apoiaram?” foram pautas de várias conversas que tive após anunciarmos. 

Não é um processo simples, mas também não é “impossível” como parece. Ao mesmo tempo demanda dedicação e precisa ser bem executado. E sim, é possível realizar aquisições sendo uma startup. 

Como começar? 

Em early-stage, um M&A é sobre pessoas. Você está comprando uma empresa, um software desenvolvido, uma base de clientes, mas primeiramente está se juntando às pessoas que construíram e elas são a chave para o sucesso. 

Um investidor nos disse “faça um teste, alugue um carro, convide as pessoas da empresa e dirija por 5 horas. Se vocês gostarem da viagem, e esse tempo juntos for bom, pode seguir com o deal”. Levo esse conselho comigo porque a maior verdade é que você continuará trabalhando com as pessoas que começaram o negócio por muito tempo e ter fit com o seu time é fundamental. 

O segundo passo é ter alinhamento de propósito na construção do futuro conjunto. Não é só a empresa adquirida que precisa comprar o propósito da sua empresa para querer se juntar. Você também precisa comprar o propósito dela. Vocês definirão os próximos passos em conjunto. Defino aqui propósito não só como o objetivo e visão de futuro do negócio mas também como o caminho a ser percorrido e motivações para chegar lá. 

Tendo fit de cultura e alinhamento de propósito, o terceiro passo é entender as expectativas. Os fundadores da empresa a ser adquirida querem vender? É o momento? Qual a ambição de longo prazo que têm? A venda da companhia que construiu do zero é sempre emocional. Como comprador você não pode simplesmente chegar com uma proposta pronta. É um processo em que primeiro é necessário gerar confiança e relacionamento, antes mesmo de manifestar o desejo de adquirir a empresa. E é com base nesse relacionamento que a proposta será construída. 

A proposta

Chegando a um acordo de que a transação faz sentido para ambas as partes, o próximo passo é desenhar uma proposta, e para isso será necessária a coleta de informações para possibilitar realizar um valuation da empresa a ser adquirida. É aqui que muitos empreendedores acreditam que precisam de um assessor para construir um modelo. 

Mas, na verdade, os próprios fundadores podem analisar o modelo de negócios, os economics e as finanças com o apoio do time financeiro interno. Solicitar ajuda a colegas empreendedores, investidores e parceiros é um trunfo a ser utilizado. Seus investidores entendem do seu negócio e podem ajudar na construção do racional da proposta. 

Uma boa forma de começar é escrever o que a empresa a ser adquirida pode agregar para o negócio, porque agora é o momento certo e quais as sinergias e valor potencial das empresas combinadas. 

Negociação

Acordado do valor da transação inicia-se a fase de negociações de termos. Nesta fase serão negociadas as opções de compra e venda, permanência dos fundadores do negócio, vesting de ações, regras de earn-out, entre outros importantes temas. Um bom assessor legal faz muita diferença, mas a chave é um bom alinhamento entre as partes. Se ambos estão alinhados na visão de longo prazo e objetivos da transação, a negociação se torna muito mais simples e o processo correrá bem. 

Isso não significa que você precisa ter uma postura suave, afinal você está realizando um investimento relevante em um movimento extremamente estratégico para sua empresa. Seja justo, transparente e consistente nas negociações. Isso vai fazer com que a parte adquirida desenvolva confiança em você, o que será imprescindível para o sucesso da transação.

Monday Morning

Finalizado o processo de negociação e com os documentos assinados entra-se na fase mais importante: a integração, ou, a primeira manhã de segunda-feira depois do casamento. E agora, quem dorme do lado direito e quem dorme do lado esquerdo? Como fica a nova estrutura organizacional? E as pessoas? E o nome da empresa combinada? 

Não existe uma resposta certa. Cada transação de M&A tem suas particularidades e contextos diferentes. Nessa fase, o alinhamento e relacionamento construídos desde o início do processo são a coisa mais importante. Se os objetivos, visão de longo prazo, motivações e propósito foram claros desde o início, essa fase nada mais é do que a formalização dessa construção. Mas se não o for, vemos aqui a primeira oportunidade para que a transação dê errado e o valor seja destruído, e não construído como planejado. 

Estudamos múltiplos frameworks, conversamos com muitos empreendedores que já passaram por processos de M&A, aprendemos o que deu certo e o que não deu em outras transações. O que posso afirmar é que nenhum caso foi igual. Mas o que todos tiveram em comum foi um alinhamento claro, desde o início, de qual seriam os objetivos e resultados esperados no curto, médio e longo prazo. 

O modelo que gosto de seguir é desenhar quais as expectativas, entregas, tarefas e resultados esperados nos próximos 3, 6, 12 e 24 meses. Com isso em mente, a integração nada mais é que um projeto com etapas, responsáveis, entregáveis, objetivos e KPIs de sucesso a serem mensurados. 

Por último, e retomando o primeiro ponto deste artigo, um M&A é feito por pessoas. É imprescindível que o movimento e suas motivações e resultados esperados estejam claros para ambos os times. As pessoas serão responsáveis por desenvolver o valor que os fundadores enxergaram nos negócios combinados. Fique próximo, garanta que se sintam parte e, mais importante, garanta que o mesmo alinhamento de cultura e relacionamento desenvolvido entre os fundadores repercute nos times. 

Simplificando 

Quero mostrar neste artigo que um processo de M&A, por mais complexo que pareça, pode ser executado por startups em qualquer fase. Um M&A consiste em um investimento de tempo e recursos, mas que pode alavancar o crescimento da empresa em grande velocidade, e pequenas dicas como as aqui descritas são importantes para assegurar o sucesso da transação e a geração de valor para ambas empresas envolvidas. 

Para quem desejar dar este passo, boa sorte no negócio!